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23.2.21

com saudade de mim


Alberto Montt


Estou com saudade de mim. Ando pouco recolhida, atendendo demais ao telefone, escrevo depressa, vivo depressa. Onde está eu?

Preciso fazer um retiro espiritual e encontrar-me enfim - enfim, mas que medo - de mim mesma. 

Clarice Lispector

Inspirada nesse trecho de Clarice, escrevi isso essa semana no meu diário: 

Essa dor é do deslocamento. Quando uma parte do corpo sai do lugar onde deveria estar. Quando não escrevo não sei o que criar e fico sem esperança no mundo.

Sem criar, existo sem motivo e me desloco de mim. Porque no fundo eu tenho vontade e a superfície é a desvontade que às vezes parece tão forte. Então eu preciso parar. Estou com pressa porque estou com medo. Parar exige mergulho. É mais fácil deixar o medo tomar conta do que escavar a esperança. Esperança me parecia coisa boba, mas hoje eu quero ser muito boba. Às vezes esqueço como afundar em mim e encontrar minha preciosidade. Nunca criei por talento, mas por uma imensa vontade. 

13.7.16

Laços de Família - Clarice Lispector - Trechos

Clarice revela da alma humana os sentimentos mais cobertos de escombros. Clarice revela o ódio, a culpa, a piedade. Clarice derruba as aparências, quebra ovos, espalha em amarelo, vermelho e marrom tudo que prendemos nos punhos cerrados e sorrisos abertos. Foi muito importante ler esse livro com a minha nova tomada de consciência sobre a representatividade da mulher na literatura, os contos em sua maioria são protagonizados por personagens femininas e isso é de extrema importância. Clarice coloca as "donas de casa", senhoras do lar da classe média, sob um viés mais humano e complexo, as tira da casa de bonecas, assim como fez Ibsen, mas com maior intensidade, pois agora é a própria mulher que fala, que grita, que nos olha com a ferocidade de um búfalo, mostrando sua preciosidade.

.Trechos.
O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. (Amor)


Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.
[...]
O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta (Feliz Aniversário)

Judi Dench

Foi para o lavatório. Onde, diante do grande silêncio dos ladrilhos, gritou aguda, supersônica: Estou sozinha no mundo! Nunca ninguém vai me ajudar, nunca ninguém vai me amar! Estou sozinha no mundo!
[...]
Há uma obs­cura lei que faz com que se proteja o ovo até que nasça o pinto, pássaro de fogo. (Preciosidade)

Saute d’humeur | Laurence Demaison, 2004.
Mais tarde, porém, indagou-se se tinha ou não sido explorado. E sua angústia foi tão intensa que ele parou diante da vitrina com uma cara de horror. O coração batia como um punho. Além do rosto espantado, solto no vidro da vitrina, havia panelas e utensílios de cozinha que ele olhou com certa familiaridade. "Pelo visto, fui", concluiu [...] (Começos de uma Fortuna)


Details of Michelangelo’s masterpiece “David” 1501–1504


Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? [...] Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? o ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? Onde aprender a odiar para não morrer de amor? [...] não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida (O Búfalo)

Nastya Zhidkova



27.10.15

Onde Estivestes de Noite

Admiro quem sabe resenhar Clarice, cada término de leitura é como se eu saísse de um quase afogamento, em que só sei respirar respirar respirar, não me pergunte se estou bem. Clarice abre o mar para que entremos nele e o fecha acima de nós, flutuamos dentro desse oceano por águas por vezes límpidas por vezes obscuras, cantos escondidos de nós que nem mesmos sabíamos existir, outros que precisávamos de alguém para expôr. Mas é preciso estar atento, é preciso estar aberto, é preciso não ter medo de ter medo, é preciso querer mergulhar. Acho que depois dessa leitura posso dizer que tenho ciúme de Clarice, porque não sei se são todos que se entregam assim, e ela não merece nada menos que isso.

Os 17 contos são: (em negrito os favoritos - como escolher?)

1. A procura de uma dignidade
2. A partida do trem
3. Seco estudo de cavalos
4. Onde estivestes de noite
5. O relatório da coisa
6. O manifesto da cidade
7. As maniganças de Dona Frozina
8. É para lá que eu vou (Preferido)
9. O morto no mar de Ucra
10. Silêncio
11. Esvaziamento
12. Uma tarde plena
13. Um caso complicado
14. Tanta mansidão
15. As águas do mar
16. Tempestade de almas
17. Vida ao natural

Trechos favoritos:

"Então seguiu por um corredor sombrio. Este a levou igualmente a outro mais sombrio. [...] E aí esse corredor a levou a outro que a levou por sua vez a outro [...] Então continuou automaticamente a entrar pelos corredores que sempre davam para outros corredores. [...] Ela quis explicar que sua vida era assim mesmo, mas nem sabia o que queria dizer com "assim mesmo" nem com "sua vida [...] Foi então que a Sra. Jorge B. Xavier bruscamente dobrou-se sobre a pia como se fosse vomitar as vísceras e interrompeu sua ida com uma mudez estraçalhante: tem! que! haver! uma! porta! de saiiiiiiída!" (a procura de uma dignidade)

"Aquela que de noite gritava "estou em espera, em espera", de manhã, toda desgrenhada disse para o leite na leiteira que estava no fogo: - Eu te pego, seu porcaria! Quer ver se tu te mancas e ferves na minha cara, minha vida é esperar. É sabido que se eu desviar um instante o olhar do leite, esse desgraçado vai aproveitar para ferver e entornar. Como a morte que vem quando não se espera. Ela esperou, esperou e o leite não fervia. Então, desligou o gás. pg 55/56 (onde estivestes de noite) 

Estou melancólica porque estou feliz. Não é paradoxo. Depois do ato do amor não dá uma certa melancolia? A da plenitude.” "Será que também estou ficando assim, sem sentimento de amor? Sou uma coisa? Sei que estou com pouca capacidade de amar. Minha capacidade de amar foi pisada demais, meu Deus. Só me resta um fio de desejo. Eu preciso que se fortifique. Porque não é como você pensa, que só a morte importa. Viver, coisa que você não conhece porque é apodrecível - viver apodrecendo importa muito. Um viver seco: um viver o essencial" Pág. 58 (O relatório da coisa) 

"como é cavo este coração no peito da cidade" pg. 65 (o manifesto da cidade)

"Enfim terei uma resposta. Que resposta? a do amor. Amor: eu vos amo tanto. Eu amo o amor. O amor é vermelho. O ciúme é verde. Meus olhos são verdes. Mas são verdes tão escuros que na fotografia saem negros. Meu segredo é ter os olhos verdes e ninguém saber.
À extremidade de mim estou eu. Eu, implorante, eu a que necessita, a que pede, a que chora, a que se lamenta. Mas a que canta. A que diz palavras. Palavras ao vento? que importa, os ventos as trazem de novo e eu as possuo.
Eu à beira do vento. O morro dos ventos uivantes me chama. Vou, bruxa que sou. E me transmuto.
Oh, cachorro, cadê tua alma? está à beira de teu corpo? Eu estou à beira de meu corpo. E feneço lentamente.
Que estou eu a dizer? Estou dizendo amor. E à beira do amor estamos nós." (É para lá que eu vou)

"O que sente nunca dura, o que sente sempre acaba, e pode nunca mais voltar" (vida ao natural)

"Sabe que está brilhando de água , e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano." (As águas do mar)


5.5.13

Livros de Abril - I

"Amor nos Tempos de Fúria"  - Lawrence Ferlinghetti



Lawrence Ferlinghetti não gosta de ser denominado o último beat, em uma entrevista o fundador da City Lights, poeta e amigo dos famosos beats como Kerouac, Ginsberg e Burroughs explica que sua escrita é diferente de seus companheiros e o que os aproximava era o fato de ele ter ajudado sendo editor deles. Realmente ao ler a prosa de Ferlinghetti é perceptível certa diferente do jeito mais livre de escrever característico da beat generation, principalmente em Amor nos Tempos de Fúria. Apesar de uma pequena diferença de estilo me senti levada pelo romance, tanto que li em uma velocidade não costumeira para mim, gosto de demorar nas leituras e ir sentido tudo aos poucos, mas Lawrence me deu uma "sede pela página seguinte". 

O amor entre uma pintora de espírito livre e um burguês idealista que se diz anarquista tem como pano de fundo a época de 68 em Paris, a revolução, as ideologias, os conflitos. Há extensas passagens em que os dois conversam e discutem sobre o que está acontecendo ao redor deles, todas as dúvidas, a inquietação e as divergências políticas em alta na balbúrdia da Paris de 68. Lançado em 1988, "Amor nos tempos de fúria" é um excelente documento sobre esse período e uma instigante leitura sobre um romance nada convencional.




"[...] e ela sem dúvida estava fascinada por ele, mas mantinha certa cautela porque havia algo nele, uma expressão no olhar, uma curiosa circunspecção ou distância, algo insondável e introvertido. De modo que ela não se aproximava muito quando lhe ocorria vê-lo"

"[...] e os dois se sentaram juntos no terraço do Café Mabillon ali perto e pediram café e beberam e ficaram conversando sobre qualquer coisa, como se estivessem juntos desde sempre. Ela sentiu uma afinidade instantânea com ele, quase como se o conhecesse há tempo, em outra vida em outro país [...]"

"No entanto, Julian Mendes disse, foi Albert Camus quem realmente teve um significado importante para ele. Albert Camus quem Julian admirava acima de tudo, em especial seu L'homme Revolté.
- Sim - disse Julian -, acho que eu não seria o que eu sou sem esse livro!"



A Hora da Estrela - Clarice Lispector

as fracas aventuras de uma moça numa cidade toda feita contra ela




"É a minha própria dor, eu que carrego o mundo e há falta de felicidade"

"Porque há o direito ao grito
Então eu grito"

"Quem já não se perguntou: sou um monstro ou isto é ser uma pessoa?"

"E quero aceitar minha liberdade sem pensar o que muitos acham: que existir é coisas de doido, caso de loucura. Existir não é lógico."

"Por que ela não reage? Cadê um pouco de fibra? Não, ela é doce e obediente."

"Por Deus! Eu me dou melhor com bichos do que com gente."

"Já que sou, o jeito é ser"

"Quanto a mim, autor de uma vida, me dou mal com a repetição: a rotina me afasta de minhas possíveis novidades"

"O cotidiano me aniquila"

"Macabéia nunca tinha tido coragem de ter esperança."

Um tal Lucas - Júlio Cortázar

Esse é o meu primeiro contado com Cortázar e não teve como escapar não me apaixonar. O realismo fantástico do argentino nos leva a realmente transcender o cotidiano comum, somos apresentados a histórias repletas de absurdo, mas descritas como se fossem corriqueiras, e quando chegamos ao final dos contos já nos vemos dentro de toda aquela névoa surreal acreditando ser a realidade mais plausível de se acontecer. O talento de Cortázar vai em mostrar metaforicamente que esse casos abusurdos estão mais próximos da nossa vida do que pensamos. 

Com muita irônica e bom humor os contos cortazarianos são levados por vezes como se fossem matérias jornalísticas, outras como artigos científicos justamente para causa o tom sarcástico falando com seriedade formal que a sociedade usa para disfarçar uma comicidade trágica.

Amor 77


E depois de fazer tudo o que fizeram, levantam-se, tomam banho, cobrem-se de talco, perfumam-se, penteiam-se, vestem-se, e assim progressivamente vão voltando a ser o que não são.

...

Lucas e suas comunicações

Não se trata de escrever para os outros e sim para si mesmo, mas a gente mesmo tem que ser também dos outros; [...]

...

Lucas e seus solilóquios

[...] mas você, você não me dá mais que este vazio de ficar em casa, de saber que tudo se ressuma hostilidade [...]





Aqui um vídeo do próprio Cortázar lendo um trecho do livro







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