31.3.18

é claro

é claro que ela pensa ainda em você
e você
e nela também
e em você
e naquela conversa
e naquele comentário que ela não deveria ter feito
e no silêncio que alarga cada vez mais entre vocês
como um músculo que cresce, trabalhado todos os dias
assim é a distância que se criou entre eles
e elas
mas ela ainda lembra
de tudo em que sua cabeça não deveria pensar as 3h da manhã
quando ela devia acordar às 5
mas ela pensa nisso
nessa merda toda em que ela se envolve todos os dias
que não faz sentido algum pensar


Je, tu, il, elle

22.3.18

[Impressão] Primeiras histórias: a mulher submissa em busca de liberdade nos primeiros contos de Clarice Lispector



Aqui analisarei alguns dos primeiros contos de Clarice Lispector, contidos em “Primeiras Histórias”, Os contos foram lidos em Fevereiro no projeto de leitura conjunta para ler dois contos por semana do livro “Todos os Contos”, publicado em 2016 pela Rocco.

Foi muito interessante ter contato com a fase inicial de Clarice e já poder perceber algumas características da sua escrita ganhando forma, se desenvolvendo, e se modificando também. A primeira característica que o leitor de Clarice nota é a presença maciça de protagonistas mulheres nos contos. Desde o inicio Clarice procurou narrar os fatos pela perspectiva feminina, visto que era algo raramente explorado na literatura em sua época. Outra forte marca é o fluxo de consciência, é lindo ver Clarice se experimentando e explorando esse recurso sem medo de ser feliz. Nas discussões no grupo virtual da leitura coletiva tivemos sim dificuldade em entender alguns contos, em especial “Delírio” e “Mais dois bêbados”, mas ao mesmo tempo no foi muito empolgante embarcar na viagem que Clarice nos propôs, criar interpretações e variadas análises. Outro fato curioso é que nesses dois contos, temos personagens masculinos, para mim uma novidade na obra de Lispector. “Delírio” parece ser uma narrativa conduzida pela febre do personagem, um escritor (??), ou ela própria (?), sempre temos a sensação de que Clarice fala dela mesma em alguma parte de todos esses contos. “Mais dois bêbados”, trata-se de um diálogo nosense entre dois homens num bar, ou na verdade um monólogo, de um embriagado com suas angustias numa mesa de bar, algumas pessoas no grupo disseram que não entenderam nada, o que interpretei foi: “ficar bêbado num bar falando sozinho, quem nunca?”.



Porém, o que mais quero atentar aqui é para uma possível linha de evolução que parece haver na organização dos contos, em se tratando da libertação e empoderamento da mulher que Clarice esboça nessas primeiras histórias. Em “Triunfo”, primeiro conto, a personagem acorda sozinha em casa e começa a reviver a discussão que teve com o marido. Clarice mostra uma mulher no que poderíamos chamar hoje de “relacionamento abusivo”, com forte manipulação psicológica, quando acho que ninguém tratava disso na época. “Ela, calada, defronte dele. Ele, o intelectual fino e superior, vociferando, acusando-a, apontando-a com o dedo. E aquela sensação já experimentada das outras vezes que brigavam: se ele for embora, eu morro, eu morro”. Mesmo depois de lembrar vários momentos como esse, a personagem permanece presa ao relacionamento, desejando a volta do marido. É até estranho resumir Clarice numa narrativa, com começo meio e fim, mesmo sabendo como o conto, ler as palavras que ela escolhe, o modo como ela traça esse percurso psicológico é que nos prende de fato.


Em “Obsessão”, “Eu e Jimmy”, “História Interrompida”, “Fuga”, o enredo se repete um pouco. As relações entre os homens e as mulheres – protagonistas. São bem parecidas. A mulher é retratada geralmente como alguém muito dependente do homem, burguesa, casada e presa. Presa a sua situação (me lembrei muito de Simone de Beauvoir), presa ao seu estado civil, presa em si mesma. O homem é colocado como superior, porém não é que Clarice o ache superior, a personagem no fundo tem consciência que ele se acha muito superior e por toda a situação de como a sociedade enxerga a mulher, ela também se diminui. Os homens são intelectuais, e estão sempre explicando o mundo para as mulheres. Algumas se deslumbram com aquela sabedoria, outras se deixam levar sabendo que estão se deixando levar. O conto por vezes se inicia com o encontro com esses homens que fazem as personagens muitas vezes se entenderem como um ser humano de fato, como se até então tivessem vivido sem se dar conta que viviam.  Acho que Clarice coloca tudo isso com uma toque de ironia, porém nenhuma delas se liberta de fato dessas amarras. Até chegarmos em “Gertrudes pede um conselho”; com esse conto, todo o acumulo de angustia que eu senti em todas as mulheres anteriores se dissiparam, e Clarice mostra pela primeira vez uma mulher livre. Nesse, a relação de dependência não é com um homem, mas com uma psicóloga, em que Gertrudes vai pedir conselho sobre a angustia que sente de vida. Daí, já vemos o momento de crise que as personagens de Clarice geralmente enfrentam, quando a vida comum já não basta, já não se sabe passar um dia depois do outro, como diz outra personagem do romance As Ondas de Virginia Woolf: “Vim perguntar o que faço de mim. Mas não sabia resumir seu estado nessa pergunta. Além disso, receava cometer uma excentricidade e ainda não se habituara consigo mesma”. Incompreendida, Gertrudes deixa o consultório e finaliza
“- Eu lá preciso de doutora! Lá preciso de ninguém”. Continuou a andar, apressada, palpitante, feroz de alegria”




Não sei como se deu a organização dos contos, mas é magistral o desenvolvimento que Clarice coloca acerca da situação da mulher. Tanto em como os outros a veem, ela fala também da educação que a mulher recebe e como ninguém no coloca dentro do que se passa na mente das personagens diante do que sofre. Não acredito que Clarice queira dar a ideia de uma “mente feminina”, não é sobre “feminino” que ela fala, mas nos bota a par da “mente da mulher” dentro de uma situação que uma construção social. E mais do que nunca Clarice me ajuda a ter certeza que “Não se nasce mulher, torna-se”.

12.3.18

Minha casa me define

Camiñar

o que eu conquistei..... ainda não estão em números,
nem nos papéis.
Será então que talvez nada do que conquistei exista?
Não pode ser provado, não está fotogrado
Uma batida na cabeça, um acidente de carro
e eu perderia a memória de tudo que penso que conquistei
Quem vai guardar minhas conquistas
Quem vai escrevê-las
Quem vai lembrá-las
Talvez minha mãe talvez meu amor
na idade que estou
sei andar
falar
pular
dizer papai

mamãe
por vezes parece que ainda estou engatinhando
em outros dias parece que já corri maratonas
escalei montanhas sem nunca chegar ao topo
pulei de trampolins e dei de cara com o chão
me abocanho toda de perguntas
olha lá, aquela garota na rua, está faltando um pedaço
acordo levanto caminho e pedaços meus ficam
não consigo
não consigo juntar tudo que tenho e levar por onde ando
mas preciso caminhar
não consigo juntar tudo que tenho em mim nos braços e levar por onde ando
mas preciso caminhar
quando pareço estar pronto, cutuco os frutos da árvore na espera de morder uma fruta madura, doce.
caem todos
todas as partes de mim vão caindo e não consigo juntar
me perco
não consigo pegar uma só parte
"e não sei como explicar minhan ternura minha ternura entende"
não sei como explicar essa explosão cintilante que parece raiva em pó
mas pra mim é tão..... brilhante.







Lendo O Segundo Sexo

Refiz o cronograma que as meninas do Clube da Literatura Feminista - Fortaleza, fizeram, elas passaram praticamente o ano de 2017 todo lendo esse livro, mas não pude participar. Peguei a mesma ideia delas de ler uma parte por mês (e algumas divididas), porque o livro é denso!




7.3.18

[Impressão] Sou dona da minha alma - o segrego de Virginia Woolf, Nadia Fusini



"Apenas a autobiografia é literatura, os romances são a casca, e, ao final, chega-se ao caroço: ou eu, ou você"

Essa é a epígrafe do livro "Sou dona da minha alma - o segredo de Virginia Woolf", biografia da autora escrita por Nadia Fusini. 

Ao começar a ler esta biografia senti certo estranhamento, o tom de Nadia Fusini me era muito incomum a esse gênero literário. Mas ao decorrer da leitura estava completamente fascinada e entendi que mesmo tendo existido de fato, um artista é também um personagem de um romance, que é a própria vida. O que Nadia como biógrafa fez, foi nos contar não somente a história de vida dessa personagem chamada Virginia Woolf, mas por meio de sua pesquisa ela conseguiu adentrar em pensamentos e sentimentos da autora durante certos períodos, ela ousa até mesmo nos trazer questões, dúvidas, inquietações intimas que Virginia inclusive escondia. Mas como? Você pode acusar, "Isso não é biografia, isso é ficção". E foi então que percebi a chave dessa biografia, ou da vida: e não é tudo meio real, meio ficção? Quanto de realidade realmente vivemos, ou quanto de ficção deixamos de viver, e confessamos a diários, cartas, amigos. Pois foi por meio desses documentos e de seus maiores testamentos, seus romances, que Nadia Fusini nos convida a tentar descobrir o segredo de Virginia Woolf.

Assim, Fusini não é apenas alguém que coletou dados já existentes da vida de outra pessoa e depois colocou tudo no papel, Fusini se torna também romancista da vida de Virginia Woolf, e para além do interesse em saber quem foi esta mulher, nos envolvemos também pela escrita de Nadia Fusini. Em um certo momento, parece que conhecemos e desconhecemos Virginia, ela parece real e inventada, e talvez alguns possam reclamar o tom mais poético da escrita de uma biografia, que deveria se ater aos fatos somente, mas o que Fusini faz é uma belíssima homenagem a Virginia, transformando-a em uma persona viva no papel. 

Foi por meio dessa biografia que tive vontade de ler os livros de Woolf não exatamente cronologicamente, mas dar inicio a cada leitura na data de lançamento dos livros. Fusini conseguiu passar a ansiedade de Virginia nesses momentos, os dias de lançamento dos livros eram dias intensos e angustiantes, sempre muito dependente da aceitação alheia, Virginia esperava a aprovação como sua tábua de salvação, ao mesmo tempo que duvida de todo seu sucesso e dos elogios que recebeu.

O grande marco dessa biografia é que para Fusini, tudo que precisamos saber sobre Virginia está em seus livros, como diz a epígrafe. Ao analisar o período de escrita de cada romance tendo como apoio diários e cartas, tanto dela como de pessoas próximas a elas, Nadia nos traz conexões entre personagens reais da vida da autora e os "criados" por ela, revelando que o que Virginia fazia era na verdade ressuscitar os mortos, clonar os vivos, desvendar-lhes seus segredos mais profundos.

Não teria como Virginia escavar tanto na alma humana como fez escrevendo de outro modo. Há de ser estranha, há de ser em fluxo, há de ser vertiginoso. Virginia não estava interessada só na concretude e materialidade das ações, em pontuar fatos. Quando decidia se dedicar a um livro, e os processos eram longos, Virginia submergia no mundo dos mortos para tirar deles o que eles não mostraram em vida. Virginia conseguia, como bruxa (assim a disse Vita), revelar o que eles escondiam deles mesmos, e nós, seus leitores, sentimos também que ela nos revela como se tivéssemos vivido outras encarnações. 





Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...