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24.5.20

Linha M - Patti Smith

Hoje, no dia do café, não tenho como não lembrar de Patti Smith e e a relação ritualística que ela criou com os cafés (espaços e bebida). 



Linha M é composto por memórias de diversas épocas da vida da autora em que ela traz um olhar único, íntimo e mágico sobre muitas questões as quais as experiências de vida que ela teve a levaram a refletir, é um livro de alguém eternamente aberta ao mundo para aprender, alguém que olha o mundo sempre com olhos curiosos e vivos. Um livro que te faz querer ter paixão pela vida mesmo nos momentos mais tristes. 

O que isso tudo tem a ver com café? No primeiro capítulo, Patti nos fala sobre o Café 'Ino, lugar em que ela vai todas as manhã, escolhe a mesma mesa para ler e escrever. Além disso, a bebida e o espaço dos cafés estão presentes em muitos outros momentos, buscar um café é um ritual que Patti tem em todo lugar que vai. O café é o terreno de criação e a bebida parece seu combustível. 

"Minha mesa e a cadeira do Café 'Ino. Meu portal para onde."

Ler Linha M é se sentir tocado pela imensa sensibilidade que Patti tem acerca da vida e da arte. Além de artista, ela é uma apaixonada por arte, ao longo do livro ela cita diversos artistas que a marcaram de alguma forma, tudo de forma muito singela e sem nenhuma soberba intelectual. Isso mostra pra mim a humildade que ela tem ao compartilhar suas referências e o quanto aprende e cresce com outros artistas.

"Todos os escritores são vagabundos - espero ser considerada uma de vocês um dia."

Ir ao cemitério desses artistas é outro dos rituais que ela cultiva, como que para celebrar a vida que tiveram e o que puderem nos deixar. Patti os faz ainda vivos. 

"Os mortos falam, nós é que esquecemos de ouví-los"

22.12.19

Atualização da Maratona de Dezembro (Desesperatona)

Como o previsto, acabei mudando minhas leituras da maratona, e diminui a meta para 8 livros. A mudança se deu porque comecei a ler O Olho mais Azul, romance de estreia da Nobel Toni Morrison e simplesmente não consegui parar!! O outro foi The Catcher in the Rye (O apanhador no campo de centeio), um clássico que venho adiando ler há muito tempo e havia pegado emprestado um exemplar em inglês que vou precisar devolver no começo de Janeiro, também estou gostando muito desta leitura, os dois livros eu estou lendo em inglês, porque esse é um hábito que quero melhor em 2020 e porque não começar já?

Então. ficamos assim:

semana de 01 - 08

1. Só as Mulheres Sangram  (comecei a ler em 24/11)
2. Garotas Mortas (comecei a ler em 26/11)
3. Zonas Abissais 

semana de 09 - 15

4. As Andorinhas

semana de 16 - 22
5. O Olho mais azul 
6. The Catcher in the rye (03/01)

semana de 23 - 31

7. Um Defeito de Cor (08/01)
8. Eu sei porque o pássaro canta na gaiola (05/01)


atualizado em 20/01: LI TODOS \o/ não em dezembro, mas terminei. 

17.12.19

Só as mulheres Sangram - Lia Vieira



Só as mulheres Sangram foi publicado em 2011 e reúne 10 contos que giram em torno do cotidiano da população negra brasileira em diversos contextos. O livro surge como urgência de existir, denunciar e rexistir. Lia Vieira dedica sua obra a "celebrar a mulher que dói a dor de ser", "para aquelas que proclamarão, a cada dia, o fim da exploração e da opressão e se moverão sobreviventes em direção à liberdade". 

A escrita de Lia se apresenta como prosa poética, alguns contos nem sempre seguem uma forma mais tradicional do gênero. As personagens são heróis dos morros, das vielas e as vítimas da violência policial, mas também são homenageados antepassados, como no conto Rosa da Farinha. "Operação Candelária" é um conto escrito como ficção científica, mas que faz referência à chacina da Candelária, um dos mais fortes. Para além das denúncias sociais, a importância do livro se dá pela representatividade de protagonistas negros e negras na ficção brasileira, há por exemplo um conto sobre um romance breve entre dois escritores negros num evento literário em Havana, num mundo em que todas as capas dos romances de Nicholas Sparks são com pessoas brancas, falar do amor entre pretos importa.  

Numa sociedade em que mais da metade da população é negra, mas não são os escritores negros os mais lidos, como podemos falar em conhecer literatura brasileira se o que é mais lido não representa essa parcela? 

Numa matéria do El País, a pesquisadora e professora Regina Dalcastagnè mostra dados sobre o assunto e afirma: "Talvez eles não sejam editados porque são sempre encarados como uma literatura de nicho. Por que a literatura de um homem branco, de classe média, é considerada universal e a de uma mulher negra não seria?”, comenta a pesquisadora.

Na matéria temos os dados "Entre 2004 e 2014, apenas 2,5% dos autores publicados não eram brancos. No mesmo recorte temporal, só 6,9% dos personagens retratados nos romances eram negros, sendo que só 4,5% eram protagonistas da história. E, entre 1990 e 2004, o top cinco de ocupações dos personagens negros era: bandido, empregado doméstico, escravo, profissional do sexo e dona de casa"

Autores negros por falarem de racismo ou escolherem escrever sobre sua cor, criarem protagonistas negros não são só para leitores negros, não são literatura de nicho, assim como nunca se questionou se só pessoas brancas devem ler escritoras brancos. Não podemos afirmar conhecer a literatura brasileira quando tão poucos escritores negros são referenciados. 

Lia Vieira é doutorada, tem mais duas obras individuais e participou de diversas antologias. 




16.12.19

Garotas Mortas



Quando criança, quase adolescente, a pequena Selva Almada ouviu no rádio uma notícia sobre o assassinato de uma mulher, ocorrido perto de onde ela morava, esta notícia, mesmo sem todo o raciocínio crítico de mais tarde, já impressionou a escritora, ao imaginar que: ela poderia ter sido a vítima.

Ao longo do livro, que é descrito como jornalismo literário, a escritora argentina escolhe 3 casos de feminicídio (palavra que ainda não é nem reconhecida em todos os dicionários) ocorridos nos anos 80 na Argentina para se questionar sobre as condições de violência que todas as mulheres estão expostas simplesmente por serem mulheres. Os casos relatados são de certa forma "aleatoriamente" escolhidos, poderia ser qualquer um, poderia ser ela mesma, é o que une cada leitora e a própria escritora de forma intima as vítimas desses assassinatos - todos sem resolução até hoje. 

Não há uma linearidade na narrativa, a autora entrelaça memórias pessoais, como quando pedia carona no caminho da escola, ou uma história de quando o pai tentou bater na mãe dela, também seus relatos ao decidir escrever o livro e a busca pelos familiares das vítimas ou informações que a fizessem juntar as peças dos casos, mesmo sem nenhuma intenção policial. Em algum momento percebi que ela procurou reviver essas histórias não na tentativa de solucionar algo, que já parecia perdido - ou que na verdade é mais do que encontrar um culpado - um culpado abstrato personificado nos assassinos: patriarcado.
Segundo Christine Delphy e, "Dicionário Crítico de Feminismo": 

“Patriarcado” é uma palavra muito antiga, que mudou de sentido por volta do fim do século XIX, com as primeiras teorias dos “estágios” da evolução das sociedades humanas, depois novamente no fi m do século XX, com a “segunda onda” do feminismo surgida nos anos 70 no Ocidente.

Nessa nova acepção feminista, o patriarcado designa uma formação social em que os homens detêm o poder, ou ainda, mais simplesmente, o poder é dos homens. Ele é, assim, quase sinônimo de “dominação masculina” ou de opressão das mulheres. Essas expressões, contemporâneas dos anos 70, referem-se ao mesmo objeto, designado na época precedente pelas expressões “subordinação” ou “sujeição” das mulheres, ou ainda “condição feminina”. (fonte: qg feminista)


É a partir dessa noção que Selva Almada vai mostrando que a violência feminina na sociedade patriarcal que vivemos - no mundo todo, em alguns lugares em níveis maiores que os outros - fazem parte do cotidiano de meninas e mulheres de forma extremamente naturalizada. É ao se dedicar a escrever sobre 3 casos já esquecidos e sem solução que a autora tenta resgatar a memória das vítimas e de tantas outras esquecidas pela ideia de que "nada podemos fazer" e dizer: nossas vidas importam!

Quando que meninas começam a ter essa noção de mundo? A ideia assustadora e quase paralisante de que podemos ser a próxima vítima? E não só de um assassinato, podemos ser a próxima vítima de um assédio sexual, de um "fiufiu", de uma coerção sexual, de manipulação psicológica, de estupro, de uma tentativa de estupro, de um soco, de um relacionamento abusivo, de uma sex tape vazada na internet, de uma nude vazada na internet, de uma mentira de cunho sexual que contam por aí, entre tantas outras violências.

Quando tomamos consciência que nascer menina é estar exposta a não pode existir livre? E o que fazer ao saber disso?

Selva Almada não dá nenhuma resposta para isso, e nem pretende. Em Garotas Mortas somos entregues a perguntas e a desolação de se perceber mulher num mundo em que homens querem te violentar na primeira oportunidade que tiverem. 

E não há quem ouse dizer que isso é exagero, é só dedicar 10 minutos a pesquisar que você poderá encontrar que hoje mesmo, uma mulher sofreu algum tipo de violência, é só perguntar a qualquer mulher próxima que você terá um relato de algum tipo de violência que ela tenha sofrido, seja sutil ou não. Mas homens também sofrem violência, alguns desonestos insistem em dizer, mas não sofrem por simplesmente nascerem homens. 

O ponto negativo que achei do livro é que pra mim, ela poderia ter se debruçado a uma análise mais profunda e crítica sobre o feminicídio e o machismo cotidiano. Como o livro acaba levando um tom muito subjetivo e até poético, a autora acaba deixando de se posicionar mais em alguns momentos, ela expões detalhes que imagina sobre os momentos da morte o que dá uma sensação apenas de "choque", é preciso em obras como esta, que são criadas como manifesto contra isso, que seja claro como vivemos numa sociedade totalmente contaminada pelo machismo e como isso que leva a morte de mulheres. 

O final também é bastante desolador, como já disse, Selva Almada conclui que só estamos vivas por pura sorte, o que não deixar de ter sua verdade, mas também precisamos nos apegar a esperança de que podemos lutar de alguma forma enquanto estamos vivas. Inclusive decidir escrever um livro sobre isso é uma forma de não estar viva apenas desejando não morrer na próxima esquina. 

Achei o livro importante, mas faço essas considerações, devemos ler Garotas Mortas como um manifesto contra o silêncio, estamos vivas e vamos fazer barulho. 



9.12.19

Zonas Abissais - Lisiane Forte



Em 2019, 3 mulheres que vivem na minha cidade lançaram livros de poesias, entre tantas outras aqui que também devem ter lançado e pelo mundo. Destaquei as 3, pois os livros remetem nos títulos a elementos marítimos, são eles Sereia em Copo D'água de Nina Rizzi, ÁGUA, de Sara Síntique e Zonas Abissais, de Lisiane Forte, este que vou me deter a falar um pouco mais.

O mar, esse vasto tecido que banha Fortaleza e é fonte incansável de poesia no qual Lisiane Forte vai mergulhando até perder o fôlego e retoma ao lançar seu grito de socorro pelos poemas que temos em mão.

"e eis que entro na gruta mais interior e mais cavada" - anuncia Sophia de Mello Breyner Andressen, outra poeta que trouxe águas profundas para seus versos.

O livro pode se dividir em duas partes, se assim o leitor quiser interpretar, "Mulher-pássaro" e "Mulher-peixe". A autora dedica o livro a todas as mulheres e a seus dois filhos. O eu-lírico anuncia "ouço todos os suspiros / das mulheres incompreendidas". 

Talvez, por se fazer eco das vozes de mulheres incompreendidas, mesmo eu sendo mulher, senti algumas vezes grande dificuldade de nadar nas águas dos poemas de Lisiane e isso não deve ser interpretado como algo negativo. 

Tivemos nos últimos tempos um boom de poetas jovens que escrevem para a internet e aproximaram pela facilidade de compreender o sentimento que falavam leitores que não gostavam de poesia. Algo que penso ter suas vantagens, mas que por outro lado pode ter nos acostumados a uma poesia muito "simples" e a estranhar ao nos deparar com águas mais turvas ou achar que um livro "difícil" de ler é algo ruim. Não vou dizer que achei uma leitura fluída, pois não vou, mas nem tampouco vi isso como um problema.




Zonas Abissais é desses livros de águas misteriosas, em que precisei ler e reler algumas vezes, parar, respirar, tomar ar pra começar a enxergar por onde Lisiane queria me levar. Afinal, a escritora mesma avisa que é "este mar profundo que há em mim/e que em mar profundo me orienta". a voz diz  "ainda escuto vozes / e desperto feras". E ao longo da leitura você percebe que não é um canto de sereia que ouvimos, mas sim o uivo de uma monstra marítima, como bem afirma nina rizzi na apresentação do livro. 

Nessa poesia de profundis, Lisiane tira das chamas todas as mulheres acusadas de serem profundas demais, complicadas demais, sensíveis demais, demais demais. Sua poesia é sim demais, e é muito, e é imensa, poesia "da mulher que abocanha todos os sentidos,/e que nada sabia dos finitos". 

Em Zonas Abissais, Lisiane Forte rejeita o raso da alma, quer criar novas raízes: "de que formas se criam novas raízes?" foi uma pergunta que latejou em mim. Mesmo parecendo meio obtusa, com certeza algum verso ou vários, te tocam como caldas de águas vivas. Um dos que mais me tocou começa assim "o distante é um mundo abstrato, fundo / e cada vez mais escuro", eu, com minha melancolia presente, quantas vezes viro essa fera de olhos doces, que se esconde em camadas tentando cobrir minhas dores, afundo, fico distante, recuso palavra, e é na poesia que esses seres de zonas abissais podem existir incapturáveis talvez, mas inesquecíveis. 




Agora, relendo para escrever esse texto, entendo que Zonas Abissais fala muito de quantas vezes morremos e afundando no desconhecido dos nossos próprios lamentos, tentamos ser ouvida por alguém lá em cima, por pessoas que nadam no raso, enquanto como também disse Sylvia Plath "Conheço o fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz. / Você temia isso. / Eu não: já estive lá.". Fala pela voz de quem se debate em escamas, que se desfazem para criar novas peles sempre que necessário, fala para continuar a existir, a ser tudo que devemos ser. 

Lançado pela editora Aliás, o livro também contém ilustrações de Raísa Christina e fotografias de Bruna Sombra.




Lido em: 09/12/2019


7.12.19

Desesperatona - Colecionando Primaveras



Olá, resolvi participar de uma maratona nesse mês iniciada pelo blog Colecionando Primaveras, chamada desperatona. Lá no blog e o perfil do Insta ela criou algumas categorias e eu escolhi EU QUE LUTE em que vou tentar ler 9 livros em Dezembro. Com isso eu não quero incentivar nenhuma competição e nem vou entrar pilhada ou ficar frustrada se não conseguir, na verdade eu já tinha feito uma lista bem ousada com os livros que quero ler em Dezembro que divulguei na newsletter do dia 01 então quando vi a ideia da maratona entrei mais para participar da brincadeira. 

Então, vamos a minha TBR: 



semana de 01 - 08

1. Só as Mulheres Sangram  (comecei a ler em 24/11)
2. Garotas Mortas (comecei a ler em 26/11)
3. Zonas Abissais 

semana de 09 - 15

4. Mulher Mat(r)iz
5. As Andorinhas
Eu sei porque o pássaro canta na gaiola 


semana de 16 - 22
6. O que você está olhando 
7. Eu sei porque o pássaro canta na gaiola (finalizar)

semana de 23 - 31

8. Poesia Escolhidas - Gabriel Mistral
9. Chamadas Telefônicas


bônus*
10. Só para maiores de cem anos


Escolhi esses livros porque foram os que comprei em 2019 e não li, percebi que havia comprado o dobro de livros do que no ano passado, li cerca de 55 livros até agora e nem metade desses são meus, peguei muitos emprestado e fui lendo muita coisa aleatória esse ano, participando de desafios literários adoidado que eu não completava, e muitos clubes que eu não permanecia. Para 2020 uma coisa que quero ter é mais foco nas minhas leituras, vou ler o que tenho, sou muito tentada a pegar livros ao acaso na casa de amigos ou em passeios a bibliotecas e acabo deixando o que tenho de lado. Se eu conseguir completar essa maratona vai ser um incentivo para continuar assim no ano seguinte. 

Então é isso, até a próxima postagem!



9.11.19

Abril Despedaçado - Ismail Kadaré



Em Abril Despedaçado entramos em contato com a vida dos montanheses na Albânia, a história se passa por volta de 1930, num lugar chamado Rrfrash em que toda a vida dos habitantes é regida pelo Kanun, um código moral. Umas das imposições do código é que os conflitos e "tratos" são resolvidos em vermelho, com sangue. Se alguém de um clã é assassinato, outro homem do clã do morto tem que vingar essa morte, e depois disso o outro clã também se vingará - matando novamente alguém do primeiro clã, formando uma cadeia de vingança sem trégua, a não ser que alguém de algum dos clãs peça, o que raramente ocorre.

A sensação que tive é de caminhar por um lugar árido, ao mesmo tempo frio em que o cheiro de sangue se espalha no ar. 

O Kanun é a lei suprema num lugar que recusou qualquer outra invenção legislativa que se tenha sido criada com aparência de "civilidade". Todos os habitantes obedecem fielmente ao código e mesmo que não concordem, acabam por não ter como escapar dessas amarras, é assim que somos apresentados ao nosso protagonista: Gjorg Berisha, um rapaz que precisa vingar a morte do irmão, mas se questiona todo o tempo sobre as imposições do código, ao mesmo tempo que não vê como enfrentar as regras. 

Gjorg se torna um gjaks (aquele que mata pela vingança do sangue do clã) e depois disso Gjorg tem 28 dias de bessa (tempo dado para que o "assassino" possa viver antes de se preparar para ser morto). Nesse tempo chega ao lugar, um casal de estrangeiros recém casados: um escritor, que escreveu sobre o lugar e sua esposa, colocada como bela enigmática. (meio cliché né).

A escolha de colocar esses personagens foi, a meu ver, o ponto fraco do romance. Os diálogos entre os dois são maçantes e o objetivo deles no lugar também é vazio, o autor tentou criar uma tensão sexual entre Diana (a esposa) e Gjorge que não se sustenta. Achei que a personagem Diana poderia ter começado a ficar mais interessante, mas é fracamente desenvolvida em comparação a Gjorg, talvez pelo livro ser curto. Fiquei um pouco desinteressada no meio livro, mas o final é escrito de forma tão bonita que compensa passar por essa essa espécie de aridez literária.

O livro acaba sendo um road romance e eu gosto bastante desse tipo de construção, de acompanhar o caminhar e a travessia do personagem enquanto tem seus 28 dias de vida em que não sabe se acabará no vigésimo novo dia em que acabou com a vida de outro ou se terá mais alguns dias ou que minutos lhe restará, e restando esses minutos o que ele poderia fazer numa vida já traçada antes dele nascer? Gjorg Berisha vaga pelas montanhas albenezas e todo o cenário juntamente com os questionamentos do personagem se tornam uma metáfora bonita: pessoas com destinos traçados para além de seus desejos, montanhas de regras e condutas que se erguem maiores do que seus sonhos, a impossibilidade de ser um, num lugar em que o rosto de quem morre e de quem mata se confundo em vermelho. 
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Tive interesse em ler Abril Despedaçado primeiramente pelo filme, que não vi, mas me comprometi a ler o livro antes de assistir, depois por conhecer o desafio Lendo o Mundo do blog @viaggiando e por fim, num dezembro de 2017 eu e alguns amigos resolvemos emprestar uns livros uns aos outros e eu peguei esse, que só fui ler mais de um ano depois (ainda bem que o Filipe confia em mim). Então, precisando ler um livro curto e querendo devolver essa dívida, iniciei meu percurso com Ismail Kadaré. 

24.10.19

1984 - George Orwell


                1984 é um livro tão famoso e comentado que você quase tem a sensação de já ter lido, por isso também está na lista de "livros que todo mundo diz que leu, mas poucos leram de fato". Então, não se deixe levar por essa sensação de que "já conhece do que se trata": Leia mesmo, pois é sem dúvida um livro que todo mundo (que puder) precisa ler. Há alguns livros que podem perder o brilho ao longo do tempo, mas não creio que isso venha a acontecer com este. Talvez esse ciclo de horror, desesperança e insanidade que a humanidade insiste em repetir faça com que esta seja uma obra que continua atual e marcante geração após geração. George Orwell constrói uma sociedade imersa no caos, presa numa camisa de força, contida pelo medo.
                O sentimento que mais predominou meu contato com 1984 foi medo. Acho que as distopias se alimentam disso, os escritores colocam uma lente de aumento em algo real e o que parece uma ficção científica distante também dá uma sensação arrepiante de que o que lemos pode ser completamente plausível de acontecer, as distopias nos colocam à beira de um abismo: olhamos para baixo, assustados, sem acreditar que aquela descida sepulcral é para onde caminhamos até agora, olhamos para baixo querendo voltar, buscando entender como chegamos aqui, nos perguntando onde erramos e sonhando em recomeçar, mas em 1984 é tarde demais. As distopias também se alimentam dos sonhos, se nesse mundo não houvessem sonhadores ele já teria explodido, pode ter certeza. As distopias te perguntam: você teria coragem para se rebelar? Ler uma distopia hoje é se perguntar "até que ponto serei resistência?" Resistiria a tudo isso se fosse real? Resisto hoje?
                Em 1984, ter esperança é rebeldia, sonhar é rebeldia, amar é rebeldia, desejar alguém é rebeldia. O livro me faz pensar no que realmente importa em um mundo em que te privam da menor liberdade de pensamento. Em muitos momentos fiquei refletindo que construímos uma sociedade que se importa com tanta mesquinharia, que coloca a felicidade em coisas tão supérfluas e materiais, quando o que realmente importa é tão pouco. Quando te privam de toda a liberdade, o que precisamos para sermos felizes é tão simples...
                Decidi fazer esta leitura pelo momento atual no Brasil, apesar de ter terminado a leitura totalmente arrasada emocionalmente, eu achava necessário. Li anteriormente Fahrenheit 451 que tem um mote parecido, mas com um final bem diferente. (tentando não dar spoiler). 1984 se centra nos sentimentos e mecanismos comuns a todas as sociedades que são regidas por um Estado ditatorial e/ou autoritário: controle, poder totalitário, autoritarismo, ódio, medo, manipulação de informações. Alguns pontos são aterrorizantemente parecidos com o que estamos vivendo, como o MINUTO DE ÓDIO. Um momento programado em que a foto do inimigo n.1 do Partido é colocado em vários pontos da cidade e todos são levados a gritarem xingamentos e sentirem muito ódio por ele. Mesmo que você não sinta mesmo ódio, o sentimento coletivo é tão forte que você é levado como um peixe num cardume a esbravejar palavras de ódio. Alguma semelhança com os robôzinhos bolsominions na internet? Outra coisa parece é o fato do Partido modificar as informações constantemente, alterando o  que é verdade e o que mentira, para seus próprios objetivos. Lembrei do período eleitoral e as fake news, assim como o fato de que Bolsonaro sempre tentava voltar atrás em algo que ele dizia, numa tentativa de "apagar o passado" e como muita gente realmente comprava essa manipulação, assim como no livro.
                Eu não sei se George Orwell imaginava que décadas depois em algum lugar do mundo, não somente no ano de 1984, mas em 2019 ainda teríamos uma sociedade tão adoecida como a que ele retratou ou se ele tinha esperança que o livro pudesse despertar as pessoas para impedir isso que ocorrer novamente... mas aqui estamos, e sim, é triste demais.
                E onde está a saída? Me apego a outros sonhadores, nem sempre nos mantemos firmes, de pé. Às vezes podemos "trair" os nossos (trair no sentido que diz no livro). A solução não poderá ser individual, nunca será, a humanidade não vai sobreviver se continuarmos isolados, digladiando. Uma vez fiz um espetáculo que tinha uma cena em que quatro atores passavam um tempo num movimento em que tentávamos nos segurar quando o outro cai, acho que esse é o jogo: não esteja só.
               

21.10.19

Geografia dos Ossos - Nina Rizzi



Você já abriu um livro que te abocanhou inteiro? Você já leu um livro que ruge? Você já leu um livro com garras? Das 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer, eu diria sem sombra de dúvidas que uma delas é ouvir/ler/conhecer/e/ou/fumar um cigarro com Nina Rizzi. Geografia dos Ossos, o livro que supostamente eu me atrevi a comentar nesta plataforma de compartilhamento, foi lançado no Planeta Terra em 2015 e estudos indicam que nosso solo ainda não se recuperou da passagem do fenômeno. 

Enquanto escrevo penso "será que estou exagerando?" e dai eu leio homens falando de homens inflando ego de homens que já passaram da conta em séculos de terem seus sacos e egos inflados e volto "não exagero não". Abro um livro de um homem e leio outro homem dizendo "Ele é o maior"; "O maior blablala da America Latina". Abro o livro de Nina Rizzi e digo "Ela é a maior". Sim, é sim. 

Por que poupamos elogios a escritoras? A nossas escritoras? Por que poupar elogios à Nina Rizzi?  
Mas bem, sobre Geografia dos Ossos... este livro é uma mulher-montanha, foi o que senti. Sabe, daquelas que você vai olhando de longe enquanto percorre a estrada e aos poucos vai se aproximando e aproximando e montanha vai ficando medonha, te engolindo toda... uma montanha que diferente das silenciosas rochas guardando segredos milenares, "nunca aprendi ficar calada, cândida". É poesia que atravessa a carne. É uma mulher que não se adapta, como "os peixeis não se adaptam a barragem". Nina diz que "um verso me martela / abandonar o território conquistado", os seus me martelam todos. Você diz que "o poeta nasceu pronto a ser esquecido", mas você não será Nina, não por mim, não por tantas outras. 


sem título, por ser mulher 

o que é um homem quando uma mulher é puta? 
o que é uma mulher quando um homem goza co’a sua cara? 
o que não somos quando é urgente arder e ardemos? 

num baile de verbos cospem, amam, avexam, riem, 
gozam até que eu seja puta. 
o que são eles quando me fazem puta 
senão machos gente putos? 

eu sou uma puta?


a morte do favelado, réquiem
- motivo para aidan 1.

os buracos vazios de vez
trinta e uma mil balas para pacificação
esturricam no chão
2.
um dia de manhã sentei naquele chão
tão preto tão morto

fechei os olhos garrada em seu sangue seco
e pensei em quem seria
quem foi
ele os invisíveis

abri
como uma refugiada de guerra
uma vaca magra
na fila do abate

3.
 ouço as sirenes indo embora
chegando
como uma marcha de chopin

os pássaros
o que é vivente
estão lá - longe
desse silêncio de mármore

outro carro
mais uma nota na marcha
insinuação de morte

4. perene os vinte um sabores
picolé pipoca algodão doce tapioca
que os meninos se indo
saberão ainda - ausentes

bombas pás
rastros de névoa
aqui acolá
dissipam na floresta de ossos

3.10.19

Um Corpo Negro - Lubi Prates



Eu estou escrevendo esse texto, mas eu sei que é pouco o que eu posso dizer, eu só queria registrar como esse livro é importante para que outras pessoas um dia possam lê-lo porque é preciso, ele precisa estar nas escolas, nas ruas, precisa dançar pelo mundo inteiro.

Ao ler Um corpo Negro, dentre as inúmeras sensasções e reflexões uma que me surge é de que o corpo deste livro, é muito mais do o corpo de um livro. Poesia é voar fora da asa, diz Manoel de Barros. A de Lubi Prates além de voar fora da asa, cria as próprias asas e decola, rasgando o céu, buscando cicatrizar os rasgos de outros tempos...

"é nas minhas costas 
que o rasgo abe e sangra cicatriza
mas permanece"

.... deixando um rastro impossível de esquecer com versos que são feitos de tantos rastros marcados nela de um passado mais antigo que seus anos, é assim que Lubi escreve. Mas não escreve só com mãos:

"meu corpo 
é meu lugar 
de fala

e eu falo
com meus cabelos e
meus olhos e
meu nariz. [...]
e eu falo
com minha raça."

E como ela bem diz "aos que vieram antes, aos que virão, aos que caminham juntos". Dizem que ser escritor é um ato solitário. Quando se trata da escrita negra, não se faz poesia que não seja o eco dos cantos de todos aqueles que cantaram antes e os que não puderam cantar também, não puderam gritar. 
"é nas minhas costas 
que eu guardo a história
do antes  silenciado
do depois traçado no agora"

Clarice diz assim "se á o direito de gritar, então eu grito"; ai Clarice, e quando esse direito foi negado por séculos por gente da nossa cor? É quando Lubi me fala:

"você nunca sentiu uma arma
apontada para sua cabeça
enquanto repetia: é um engano
você não é negro, você sempre
esteve em segurança"

Ao fechar o livro, ecoa a pergunta "quando um corpo negro está completo?". Um corpo negro é um livro baque, chora pela dor acenstral, "onde os mares são feitos de lágrimas", falamos em palavras, mas são números que gritam: 75% das vítimas de homícidio no Brasil são negros; a poesia de Lubi Prates seergue carregando o luto estatístico para criar a força de permanecer viva como um corpo negro junto a outros AINDA VIVAS**, que se fazem continente, imensos:

"nos tornamos maiores
que um continente

apenas como nossos corpos
um sobre o outro"

** "AINDA VIVAS" é o nome do mais recente espetáculo do grupo Nóis de Teatro, daqui de Fortaleza, grupo ourindo da periferia da cidade que tem este e outros trabalhos artísticos lindos e fortes sobre denuncia social e racial.


1.10.19

Boca



A primeira vez que vi a Kah Dantas lançando Boca de Cachorro Louco eu lembro que tive um gatilho pesado. Sai de lá sem comprar o livro e demorei um bom tempo para ter coragem de ler. Na ocasião eu comecei a chorar e achar que meu atual namorado estava mentindo pra mim e escondendo coisas do mesmo jeito que o ex e falando de mim pros amigos dele, que eu era louca. Nada disso estava acontecendo, mas é só pra mostrar que as marcas de uma relação tóxica demora às vezes anos para sarar, é preciso paciência consigo. .
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O livro de Kah conta de forma confessional as idas e vindas de um relacionamento abusivo e um pouco da transição para um novo relacionamento, como é confiar de novo em alguém depois de passar pelo inferno? Como é se permitir amar e ser amada de um jeito bom? Aliás, o amor não era para ser.. bom? .
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Depois que passei por uma relação de 11 meses e vários rolos igualmente tóxicos e ridículos, eu fui aos poucos entendendo como somos ensinadas a aceitar que o sofrimento é amor de verdade. Pra merda com isso! Você não precisa de uma paixão louca e sexual que ao mesmo tempo te machuca e te faz sofrer para chamar isso de amor de verdade. .
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"Boca de cachorro louco" é escrito em capítulos curtos, como se cada um fosse um episódio de uma relação que como a maioria desse tipo começa de um jeito que faz você confundir intensidade com sofrimento. Mas não é uma biografia, e sim, biográfico, uma auto-ficção. Kah mistura relatos com acontecimentos que envolvem outros personagens, relembra também momentos felizes que teve e o erotismo pungente que viveu nesta relação, não tem amarras ao dizer o quanto era envolvida sexualmente com o homem que lhe levou ao céu e puxou para o inferno.
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Percebo na minha própria trajetória que esse cunho sexual forte de relacionamentos tóxicos foi muito presente: resolvemos tudo na cama. É assim que as músicas falam. Mas será?
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E que a lição seja clara: O amor pra ser intenso não precisa te bater, te fazer chorar todos os dias, te deixar louca. Nenhuma dessas 3 opções.

Calibã


Este livro é revolução. Este livro é uma bomba jogada no seu cérebro. É um punhal no peito e ao mesmo tempo um megafone em chamas. Esse livro te sacia e te deixa faminta ao mesmo tempo.
Peço desculpas porque agora não vou poder trazer dados catalográficos e biográficos para incrementar esta resenha.
De onde surgiu este ódio coletivo às mulheres? De onde surgiu esse ódio mútuo que nos alimentou tanto tempo? De onde surgiu a culpa? A proibição? Imagina que séculos depois de uma tentativa em massa de extermínio das mulheres, uma mulher se ergue para não deixar que essa História caia no esquecimento. Não podemos esquecer. Depois dessa tentativa em massa de silenciamento, do outro lado do mundo, um coletivo de mulheres se une para trazer esta obra aos brasileiros. Este livro é uma revolução. Ao lê-lo me sinto parte disso. Parte da consciência do que aconteceu com as mulheres que vieram antes de mim e tento pelo menos entender porquê as coisas são assim. Não há só uma resposta, claro. O caminho que Silvia percorre é uma das razões, são muitos o fatores para tentar explicar a condição irracional que mulheres vivem, mas este livro é um grande começo. Sei que existem mil e um livros para ler antes de morrer, mas coloque agora esse na lista e se possível deixe-o furar a fila.



P.s. colagem inspirada no perfil @liefalei


16.9.19

Reivindicação dos direitos da mulher - Mary Wollstonecraft


Escrita em 1792, em resposta à constituição francesa de 1791 que não incluía as mulheres na categoria de cidadãs, a obra de Mary Wollstonecraft é de uma sagacidade impressionante. Impressiona por ser o registro de uma mente tão viva e atenta para as verdadeiras origens da opressão das mulheres. Quando o mundo inteiro, vulgo homens brancos aristocratas, colocava as mulheres num eterno patamar de inferioridade, quando o mundo não chegava a considerar as mulheres como gente, Mary ousou levantar sua voz contra isso, mas com muita esperteza. Sua missão nesse livro é ser ouvida por homens, ser entendida por eles. 



Então o livro mesmo sendo hoje importantíssimo para nós mulheres, acredito que foi inicialmente dirigido a eles, até porque há esse tom na escrita. Mas por que isso? Porque Mary sabia quem comandava o mundo, quem detinha o poder da vida das mulheres na mão (e ainda detêm). É preciso que as mulheres se levantem, entendam as origens das suas opressões e revolucionem. Mas até podermos chegar nesse caminho de estar nos espaços públicos defendendo nossos direitos, as mulheres precisaram convencer os homens a "permitir" isso. Por isso, nesta obra, Wollstonecraft usa argumentos que a primeira vez nos pareçam estranhos, ela clama pelo direito à educação da mulheres, afirmando que isso beneficiará os homens e a sociedade; as mulheres seriam assim melhores mães e melhores esposas. Ora, claro que a vontade dela era de gritar NÓS TEMOS DIREITOS PORQUE SOMOS GENTE, PORRA! 

Mas os homens não iriam ouvir. Essa inteligência é o que mais marca a obra. Muito sarcástica também, Mary crítica em pleno séc. XVIII que a vida da mulher seja destinada apenas a cuidar da aparência, da beleza, dos vestidos, etc (alô, leitoras de O Mito da Beleza), afirmando que isso se dá apenas pela necessidade deprimente da mulher em agradar ao homem, o que foi colocada a nós como única função da vida. 

De resto a vida de Mary prova sua coragem: não teve relacionamentos convencionais, não acreditava no casamento, fundou uma escola para meninas, entre outros feitos. Eu poderia dizer que ela foi à frente do seu tempo, mas Mary estava exatamente no seu tempo, eles é que estavam atrasados.


Mulheres, raça e classe - Angela Davis



Como feminista branca esse livro é um importante confronto. O capítulo que fala sobre o mito do homem negro estuprador foi o mais desafiante para mim. Sempre me coloco ao lado da mulher, como no caso do Neymar (homem negro acusado de estupro por uma mulher branca, porém um homem negro que é "embranquecido" pela riqueza que tem hoje, no entanto, isso não apaga o racismo que ele já sofreu ou ainda sofre), ainda prefiro estar do lado de uma suposta mentirosa do que de um suposto estuprador. Mas de fato, não é possível ignorar que em grande parte dos casos de estupros, são os homens brancos que saem impune e que homens brancos usaram o mito do homem negro estuprador para reafirmar atitudes racistas e linchamentos. 


Essa dialética é que faz esse livro tão complexo e necessário de ser debatido profundamento para além de achismos. Angela Davis é ciência, filosofia, pesquisa. Também foi super importante para mim ver outra faceta do movimento sufragista. É chocante perceber como tivemos a oportunidade de unir mulheres brancas aristocratas, mulheres da classe trabalhadora e a população negra numa só força contra o patriarcado e a branquitude (que também mata mulheres) e fomos divididos. 

O governo dos EUA colocou para duas forças gladiarem entre si ao fazerem escolher quem deveria receber o voto primeiro: homens negros ou mulheres. Nessa briga, as mulheres negras não estavam inclusas em nenhum dos grupos, pois se mulheres brancas ganhassem o direito ao voto, isso não iria se estender as mulheres negras.

Sojourner Truth

Fiquei imaginando se poderia ter sido diferente, e se nesse momento tão crítico ambos os lados poderiam ter se colocado como um "único corpo" e dizer: "só iremos aceitar o direito ao voto se todos puderem votar". Fico pensando o que faltou para as feministas brancas da época olharem mais para outras opressões, principalmente entender que o racismo atingia também outras mulheres. 



gif do site da Boitempo

Fiquei feliz de que algumas mulheres brancas foram citadas na luta antirracista, para provar que não era só uma questão da época que todo mundo fosse racista, que em toda época existiu a luta contra o sexismo e antirracista e mesmo contra a corrente algumas feministas brancas souberam olhar para a opressão do povo negro. Angela centra sua discussão mais na questão racial no livro em geral, alguns capítulos são dedicados a feministas socialistas/comunistas e vemos a intensa pesquisa do trabalho de Davis. 


O movimento sufragista como um todo é o mais atacado, o que acho necessário. É importante também entendermos que a luta pelo trabalho e independência financeira que as mulheres brancas exigiam, era um estágio de certa forma já conquistado pelas mulheres brancas pobres e pelas mulheres negras, que sempre trabalharam ao lado de homens negros e não era somente isso que levaria-as à libertação. Faltava às feministas brancas entenderem as raízes da opressão feminina e como isso se dava em níveis diferentes com relação a suas irmãs negras e nesse ponto Angela Davis levanta a questão da educação. 


O direito a educação era uma grande luta do movimento negro e foi também o ponto principal do livro "Reivindicação dos direitos da mulher", de Mary Wollstonecraft. Se os trabalhos destinados à mulher forem apenas extensão de serviços que fazem parte de nossa opressão (como o trabalho doméstico), é difícil que haja igualdade entre gêneros, e Angela Davis coloca como isso se agrava na discrepância entre as oportunidades de trabalho e educação para mulheres brancas e negras e mulheres brancas pobres. Já que com o fim da escravidão a maioria das mulheres negras continuou executando os mesmo trabalho de antes. Angela Davis questiona a luta pelo salário para o trabalho doméstico das donas de casa, afirmando que as donas de casas não seriam mais felizes ou emancipadas com isso. Essa questão é bem complexa e comparar esse capítulo com O Ponto zero da Revolução da Sivia Federici daria horas infinitas de debate. Aliás, as duas vêm ao Brasil em Outubro e queria muito que tocassem nesse assunto.
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Os 13 artigos aqui compilados com certeza formam um dos mais importantes escritos para refletirmos a relação entre feminismo, racismo e luta de classe. Obrigada, Angela Davis!


18.7.19

Os detetives



Como um labirinto, eu poderia começar a contar o enredo de Os Detetives Selvagens de vários pontos e o mais importante a dizer: um livro não é seu enredo. Mas claro que a estrutura de Os Detetives importa e chama atenção, no entanto há muito mais.
Vamos lá (voz monótona de callcenter repetindo a mesma frase pela trigésima vez ao dia): o livro é divido em 3 partes. A primeira escrita em forma de diário se inicia em 1975, narrada pelo personagem Garcia Madero, um jovem universitário de 17 anos aspirante a poeta que se torna amigo (meio obcecado) de um grupo de poetas que (re)criaram o movimento chamado "realismo visceral", inspirado em outro grupo de poetas dos anos 20 com o mesmo nome. Os novos reais visceralistas (da história atual) inicialmente parecem ter como "cabeças" dois rapazes: Arturo Belano e Ulisses Lima. Nos dias que passam contados pelo ponto de vista de García Madero, conhecemos outros jovens poetas de uma geração cheia de poesia, psicodelia e intensidade. 



Essa parte, porém, me incomodou bastante, pois Madero tem um olhar muito machista com as mulheres que conhece e como só vemos as situações a partir dele, perdemos a visão de como as mulheres pensavam na mesma situação. As mulheres são muito objetificadas sexualmente, poderia dizer que é a puberdade, um jovem de 17 anos completamente no cio, mas acho que é coisa de homem mesmo.

Algo que muda na segunda parte quando a história é narrada por 50 personagens diferentes e foi quando me encantei com o livro. A primeira parte pode chegar a ser um pouco cansativa, mas não desista, o melhor está por vir. Eu nem sei se Os Detetives Selvagens é um romance, pra mim ele é um longo poema de amor a poesia.


A segunda parte do livro começa em 1976, é narrada como fragmentos de depoimentos dados por cerca de 50 personagens que encontram Ulisses Lima e Arturo Belano pelo mundo, nessa parte eu acabei mordendo minha língua, fiquei totalmente presa nas historias contadas e nesse momento pude dizer: que livro! Muita gente reclama da falta de continuidade das histórias, do formato e alguns chegaram a dizer que eram desnecessárias. O que eu achei mais incrível foi Bolaño provocar todo esse questionamento mesmo, chutar o balde para a forma de romance convencional, eu adoro experimentalismo em narrativas, amo quando o autor me deixa mesmo no vácuo, sem explicação nenhuma, porque assim é a vida, minha gente! Não conseguimos explicar tudo que acontece, as pessoas chegam do nada e somem do nada das nossas vidas. 



E toda essa beleza, mistério e emoção que é viver, Bolaño consegue passar nesses fragmentos. A vida acontecendo, a poesia lutando para sobreviver  respirando por tubos em meio ao mundo que não acredita nos poetas, é disso que trata Os Detetives Selvagens. Durante os anos que são contados os depoimentos sabemos como alguns personagens se conheceram e pela perspectiva de cada um, o que aconteceu na vida deles durante uma década. Essa parte termina meio abruptamente e entramos na terceira que continua exatamente de onde terminou a primeira voltando para os diários de García Madero. Dessa vez eu achei muito melhor, talvez porque ele falou menos o que pensava, as mulheres tiveram muito mais voz nessa parte. Não vou dizer os detalhes, pois seria muito spoiler, mas diferente da primeira, não tem como não se emocionar com o desfecho da trajetória de Ulisses e Arturo e seus amigos, e todo o simbolismo dessa viagem em busca do sentido do que é ser poeta num mundo caduco. 


Acho que pra mim, por ser escritora, artista, no final o livro se tornou muito importante. Poderia deslocar o grupo dos reais visceralistas para outras épocas e lugares, fiquei pensando na minha cidade, na minha geração de artistas, nas pessoas ao meu redor também sonhando, buscando o significado do que fazem, quebrando a cara, voltando ou as que não voltaram mais. 

Revolução Laura

É impossível pra mim desassociar a experiência de leitura desse livro da fala de Manuela D'ávila no dia do lançamento. Primeiro, comprei o livro e fiquei lendo na fila de autógrafos, que demorou tanto que li umas 40 pgs na hora, e já fiquei muito emocionada. Em seguida houve uma pausa e Manuela sentou para sua fala. Em pouco tempo ela me abriu os olhos para algumas coisas que eu não conseguia resolver em mim: minha relação com a maternidade, o feminismo e o fato de eu ser uma mulher que abortou.
Como feminista, luto pessoalmente pela descriminalização do aborto e mais do que isso pelo direito de mulheres de não serem mães sem serem colocadas numa posição de alguém que nunca vai ser completa, importante pra humanidade ou capaz de amar verdadeiramente. Essa visão da maternidade compulsória sempre me afastou das discussões sobre maternidade, pois ainda mais com o processo do aborto, me sentia muito excluída dessa ideia de sacrifício gratificante. Me senti excluída porque nunca pude falar abertamente do que aconteceu, porque sentia que eu não tinha o direito de comemorar ou estar feliz com minha decisão. Com isso, Manuela me fez perceber que eu estava agindo do mesmo modo que senti que agiram comigo, eu estava também excluindo ao me afastar desse assunto, ao me isentar, além de não falar da minha experiência eu não me permitia ouvir outras experiências, a experiência como ela mesma disse, da maioria das mulheres. Como feminista que é contra ideia da maternidade compulsória, eu confundi isso com ser contra a maternidade e com isso acho que me anulei de estar ao lado de muitas mulheres que também precisam de apoio tanto quanto eu. Foi convivendo com uma mãe solo, a @jmllqrz e observando mais a trajetória da minha mãe que comecei a abrir os olhos para esse imenso erro e o livro de Manuela veio agregar ainda mais nesse processo. Sou muito grata por esse dia, por esse livro e por existir uma mulher como @manueladavila na política brasileira. A revolução será com mães feministas ou não será. #revoluçãolaura #manueladavila #feminismo #maternidade #abortolivre

Só retomando o debate sobre o livro da @manueladavila , pois vi uma postagem na @cultrevista que já é antiga e na época eu concordava bastante, ainda concordo mas também penso em outras coisas depois da fala da Manu.

Meu comentário:

Eu pensava isso até ler o livro da Manuela D'avila, ainda acho que a maternidade merece ser desromantizada, mas no dia do lançamento a Manu disse que nem sempre é ser mãe que é horrível, mas o fato de a maternidade do jeito que é vivida pelas mulheres é que é um fardo enorme. E podemos pensar o que faz essa vivência ser tão exaustiva?
Pais ausentes, pais que não dividem as responsabilidades, abandono paterno, falta de espaços públicos e gratuitos que acolham crianças, creches acessíveis financeiramente, mais creches públicas, empresas que não contratam mães, universidades que não acolhem mães, e inúmeras coisas que nem sei como dizer, pois não passo por isso. Repetindo o que já disse, o discurso da Manu me trouxe a noção de que além de discutirmos sobre a não obrigatoriedade de sermos mães, devemos debater como tornar a maternidade melhor para aquelas que já são ou querem ser.

Buchi Emecheta

A primeira vez que soube da vida de Buchi foi através do podcast da Gabi chamado "Uma leitura toda sua". Já tinha interesse em ler As Alegrias da Maternidade desde o lançamento da TAG e essa onda abençoada e tardia de escritores africanos que chega aos poucos ao Brasil. Tão tardia que fiquei abismada ao ouvir no podcast que Buchi teve QUINZE livros escritos em vida e o que leitor brasileiro sabe desta escritora? Bem pouco e ainda há quem torça o nariz achando que a divulgação constante de escritores africanos é pura modinha. Mas desculpem essa introdução dispensável e vamos falar dela. Nascida na cidade iorubá de Lagos, passou a infância em Ibuza, terra natal dos pais. "Prometida" aos 11 anos, já estava casada aos 16. Quando criança amava escutar histórias dos mais velhos, conseguiu ser matriculada numa escola missionária para meninas onde aprendeu sua quarta língua, o inglês. Todo esse contexto, tanto a cidade, como o casamento prometido e a dificuldade de meninas estudarem é colocado no seu livro As alegrias da Maternidade, único que li até agora. Buchi viveu um casamento violento e abusivo. Seu marido chegou a queimar os rascunhos de seu primeiro livro. Aos 22, com 5 filhos, ela conseguiu o divórcio, mas o marido renega a paternidade dos filhos. Ainda assim, obteve graduação em Sociologia e trabalhou escrevendo para o periódico New Statesman, em que inicia sua carreira na literatura. Morre em 2017, ano que sua obra vem chegar a nós. Tem na bagagem 15 romances, uma autobiografia, peças e livros infantis. Que universo imenso ainda temos para ler com essa nigeriana! #buchiemecheta #africanliterature #literaturaafricana

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