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2.12.18

TBR Dezembro

Reta final do mês, hoje dia 02 pretendo terminar Devoção (Patti Smith) e prosseguir um pouco mais  com Coral e Outros Poemas (Sophia de Mello Breyner Andresen). Faltam 100 páginas de Jazz (Toni Morrison), creio que termino até o fim dessa semana. Ainda tenho que encaixar a releitura de A Mãe para discussão no meu grupo de teatro até sexta (07/12). Ainda nessa semana tenho um seminário para apresentar e na próxima a prova final de Libras. Já desisti dessa cadeira uma vez porque a professora sempre deixa para fazer essa prova depois que estamos praticamente de férias, isso pode ser bom por um lado, porque não fica tudo junto, mas por outro meu cérebro já entra no modo férias e eu não consigo mais me concentrar em nada. Mas tô confiante que neste ano vou aguentar tudo isso. Falei que tem o plus de eu estar dando aula e ser bolsista também? Pois é, ainda tenho que apresentar um artigo num seminário da faculdade. Muitas vezes eu penso que tudo que eu tenho na minha vida é a tentativa, já me sabotei muito e em alguns momentos acredito que tudo isso que vivo é uma grande farsa, porém estou vivendo né, se for uma farsa eu vou descobrir logo, por enquanto é tudo que tenho, é tudo que consegui conquistar e construir.

Do dia 10 ao dia 14 eu pretendo começar Detetives Selvagens (Roberto Bolaño) e conciliar com os contos de No seu Pescoço, da Chimamanda. 

São 12 contos de NSP o que daria 4 contos por semana, mais ou menos um conto por dia.

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Já Detetives Selvagens são 622 páginas que dividido por 20 dias (10 a 31), dá em torno de 30 pgs por dia. 

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1.12.18

[ Comentário ] O que é Empoderamento - Joice Berth



O que é Empoderamento? é um lançamento do grupo editorial Letramento, que faz parte da coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro. Falando primeiramente da coleção, todos os livros são escritos por autores negros e autoras negras, possuem uma linguagem teórica acessível e desse modo ampliam o debate sobre temas urgentes como feminismo negro, empoderamento, racismo estrutural, lugar de fala, entre outros. Os livros não procuram encerrar os temas, mas sim abrir caminho para discussões formulando um pensamento dialético muito importante. Surpreendem quem pensa que estes assuntos passam por mero "achismo", os autores trazem uma vasta pesquisa acadêmica dando espaço e foco para o pensamento de estudiosos e estudiosas negras que em geral não são vistos como referência intelectual dentro de um sistema academicista branco e machista. 


Este é o segundo livro da coleção que leio, e como feminista branca só tenho a agradecer e aprender; tenho revisto conceitos e posicionamentos.

A discussão em torno do conceito de empoderamento tem sido cada vez mais presente em rodas informais de conversa, uma dos pontos de importância desse livro se dá em justamente trazer esse conhecimento para uma esfera "acadêmica" também, se tornando referência de estudo nas universidades. Quando debate-se o assunto, tudo gira muito em torno "da opinião de cada um", no entanto Joice Berth vai procurar a origem do termo e como se dá sua prática na vida principalmente da comunidade negra, voltando o olhar para a importância de entendermos esse termo para além de um sentimento individual, mas sim uma ação que deve refletir em mudança coletiva. Para isso, Berth cruza a ideia de empoderamento com feminismo negro, pensando em como as duas práticas são vivenciadas por mulheres negras e como isso pode ajudar a emancipação coletiva dessas mulheres.

Não é que o empoderamento não deva ser utilizado por mulheres brancas, mas pensando na interseccionalidade de opressões, nós mulheres brancas precisamos ter consciência que empoderamento vai muito mais além de um bem estar pessoal, e em como reproduzimos este "empoderamento" que muitas vezes passa por reprodução da opressão de corpos brancos para com corpos negros. Dai a polêmica por exemplo nas mídias sociais quando perguntam: "uma mulher postando uma nude é empoderamento?". Muitos desdobramentos aparecem com essa questão, mas sinto que falta leitura e aprofundamento do debate quando este acontece só por comentários. As pessoas falam "mas você não pode dizer para outra mulher o que ela deve fazer ou não, você não pode dizer para uma outra mulher o que é empoderamento", etc. Há uma distorção entre crítica e "proibição", quando há alguma crítica as pessoas já pensam que estão sendo proibidas de algo. Mas penso que isso se trata de um pouco de ego inflado; rever privilégios passa por esse lugar da crítica, querendo ou não, e o que Joice Berth traz no livro não é uma cartilha ou os dez mandamentos da mulher empoderada, mas sim um modo de pensarmos coletivamente como este termo vem em benefício de todas e não somente para perpetuar privilégios. Se para isso mulheres brancas terão que rever atitudes que talvez antes eram "liberadas" ou ditas "normais" (afinal, o bem estar pessoal de uma mulher branca magra, etc é bancado pela mídia, então que revolução é essa?), acredito que faz parte de um processo emancipatório maior do que o individualismo, se eu acho que o meu empoderamento "atrapalha" alguma coisa, talvez eu não esteja entendendo esse empoderamento numa esfera coletiva, que é o principal foco. 

Mas essas são minhas reflexões, vamos ao que interessa: o que há no livro de Joice Berth.


O primeiro capítulo que recebe o mesmo título do livro é uma apanhado geral da origem teórica do termo empoderamento. A autora passa pelos conceitos de Hannah Arendt e Focault sobre o que é poder, para assim pensarmos o empoderamento hoje. Em seguida passa por um breve histórico da origem da palavra em si, mostrando que este conceito acabou sendo incorporado de modo a fugir de seu significado original e estratégico. Berth também cita Paulo Freire e sua Teoria da Conscientização e por fim faz uma síntese das diversas teorias que juntas formam a ideia de empoderamento que ela deseja mostrar.


No segundo capítulo, a autora fala da relação de opressões estruturais com a prática do empoderamento, e pensar que a aplicabilidade da Teoria do Empoderamento, depende dessas opressões estruturais, ou seja, empoderamento também tem a ver com racismo, consciência de classe e machismo. Berth fala também do esvaziamento do termo na atualidade que gera essa dualidade individual x coletivo. Além disso fala das barreiras de grupos oprimidos ao conhecimento acerca do empoderamento. E nisso dá exemplos práticos de como mudar esse quadro. 


O terceiro capítulo trata da prática de mulheres negras que assimilam a noção de empoderamento em suas vidas antes mesmo de ter acesso ao conhecimento formal do tema. Nesse sentido, Berth ressiginifica o conceito pela experiência do feminismo negro e de formas coletivas de superação das opressões adotadas pelas comunidades negras. 


No quarto capítulo, Berth aborda a questão da estética, pois esta também está associada ao poder. Assim, a autora tece críticas sobre como a população negra carece de uma representação esteticamente "empoderadora" na sociedade, no sentido de se verem em capas de revistas, em personagens bem sucedidos nas novelas, filmes e livros, etc. Intelectualmente e esteticamente negros e negras não são referência em igualdade com brancos, isso diz tudo sobre relações de poder e empoderamento. A suposta inferioridade da aparência negra foi usada para justificar o sistema de opressão. Berth também fala sobre a afetividade dentro das relações amorosas das mulheres negras, que se vêem como "desasjustadas" e são tratadas muitas vezes como descartáveis, gerando um sentimento de "auto-ódio". Porém, a autora atenta que a questão estética é importante, mas não o mais importante ou o único foco.

Nas considerações finais, Joice Berth sintetiza os principais pontos de sua pesquisa, salientando também que o processo de empoderamento passa pelo individual sim, mas visa o coletivo e também da impossibilidade de um empoderar o outro. Importante lembrar que é um processo antes de tudo político que visa mudar o estado atual das coisas, portanto é preciso estar atento para venda de um empoderamento que não mexe com as estruturas de poder de fato.

"Empoderamos a nós mesmos e amparamos outros em seus processos"

3.10.18

Resumo de Setembro + planejamento + o que estou lendo




Setembro foi aquele mês que li "pouco", mas li muito ao mesmo tempo. De livros finalizados foi apenas um: Um Teto Todo Seu, da Virginia Woolf, pro clube de Leituras Feministas.

Dei continuidade a minha luta para reler e fazer anotações de "O Segundo Sexo". Andei um pouco com "A Revolução das Mulheres" e um pouquinho com "A Arte de ator", esse último dei mais uma pausa, mas entendi que não será um livro que vou terminar na mesma velocidade de um livro de ficção, é um livro extenso com muito conteúdo e meio que "guia", então vou ler na calma mesmo, mas creio que termine este ano ainda. Decidi lê-lo somente na faculdade pois não estava conseguindo encaixar nas minhas leituras de casa. 

Outras leituras mais avulsas foram, a peça "Os fuzis da Senhora Carrar", que li numa reunião com meu grupo de teatro, e trechos da peça "As Criadas", precisei ler para compô uma cena de 10 minutos para a disciplina Teoria e História do Teatro II. Foi um mês cansativo e outubro vai ser mais ainda, eu já quero férias!



Sobre organização/planejamento, eu testei um tal de "planejamento coreano" por três dias, foi interessante mas seria algo difícil de acompanhar, quem tiver curiosidade procura algum vídeo no Youtube, mas em resumo é um planejamento em que você cronograma suas atividades de 10 em 10 minutos, é interessante porque diferente do Pomodoro que exige 25 minutos de concentração, esse te dá uma liberdade de fazer várias atividades, mas por outro lado eu não tive paciência de marcar tudo que eu fazia a cada 10 minutos. Resolvi abandonar a método de estudos Pomodoro esta semana, pois estou bem doente e tenho me deixado bem livre pra me cuidar mentalmente também.

Estou usando no momento dois cadernos para me organizar, um que chamo de caderno rascunho, que eu mesma fiz e outro foi meu Bullet Journal do ano, que voltei a usar agora, mas mais resumido. 



Não fiz planejamento mensal, apenas semanal, colocando uma tabela dividida por horas, desde as 6h até a 00:00, porém essa semana por conta da gripe eu não estou controlando nada. Também achei que ia começar a trabalhar essa semana e até agora nada da diretora me dá um retorno. 

No caderno rascunho depois de vários rabiscos, eu fiz um quadro com 7 lacunas correspondentes aos dias da semana e coloquei uma meta de estudos em cada dia, bem básico. A diferença é que eu só passo isso pro bujo se eu conseguir cumprir as metas. O modelo do plano rascunho aqui.

Então no bujo eu fiz uma página chamada "Plano de Estudos", com um quadradinho e uma linha para escrever o nome do livro e a página/capítulo que eu cheguei, assim posso acompanhar meu progresso na semana, pois fiz 3 linhas para cada dia, já que entendi que meu limite é ler no máximo 3 livros diferentes por dia. Você pode fazer o download do modelo aqui


Outro planejamento foi o décimo sexto cronograma para ler O Segundo Sexo, haha dessa vez colocando CINCO páginas por dia:




Para finalizar, um resumo do que estou lendo nesta primeira semana de Outubro
  • A Revolução das Mulheres (faltam 30 páginas)
  • O Caminho de Casa, Yaa Gyasi (estou em 82%)
  • O Segundo Sexo Vol. 1 (segunda parte: história)
  • Texto e Jogo, Ingrid Domien Koudela (pg. 60)
  • Dia bonito pra chover, Lívia Natália, poesia (termino hoje provavelmente)



Leituras Paradas (pretendo retornar em novembro):
  • Todos os Contos, Clarice Lispector
  • Correspondências, Clarice Lispector 

29.8.18

[Leituras em Andamento] - Agosto



Eu gosto de escrever sobre os livros que estou lendo (seja aqui ou no Instagram) porque me faz criar um mapa mental também pra mim. Mas no Instagram, quando posto lá existe a questão de esperar likes, retorno, comentários e ficar me comparando com o ritmo de outras pessoas. Não tenho vergonha de admitir isso, sim! Dai como estou dando essa trégua do Insta, escrever aqui me faz bem pois não fico esperando nada disso e ao mesmo tempo deixo registrado para minha futura memória e pra quem por ventura venha aqui buscar referências. 

Já estamos em 29 e eu ainda tenho o sentimento de ser meio do mês (??), porque ainda quero ler alguns livros até dia 31 e também eu estico um pouco até dia 1, Enfim! São estes:

- A Poética (Lendo uma edição que contém A Poética de Aristóteles, Horárcio e Longino, mas lerei só a de Aristóteles)

- A arte de ator (comecei em Maio, parei em Junho e tô voltando agora)


- Todos os Contos - Clarice Lispector (Lendo A Legião Estrangeira - querendo terminar esse mês)



- Erótica (coletânea de poesia erótica argentina - emprestado de uma amiga)

E tem outros que eu queria ler também e já comecei no semestre anterior, mas sei que não vai ter como então vou falar deles só em Setembro.

11.7.18

[projetos] Clube de Leituras feministas - Fortaleza



O Clube existe desde 2017 e é organizado pela Ana Carolina. Os avisos das datas acontecem no perfil dela do instagram e no grupo no facebook Clube de Leituras Feministas. Ainda não consegui me programar para ir a nenhum encontro, mas super amo a ideia desse clube extremamente necessário. Aqui fica o registro da programação do segundo semestre. No grupo do facebook sempre que possível eles disponibilizam links dos livros pra baixar e links de outras referências! Vale muito participar!



LIVROS DO CLUBE LEITURAS FEMINISTAS 2018.2: (Clica na imagem pra baixar

AGOSTO: Mulheres que Correm com os Lobos – Clarissa Pinkola Estes


SETEMBRO: Um Teto Todo Seu – Virgínia Woolf


OUTUBRO: Política Sexual da Carne – Carol J. Adams

NOVEMBRO: Objeto Sexual – Jessica Valenti


DEZEMBRO: Calibã e a Bruxa - Silvia Federici


13.5.18

Fichamento - O Segundo Sexo - Introdução



Se hoje não há mais feminilidade, é porque nunca houve. Isso significa que a palavra “mulher” não tem nenhum conteúdo?

Se a função de fêmea não basta para definir a mulher, se nos recusamos também a explicá-la pelo “eterno feminino” e se, no entanto, admitimos, ainda que provisoriamente, que há mulheres na Terra, teremos que formular a pergunta: o que é uma mulher?

O homem representa a um tempo o positivo e o neutro, a ponto de dizermos “os homens” para designar os seres humanos, tendo-se assimilado ao sentido singular do vocábulo latino vir o sentido geral do vocábulo homo. A mulher aparece como o negativo, de modo que toda determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade

Nenhuma coletividade se define nunca como Uma sem colocar imediatamente a Outra diante de si. Bastam três viajantes reunidos por acaso num mesmo compartimento para que todos os demais viajantes se tornem “os outros” vagamente hostis. Para os habitantes de uma aldeia, todas as pessoas que não pertencem ao mesmo lugarejo são “outros” e suspeitos; para os habitantes de um país, os habitantes de outro país são considerados “estrangeiros”.


Como se entende, então, que entre os sexos essa reciprocidade não tenha sido colocada, que um dos termos se tenha imposto como o único essencial, negando toda relatividade em relação a seu correlativo, definindo este como a alteridade pura? Por que as mulheres não contestam a soberania do macho? Nenhum sujeito se define imediata e espontaneamente como o inessencial; não é o Outro que se definindo como Outro define o Um; ele é posto como Outro pelo Um definindo-se como Um. Mas para que o Outro não se transforme no Um é preciso que se sujeite a esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão na mulher?

Mas as mulheres não são uma minoria; há tantos homens quantas mulheres na Terra.

[...] a introdução da escravidão na América, as conquistas coloniais são fatos precisos. Nesses casos, para os oprimidos, houve um passo à frente: têm em comum um passado, uma tradição, por vezes uma religião, uma cultura. Nesse sentido, a aproximação estabelecida por Bebel entre as mulheres e o proletariado seria mais lógica: os proletários tampouco estão em estado de inferioridade e nunca constituíram uma coletividade separada. Entretanto, na falta de um acontecimento, é um desenvolvimento histórico que explica sua existência como classe e mostra a distribuição desses indivíduos dentro dessa classe. Nem sempre houve proletários, sempre houve mulheres. Elas são mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é consequência de um evento ou de uma evolução, ela não aconteceu.

[...] a ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam [...] Não têm passado, não têm história nem religião própria; não têm, como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses [...] Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, pelo trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens — pai ou marido — mais estreitamente do que a outras mulheres.

O proletariado poderia propor-se o trucidamento da classe dirigente; um judeu, um negro fanático poderiam sonhar com possuir o segredo da bomba atômica e constituir uma humanidade inteiramente judaica ou inteiramente negra: mas mesmo em sonho a mulher não pode exterminar os homens. O laço que a une a seus opressores não é comparável a nenhum outro. A divisão dos sexos é, com efeito, um dado biológico, e não um momento da história humana. É no seio de um mitsein original que sua oposição se formou e ela não a destruiu. O casal é uma unidade fundamental cujas metades se acham presas indissoluvelmente uma à outra: nenhum corte por sexos é possível na sociedade. Isso é o que caracteriza fundamentalmente a mulher: ela é o Outro dentro de uma totalidade cujos dois termos são necessários um ao outro.

Ora, a mulher sempre foi, senão a escrava do homem, ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições. No momento em que as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é ainda um mundo que pertence aos homens. Eles bem o sabem, elas mal duvidam. Recusar ser o Outro, recusar a cumplicidade com o homem seria para elas renunciar a todas as vantagens que a aliança com a casta superior pode lhes conferir.

O homem que constitui a mulher como um Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades. Assim, a mulher não se reivindica como sujeito porque não possui os meios concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu papel de Outro.

a. Resta explicar por que o homem venceu desde o início. Parece que as mulheres poderiam ter sido vitoriosas. Ou a luta poderia nunca ter tido solução. Por que este mundo sempre pertenceu aos homens e só hoje as coisas começam a mudar? Será um bem essa mudança? Trará ou não uma partilha igual do mundo entre homens e mulheres?

o simples fato de ser a mulher o Outro contesta todas as justificações que os homens lhe puderam dar: eram-lhes evidentemente ditadas pelo interesse. “Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser suspeito, porque eles são, a um tempo, juiz e parte”, escreveu, no século XVII, Poulain de la Barre, feminista pouco conhecido.

Um dos benefícios que a opressão assegura aos opressores é de o mais humilde destes se sentir superior: um “pobre branco” do sul dos Estados Unidos tem o consolo de dizer a si próprio que não é “um negro imundo”, e os brancos mais ricos exploram habilmente esse org`ulho. Assim também o mais medíocre dos homens julga-se um semideus diante das mulheres.

Para todos os que sofrem de complexo de inferioridade, há nisso um linimento milagroso: ninguém é mais arrogante em relação às mulheres, mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.

O homem pode, pois, persuadir-se de que não existe mais hierarquia social entre os sexos e de que, grosso modo, através das diferenças, a mulher é sua igual. Como observa, entretanto, algumas inferioridades — das quais a mais importante é a incapacidade profissional —, ele as atribui à natureza. 

Mesmo o homem mais simpático à mulher nunca lhe conhece bem a situação concreta. Por isso não há como acreditar nos homens quando se esforçam por defender privilégios cujo alcance não medem. Não nos deixaremos, portanto, intimidar pelo número e pela violência dos ataques dirigidos contra a mulher, nem nos impressionar com os elogios interesseiros que se fazem à “verdadeira mulher”; nem nos contaminar pelo entusiasmo que seu destino suscita entre os homens que por nada no mundo desejariam compartilhá-lo.  

Muitas mulheres de hoje, que tiveram a sorte de ver-lhes restituídos todos os privilégios do ser humano, podem dar-se ao luxo da imparcialidade; sentimos até a necessidade desse luxo. Não somos mais como nossas predecessoras: combatentes. De maneira global ganhamos a partida. Nas últimas discussões acerca do estatuto da mulher, a ONU não cessou de exigir que a igualdade dos sexos se realizasse completamente, e muitas de nós já não veem em sua feminilidade um embaraço ou um obstáculo; muitos outros problemas nos parecem mais essenciais do que os que nos dizem particularmente respeito; e esse próprio desinteresse permite-nos esperar que nossa atitude seja objetiva.

 em que o fato de sermos mulheres terá afetado a nossa vida?

Mas não confundimos tampouco a ideia de interesse privado com a de felicidade, ponto de vista que se encontra frequentemente. As mulheres de harém não são mais felizes do que uma eleitora? Não é a dona de casa mais feliz do que a operária? Não se sabe muito precisamente o que significa a palavra felicidade, nem que valores autênticos ela envolve. Não há nenhuma possibilidade de medir a felicidade de outrem e é sempre fácil declarar feliz a situação que se lhe quer impor. Os que condenamos à estagnação, nós os declaramos felizes sob o pretexto de que a felicidade é a imobilidade.

Como pode realizar-se um ser humano dentro da condição feminina? Que caminhos lhe são abertos? Quais conduzem a um beco sem saída? Como encontrar a independência no seio da dependência? Que circunstâncias restringem a liberdade da mulher, e quais pode ela superar? [...] Isso quer dizer que, interessando-nos pelas oportunidades dos indivíduos, não as definiremos em termos de felicidade, e sim em termos de liberdade.

29.4.18

[Impressão] Poemas Obsessivos - Mikaelly Andrade

Poemas Obsessivos é o segundo livro da @mikaandradepoeta. Foi minha #6 leitura do ano, feita em Março, mês da poesia, mês que homenageamos mulheres. E Mika me lembra tudo isso. Mikaelly recorta seu universo em 8 partes: poemas, saudade, livros, corpo, mar/amar, cotidiano, infância, mulher, com isso temos um lindo quebra-cabeça poético, escrito com o barulho inquietante das mãos de quem encontra na poesia sua tábua de salvação, como diz Wislawa; ou o grito clariceano de quem só existe porque escreve; ou como Emily Dickinson no anonimato de uma vida toda, mas que no falso silêncio cotidiano encontrou voz nos versos que ninguém via. No entanto Mika é vista, é lida, é ouvida, porque assim quis. E mesmo sendo difícil se manter sonhante - sonhadora e avante - nessa trajetória de autora independente (e aqui é independente mesmo!l), Mika e sua obsessão pela poesia não cessam de re-existir. ✏✏✏ "Eu me lembro também da reação da minha mãe que me encorajou a levanta e continuar correndo apesar do sangue e da dor" 📖📖📖 É possível conseguir o livro diretamente com a autora


[Impressão] Volto Semana que Vem - Maria Pilla



Volto Semana que Vem é um livro de relatos que conta a vivência da autora enquanto presa e exilada durante a ditadura brasileira e argentina. Os escritos oscilam entre passado e presente, não seguem ordem cronológica alguma, mas os títulos sempre mencionam o ano e o local em que a história se passa. Mistura denúncia e memória; lembranças cruas, secas, e leves também. Maria fala de momentos que passou e outros que escutou no período em que esteve em cárcere e outros em que foi exilada durante 20 anos do Brasil, avisando para o pai que "voltaria semana que vem".    

O livro é quase todo narrado em primeira pessoa, e o que não está, é tão próximo da autora, que acredito que é como se fosse ela também. Cada história de alguma mãe de um desaparecido político, cada esposa, filho, filha, parente que perderam tantos entes queridos para esses dois regimes cruéis, é um pouco de Maria Pilla, é um pouco eu e você, que sente sempre precisar ter estado lá. Porém, Maria conta tudo isso secamente, sem adjetivos, sem nada além do que aconteceu, como jornalista, no cerne da profissão, ela resolveu escrever os fatos. O tom nada poético de Maria beira um documento policial, e por conta disso, o livro é acusado de frio. Vi algumas pessoas dizendo não ter "sentido" as histórias, e eu me pergunto: o que mais é preciso dizer para sentir a dor da crueldade de um escritor que é perseguido e leva 52 tiros? Se Maria Pilla escreve "morreu com 52 tiros", não preciso de nada mais para saber da pervesidade de 52 tiros. Os números, o ato, o ano, as razões, já são por si só a violência, sem adjetivos.

Não se falta intensidade, pois não trata-se aqui de ficcionalizar a realidade ou tornar o horror mais próximo do que já é. 

Assim é que Maria Pilla se faz importante com seu "livreto", que pesa muito mais do que a balança conta. Volto Semana que Vem tem o peso histórico que as palavras podem até não dar conta, e deve ser por isso que Maria Pilla escreveu desse modo, o julgamento dos fatos, os adjetivos ficam para o leitor. Em uma entrevista ela mesma fala: “Não sou vítima, eu escolhi a militância”

Sul21- O que te levou a escrever agora um livro de memórias? Maria Regina Pilla – Há anos, tinha vontade de escrever um livro, de botar no papel tudo aquilo, que, apesar de ter feito análise, continua me incomodando. Escrever o livro foi como me livrar de um problema, me livrar de um período da minha vida que foi bacana, no qual aprendi muita coisa, mas também enfrentei coisas bem difíceis. Deixei para escrever as partes ruins todas juntas. Foi bem difícil. Era uma coisa sofrida, que vinha de dentro. Cuidei para que o texto tivesse um tom de não truculência, pois não interessa, já contaram, todo mundo já sabe como é que é (a prisão, a tortura). Fiz outro tipo de abordagem, todos que leram viram isso, um jeito diferente de contar esta história.


5.4.18

[Impressão] O Coração é um Caçador Solitário, Carson Mccullers

The Heart is a lonely hunter foi publicado em 1940, e é o primeiro livro da estadunidense Carson Mccullers e uma das mais brilhantes estreias que a literatura mundial presenciou, por certo.

A escrita de Carson é assim, uma punhalada e um afago, te deixa sem ar e afrouxa o nó da gravata, te coloca no colo e por outros momentos apenas te deixa na sarjeta, se perguntando o por quê e sem respostas, no frio, com seu coração solitário na mão.

O coração treme.

Mick Kelly, Singer, Biff, Dr. Coopland, Jake Blount são os personagens centrais da narrativa e Solidão é o espirito vagando no interior de cada um deles, costurando seus corações com uma agulha  pungente.

O Coração sangra.

Carson conseguiu nesse romance unir todos os sonhos, todas as utopias, todos os desejos mais íntimos dessas criaturas de papel dando a eles um sopro de vida que faz o leitor ser capaz de identificar os personagens em pessoas reais, ou em si. Eu me vi um pouco como Kelly, como Blount, como Coopland. Vi meu padrasto, meu pai, minha vizinha... vi até mesmo algum eu que eu não tinha chegado a tocar a campanhia e perguntar "ei, você ainda está ai?".

Cada capítulo é tão bem construido, tão bem estruturado, Carson coloca o leitor na ponta de sua caneta e o conduz extamente para onde ela quer. É possível perceber uma certa curva que ela desenha em alguns momentos. Começa assim, tudo parece muito normal, um dia comum, um dia qualquer, pessoas felizes, mas sabe quando você tá deitada e tem aquela mosca que não te deixa em paz? Carson causa essa sensação, tudo é como um dia bem ensolarado, mas com nuvens cinzas passando de vez em quando avisando uma temestade chegando; tudo parece muito normal, só pra que de repente você veja lá de longe um tornado chegando até você, e não há como evitar, a história já foi escrita. Muitas vezes fechei o livro e fiquei "nãaaaaao, que merda que merda que merda", não adianta chorar, era o que o rosto de Carson me dizia, estou só retratando a vida.

Talvez vocês queiram saber quem são essas pessoas e o que se trata a história. Eu tenho muita vontade de falar ao mesmo tempo queria só te dizer, "Leia". Mas ok, eu irei apresentar meus novos vizinhos. Numa próxima postagem.

22.3.18

[Impressão] Primeiras histórias: a mulher submissa em busca de liberdade nos primeiros contos de Clarice Lispector



Aqui analisarei alguns dos primeiros contos de Clarice Lispector, contidos em “Primeiras Histórias”, Os contos foram lidos em Fevereiro no projeto de leitura conjunta para ler dois contos por semana do livro “Todos os Contos”, publicado em 2016 pela Rocco.

Foi muito interessante ter contato com a fase inicial de Clarice e já poder perceber algumas características da sua escrita ganhando forma, se desenvolvendo, e se modificando também. A primeira característica que o leitor de Clarice nota é a presença maciça de protagonistas mulheres nos contos. Desde o inicio Clarice procurou narrar os fatos pela perspectiva feminina, visto que era algo raramente explorado na literatura em sua época. Outra forte marca é o fluxo de consciência, é lindo ver Clarice se experimentando e explorando esse recurso sem medo de ser feliz. Nas discussões no grupo virtual da leitura coletiva tivemos sim dificuldade em entender alguns contos, em especial “Delírio” e “Mais dois bêbados”, mas ao mesmo tempo no foi muito empolgante embarcar na viagem que Clarice nos propôs, criar interpretações e variadas análises. Outro fato curioso é que nesses dois contos, temos personagens masculinos, para mim uma novidade na obra de Lispector. “Delírio” parece ser uma narrativa conduzida pela febre do personagem, um escritor (??), ou ela própria (?), sempre temos a sensação de que Clarice fala dela mesma em alguma parte de todos esses contos. “Mais dois bêbados”, trata-se de um diálogo nosense entre dois homens num bar, ou na verdade um monólogo, de um embriagado com suas angustias numa mesa de bar, algumas pessoas no grupo disseram que não entenderam nada, o que interpretei foi: “ficar bêbado num bar falando sozinho, quem nunca?”.



Porém, o que mais quero atentar aqui é para uma possível linha de evolução que parece haver na organização dos contos, em se tratando da libertação e empoderamento da mulher que Clarice esboça nessas primeiras histórias. Em “Triunfo”, primeiro conto, a personagem acorda sozinha em casa e começa a reviver a discussão que teve com o marido. Clarice mostra uma mulher no que poderíamos chamar hoje de “relacionamento abusivo”, com forte manipulação psicológica, quando acho que ninguém tratava disso na época. “Ela, calada, defronte dele. Ele, o intelectual fino e superior, vociferando, acusando-a, apontando-a com o dedo. E aquela sensação já experimentada das outras vezes que brigavam: se ele for embora, eu morro, eu morro”. Mesmo depois de lembrar vários momentos como esse, a personagem permanece presa ao relacionamento, desejando a volta do marido. É até estranho resumir Clarice numa narrativa, com começo meio e fim, mesmo sabendo como o conto, ler as palavras que ela escolhe, o modo como ela traça esse percurso psicológico é que nos prende de fato.


Em “Obsessão”, “Eu e Jimmy”, “História Interrompida”, “Fuga”, o enredo se repete um pouco. As relações entre os homens e as mulheres – protagonistas. São bem parecidas. A mulher é retratada geralmente como alguém muito dependente do homem, burguesa, casada e presa. Presa a sua situação (me lembrei muito de Simone de Beauvoir), presa ao seu estado civil, presa em si mesma. O homem é colocado como superior, porém não é que Clarice o ache superior, a personagem no fundo tem consciência que ele se acha muito superior e por toda a situação de como a sociedade enxerga a mulher, ela também se diminui. Os homens são intelectuais, e estão sempre explicando o mundo para as mulheres. Algumas se deslumbram com aquela sabedoria, outras se deixam levar sabendo que estão se deixando levar. O conto por vezes se inicia com o encontro com esses homens que fazem as personagens muitas vezes se entenderem como um ser humano de fato, como se até então tivessem vivido sem se dar conta que viviam.  Acho que Clarice coloca tudo isso com uma toque de ironia, porém nenhuma delas se liberta de fato dessas amarras. Até chegarmos em “Gertrudes pede um conselho”; com esse conto, todo o acumulo de angustia que eu senti em todas as mulheres anteriores se dissiparam, e Clarice mostra pela primeira vez uma mulher livre. Nesse, a relação de dependência não é com um homem, mas com uma psicóloga, em que Gertrudes vai pedir conselho sobre a angustia que sente de vida. Daí, já vemos o momento de crise que as personagens de Clarice geralmente enfrentam, quando a vida comum já não basta, já não se sabe passar um dia depois do outro, como diz outra personagem do romance As Ondas de Virginia Woolf: “Vim perguntar o que faço de mim. Mas não sabia resumir seu estado nessa pergunta. Além disso, receava cometer uma excentricidade e ainda não se habituara consigo mesma”. Incompreendida, Gertrudes deixa o consultório e finaliza
“- Eu lá preciso de doutora! Lá preciso de ninguém”. Continuou a andar, apressada, palpitante, feroz de alegria”




Não sei como se deu a organização dos contos, mas é magistral o desenvolvimento que Clarice coloca acerca da situação da mulher. Tanto em como os outros a veem, ela fala também da educação que a mulher recebe e como ninguém no coloca dentro do que se passa na mente das personagens diante do que sofre. Não acredito que Clarice queira dar a ideia de uma “mente feminina”, não é sobre “feminino” que ela fala, mas nos bota a par da “mente da mulher” dentro de uma situação que uma construção social. E mais do que nunca Clarice me ajuda a ter certeza que “Não se nasce mulher, torna-se”.

12.3.18

Lendo O Segundo Sexo

Refiz o cronograma que as meninas do Clube da Literatura Feminista - Fortaleza, fizeram, elas passaram praticamente o ano de 2017 todo lendo esse livro, mas não pude participar. Peguei a mesma ideia delas de ler uma parte por mês (e algumas divididas), porque o livro é denso!




7.3.18

[Impressão] Sou dona da minha alma - o segrego de Virginia Woolf, Nadia Fusini



"Apenas a autobiografia é literatura, os romances são a casca, e, ao final, chega-se ao caroço: ou eu, ou você"

Essa é a epígrafe do livro "Sou dona da minha alma - o segredo de Virginia Woolf", biografia da autora escrita por Nadia Fusini. 

Ao começar a ler esta biografia senti certo estranhamento, o tom de Nadia Fusini me era muito incomum a esse gênero literário. Mas ao decorrer da leitura estava completamente fascinada e entendi que mesmo tendo existido de fato, um artista é também um personagem de um romance, que é a própria vida. O que Nadia como biógrafa fez, foi nos contar não somente a história de vida dessa personagem chamada Virginia Woolf, mas por meio de sua pesquisa ela conseguiu adentrar em pensamentos e sentimentos da autora durante certos períodos, ela ousa até mesmo nos trazer questões, dúvidas, inquietações intimas que Virginia inclusive escondia. Mas como? Você pode acusar, "Isso não é biografia, isso é ficção". E foi então que percebi a chave dessa biografia, ou da vida: e não é tudo meio real, meio ficção? Quanto de realidade realmente vivemos, ou quanto de ficção deixamos de viver, e confessamos a diários, cartas, amigos. Pois foi por meio desses documentos e de seus maiores testamentos, seus romances, que Nadia Fusini nos convida a tentar descobrir o segredo de Virginia Woolf.

Assim, Fusini não é apenas alguém que coletou dados já existentes da vida de outra pessoa e depois colocou tudo no papel, Fusini se torna também romancista da vida de Virginia Woolf, e para além do interesse em saber quem foi esta mulher, nos envolvemos também pela escrita de Nadia Fusini. Em um certo momento, parece que conhecemos e desconhecemos Virginia, ela parece real e inventada, e talvez alguns possam reclamar o tom mais poético da escrita de uma biografia, que deveria se ater aos fatos somente, mas o que Fusini faz é uma belíssima homenagem a Virginia, transformando-a em uma persona viva no papel. 

Foi por meio dessa biografia que tive vontade de ler os livros de Woolf não exatamente cronologicamente, mas dar inicio a cada leitura na data de lançamento dos livros. Fusini conseguiu passar a ansiedade de Virginia nesses momentos, os dias de lançamento dos livros eram dias intensos e angustiantes, sempre muito dependente da aceitação alheia, Virginia esperava a aprovação como sua tábua de salvação, ao mesmo tempo que duvida de todo seu sucesso e dos elogios que recebeu.

O grande marco dessa biografia é que para Fusini, tudo que precisamos saber sobre Virginia está em seus livros, como diz a epígrafe. Ao analisar o período de escrita de cada romance tendo como apoio diários e cartas, tanto dela como de pessoas próximas a elas, Nadia nos traz conexões entre personagens reais da vida da autora e os "criados" por ela, revelando que o que Virginia fazia era na verdade ressuscitar os mortos, clonar os vivos, desvendar-lhes seus segredos mais profundos.

Não teria como Virginia escavar tanto na alma humana como fez escrevendo de outro modo. Há de ser estranha, há de ser em fluxo, há de ser vertiginoso. Virginia não estava interessada só na concretude e materialidade das ações, em pontuar fatos. Quando decidia se dedicar a um livro, e os processos eram longos, Virginia submergia no mundo dos mortos para tirar deles o que eles não mostraram em vida. Virginia conseguia, como bruxa (assim a disse Vita), revelar o que eles escondiam deles mesmos, e nós, seus leitores, sentimos também que ela nos revela como se tivéssemos vivido outras encarnações. 





20.2.18

[Impressão] Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca - Lenildo Gomes




Lenildo me supreendeu primeiramente pela forma, ao abrir o livro pensei que me deparava com um livro de poemas, mas ao olhar a catalogação dizia ser um livro de contos. Aceitei a proposta. Acho que entrar em contato com a arte primeiramente precede apertar as mãos. Se você não conseguiu apertar as mãos com o artista, bem, paciência. Mas há de se ter esse acordo entre quem lê e quem escreve, esse convite ao abismo é o que me encanta, quando o autor diz "E ai? Vamo nessa?". Então, meu caro, ou você pula e curte a queda ou fica lá olhando de cima da montanha sem mergulhar. Mas às vezes tá ok, a gente não consegue embarcar na onda do autor. Tá tudo bem também. 

Uma noite de bebedeira, tentando esquecer você, um suícidio, um não morrer, mais uma vez ou talvez eu toque uma música do Elliot Smith
" I see you're leaving me and taking up with the enemy // The cold comfort of the in between // A little less than a human being // A little less than a happy high // A little less than a suicide // The only things that you really tried This is not my life "

Essas são algumas das imagens-sensações que me chegaram com os contos-poemas de Lenildo Gomes, em seu curto livro de nome extenso "Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca". O livro contém ilustrações de Raisa Christina e traz textos escritos desde 2006 a 2015, publicados no blog do autor: "Entre os Olhos". Como Vacander Brito fala no prefácio, "esse não é um livro para vencedores".

O livro é dividido em quatro partes que não se dividem, mas se complementam a cada página a mais lida. Talvez as divisões existam só como forma de captular as histórias que parecem acontecer em várias partes do mundo ou todas no mesmo bloco de algum prédio de uma métropole barulhenta e estranha. Música ao fundo é um livro noturno, de personagens que mesmo quando acordam trazem nos olhos os pesadelos da madrugada mal dormida, ou a madrugada nem dormida. 
Em Música ao fundo, penso, que nem tem ninguém acordado ainda. As pessoas que habitam esses micro-contos vagam entre os humanos tentando se encaixar numa vida habitual, normal, e falham, sempre mais uma vez.

Como nos diz o irlandês Samuel Beckett "Sempre tentei, sempre falhei. Não importa. Tente de novo, falhe de novo, falhe melhor"

Os micro-contos de Lenildo não são nada demais, digo com sinceridade, se assim você quiser colocar, porque as pessoas sempre querem saber "qual o diferencial disso" ou "se é algo demais ou de menos", me pergunto em relação a que, a medida do que é "demais ou de menos" é cada um qu dá, mas enfim.

Os contos falam em geral de amores perdidos, de gente depressiva, bêbada, ouvindo alguma música triste sozinho em casa. São anotações rápidas, de cenas curtas, por vezes é só uma cor, outras uma única e singular imagem, em alguns momentos ele fala do silêncio de um telefonema recusado, angústias cheias de fumaça e álcool, acompanhadas de músicas intimistas. Sabe aquele dia fracassado que você quer só esquecer? Lenildo não esqueceu, e até escreveu sobre ele. Aquele dia sem importância que não valeu a pena ter sido vivido. Para Lenildo valeu ser escrito. E isso me toca.

Pois tudo isso é meio como eu, ou como você e se não for como você vai ser como alguém em algum lugar fazendo exatamente isso da vida. E por isso importa, esse livro importou para mim porque foi escrito. Uma constatação, ele se materializou. 

As imagens que Raisa coloca no livro ilustram ainda mais essa sensação norturna, soturna, sombria, penetrante. Os personagens que Raisa desenha nos olham de frente, algumas estão nuas mais que fisicamente, outras trazem animais ferozes consigo, são personagens prontas para. Seus olhos nos dizem que o furacão já passou ou que pelo contrário, ainda vem muita tempestade pela frente.


Título: Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca
Autor: Lenildo Gomes
/ 2017
Projeto apoiado pelo programa produção e publicação em Artes 2017 de Fortaleza - instituto bela vista / secultfor

12.2.18

[Impressão] Tambores pra N'zinga




N'zinga, ou Nzinga, Ginga, Jinga, Singa, Zhinga entre outros nomes ou como ficou conhecida pelos portugueses: Ana de Souza, rainha Dona Ana. Combatente. Presente. Atuante e atual. 

E tambores tocam em teu nome e tambores ecoam em teu nome. Tambores pra N'zinga, livro de poemas de estréia de Nina Rizzi, publicado em 2012. Tambor, instrumento sagrado. 

"O tambor é um catalizador de energias [...] O ritmo das batidas altera nossa percepção e estado de consciência, permitindo-nos entrar em contato com os mundos visíveis e invisíveis para proporcionar cura, meditação, auto-conhecimento, empreender jornadas, nos harmonizarmos com a Terra e contatar os ancestrais, espíritos e animais guardiães."

É assim que a poesia de Nina retumba nesse livro, ritimíca e ritualística. A poeta aqui não é musa, é voz. É corpo atuante e substitui a lira, pelo batucar dos tambores. 
Faz da poesia um ritual de passagem de um momento a outro, em que se percebe algo que antes não havia sido notado, e então o instante se faz poema. O instante pode ser na noite das ruas embriagadas, pode ser na pele dos amores (rizzíveis), pode ser um momento de silêncio, sozinha. 

Dividido em três partes chamadas de "quandos / tudos / quases ". A poesia de Nina me chegou de forma muito intrigante, digna de muitas releituras e escavação. Abrir o livro de Nina é escavar poesia com as unhas. Não é deleite. Não é contemplação. É deslocamento. 

tweenty seven inch nails

arranquei um naco do meu dedo
enquanto pensava que ele podia subir as escadas, gritar
sangue junto à enorme unha encardida
ardume
os dedos, círculos. meu riso de matilda.

Tambores, desde o título traz muitas referências históricas, imagino que influência da formação acadêmica da poeta. 
Já no terceito poema, chamado Kabuki, temos uma referência forte. 

kabuki

com a força de um hímem
os pés apertados de gueixa
me recolho
lanço
bênçãos e espadas.


Kabuki é um teatro que incialmente era feito só por mulheres e hoje só homens atuam. 

"O verdadeiro kabuki como conhecemos hoje surgiu posteriormente formado somente por homens. A arte de se transformar em mulher foi criada na época em que atores especializavam-se nessa modalidade. A beleza de “Onnagata” obedeceu a um padrão idealizado por homens, ou a forma de como a mulher devia portar-se. Aquela feminilidade exagerada não é natural do desempenho de uma mulher, mas calcada em certos conceitos da observação masculina." (Fonte)

Nesse primeiro "ato", chamado quandos, Nina nos fala do advérbio do tempo, condição, ocasião do que poderia ter sido, ter dito, ter acontecido, quando é um recorte no tempo, uma fatia da vida que só a poeta observa. 

lastro

a poesia dizia que a gente não ia mais parar
de se olhar. nunca mais, nunca mais.
e eu não li mais nada. quiçá viouvi. amiúde
deixei de me derramar também. hoje,
eu dou umas risadinhas como as suas. umas
risadinhas assim, meio de leve, de olhar buendía. de você
peguei isso, assim, sem querer. você
me dá vontade de chorar.

Em tudos, os poemas são compostos por ligações com a cultura afrobrasileira, com títulos como maracatu; jongo ojo-bo, flauta pra n'zinga. Em sequida temos uma série de poemas-cantigas, misturando a erudição e o cotidiano picotado em versos curtos


bachiana em dois movimentos pra villa-lobos

já volto, vou me inexistir.
no peito, aquela coisa de moer cana.


Nesses poemas Nina nos dá um gosto de breves olhadelas que nunca mais se repetirão, anotações rápidas sobre despedidas.

outra cantata pra depois do nunca mais

como poderia esquecer?
caixa de ressonância acústica, vibro:
suas palavras andam de bicicleta por meus ecos e umbigo.


Por fim, chegamos a quases. Aquele décimo de segundo de algo que não aconteceu. Pouca distância, perto, mas não dentro. Perto, mas que não se toca. Pouca diferença para mais ou para menos. 
Nesse ato final, Nina também fala da história, de ontem que reverbera hoje

desnotícias

então era assim a grande guerra.
a blitzkrieg não declarada me persistia
por todos os fados de esperânsia;
as colaboracionistas perdiam os cabelos
outras poucas, malenas, bustos, muros.
em rastros de bombas se viam quadrinhos
cinemas, propagandas, ideologias tantas.
que haviam de me meter mais medo ou vingar
se levaram meu velho do exílio?
então era assim, eu não morria,
minguava.

Fala das cidades, das ruas, dos meninos que nelas passam e dormem e nos olham. E uma série de acontecimentos e detalhes de alguém que corre, atravessa a cidade de asfalto e pele, vísceras, sangue.

segundo elogio para catherine day

fumaça, rodas, aço.
- há cidades trespassando meus rins,
o chão frio, nuvens escuras, pelos.
deito minha pele como o asfalto. Inerte, quente.
de cima uns pés me sobrevoam, primeiro os olhos, depois os
dentes.
sun day, moon day.
but it’s not every day:
than one day.
- tenho todas as cidades pra tirar da tua carne,
enquanto restituo o lábio, a esinge.

Nina termina com uma simplicidade tão direta que desconcerta, fecho o livro, mas ainda ele olha pra mim, dizendo, é isso que tenho, que sou, e ouço Billie Holiday.

epitáio

aqui
jazz
mim



5.2.18

[Projeto] Um autor ou autora de cada país

Olá, essa postagem é para falar de um projeto novo, mas não tanto. Há um tempo que já paquerava a ideia de participar daquele projeto de ler um livro de cada país, encontrei fontes diversas que fazem esse projeto. Alguns decidem ler 12 no ano, outros deixam em aberto o perído e abrageram para 198 países, como a Camila Navarro do blog Viaggiando. A Camila baseou o projeto dela em outro, chamado A Year of Reading the World, da inglesa Ann Morgan. 

Resolvi agora começar a trilhar essa caminhada também, mas a minha diferença vai ser: não vou ler um LIVRO de cada país, e sim um autor ou autora. Por quê? Primeiro porque quero um desafio que me motive a ler os livros que eu JÁ TENHO, e não que me motive a consumir mais. Dito isso, olhei para a minha estante e não tenho quase nada de livros que se passem ou falem sobre a cultura de um país, mas tenho de nacionalidades diversas. Além do que, tem livros que nem ao menos falam de país nenhum, como alguns de poesia, meu gênero favorito. 

Assim, a lista para esse ano consiste nos seguintes autores

Miguel de Cervantes (Dom Quixote, 1615) - (29 de setembro de 1547, Alcalá de Henares, Espanha) 
Rachel de Queiroz (O Quinze), 1930 - (17 de novembro de 1910, Fortaleza - Ceará, Brasil)
Octavia E. Butler (Kindred, 1979) - (Nascimento: 22 de junho de 1947, Pasadena, Califórnia, EUA)
Bertolt Brecht (Santa Joana dos Matadouros,1929-1931) - esse exemplo é ótimo, a peça se passa em Chicago, mas Brecht é alemão, vou considerar a origem do autor. (Nascimento: 10 de fevereiro de 1898, Augsburgo, Alemanha
Adilia Lopes (Antologia Poética) - Lisboa, Portugal (nascida em 20 de abril de 1960, tem 57 anos)
Samuel Beckett (Companhia e outros textos): os textos de Beckett gerlamente não se passam em país nenhum mas acho um imortante autor irlandês a ser lido. (Nascimento: 13 de abril de 1906, Foxrock, Irlanda)
Chimamanda Ngozi Adichie (No Seu Pescoço, 2009) - Nascimento: 15 de setembro de 1977 (40 anos), Enugu, Nigéria
Albert Camus (A Queda, 1956) -  Camus nasceu na Argélia mas publicou em francês, mas decidi classificá-lo pela origem do nascimento (7 de novembro de 1913, Argélia francesa)
Júlio Cortazar (Histórias de Cronópios e de Famas, 1962) - Cortázar é ótimo, nasceu na Bélgica, viveu parte da vida na Argentina e é considerado um escritor argentino, depois morou muito tempo na França onde faleceu, entremeios viajou e morou em muitos outros países, mas escreve sobre lugar nenhum. Acho que ele seria o próprio desafio. (Nascimento: 26 de agosto de 1914, Ixelles, Bélgica).
Cesare Pavese (Trabalhar Cansa, 1936 - 1943) - (Nascimento: 9 de setembro de 1908, Santo Stefano Belbo, Itália
Anna Akhmátova (Antologia Poética) - 23 de junho de 1889, Odessa, Ucrânia
Virginia Woolf (A Viagem, 1915) - 25 de janeiro de 1882, Kensington, Londres, Reino Unido
Ismail Kandarê (Abril Despedaçado, 2002) - Esse livro se passa no país de nascimento do autor - Nascimento: 28 de janeiro de 1936 (82 anos), Gjirokastër, Albânia
Roberto Bolaño (Os detetives Selvagens, 1998) - Esse é um romance que se passa em diversos países (Nascimento: 28 de abril de 1953, Santiago, Chile)
Gabriel Garcia Marques (Cem Anos de Solidão, 1967) - Cem Anos de Solidão se passa numa cidade fictícia (6 de março de 1927, Aracataca, Colômbia)

Em resumo, os países serão

1. Brasil
2. Chile
3. Colômbia
4. EUA
5. Itália
6. Espanha
7. Portual
8. Alemanha
9. Argélia
10. Bélgica
11. Ucrânia
12. Reino Unido
13. Albânia
14. Nigéria
15. Irlanda


2.1.18

O Quinze - Rachel de Queiroz [leitura 1/2018] - Trechos



Dia a dia, com forças que iam minguando, a miséria escalavrava mais a cara sórdida, e mais fortemente os feria com a sua garra desapiedada. pg 67



VICENTE ia revendo com carinho as grandes pedras de Quixadá que se destacavam abruptamente sobre a vastidão arranhenta da caatinga, erguendo, céu acima, as enormes escarpas de granito. A luz lhes dava gradações estranhas, desde o cinzento metálico, e um azul da cor do céu, e o outro azul de violeta-pálido, até ao negro do lodo que escorria em grandes listas, sumindo-se nas anfractuosidades, chamalotando as ásperas paredes a pique. Surgiam ao longe, como uma barreira fechada e hostil, os serrotes ligando-se aos serrotes, num alinhamento amontoado. pg 97



O sol poente, chamejante, rubro, desaparecia rapidamente como um afogado, no horizonte próximo. Sombras cambaleantes se alongavam na tira ruiva da estrada, que se vinha estirando sobre o alto pedregoso e ia sumir no casario dormente dum arruado. Sombras vencidas pela miséria e pelo desespero que arrastavam passos inconscientes, na derradeira embriaguez da fome pg 75

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