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16.3.21

Lavorare Stanca

Cansada. Essa foi a palavra/sentimento que mais ouvi e disse nesse Março.

Coincidência ser o mês da mulher? Ou fazer um ano de pandemia? Acho que não.

E sabe o que tenho pensado, que talvez eu não pare mais de estar cansada. 

Uma vez de olhos abertos, cansa

cansa ver o mundo com as mesmas rachaduras

cansa trabalhar e sentir que não chegamos longe

cansa não saber o que é o longe, porque estamos nos comparando com o longe dos outros. 

cansa se comparar

cansa rolar o feed por 3 horas durante o dia vendo a vida alheia, se sentimento mal, não mudando nada, ficar cansado ao mesmo tempo com a sensação de não ter feito nada de útil.

cansa falar da internet, ah que grande chatice

cansa querer ser útil

cansa nunca se achar útil

cansa falar de mim

cansa olhar pro meu umbigo

e não saber escrever sobre a humanidade, a pandemia e seus impactos

cansa usar de autoironia quando não se tem nada melhor para escrever, como agora.

cansa ser mulher

cansa

não querer ser mulher, porque não se imagina um mundo em que mulheres não morram a cada minuto só por serem mulheres. 

cansa sonhar

ah, cansa muito sonhar

porque queria sonhar cegamente sem nunca me abalar com as adversidades

mas não, eu sonho um sonho pessimista, e não desisto, porque sonho e tenho esperança, 

mas cansa que essa esperança implore minha atenção mais que minhas dúvidas

e cansa não terminar nunca esse texto 

porque os que estão nas ruas, que trabalham em outras coisas, que têm fome, os que não sei que sonhos têm 

também estão cansados 

e eu poderia escrever o que vejo neles, mas não sou capaz de verdade

e queria lhes entregar uma folha e dizer escrevam seus cansaços

mas me parece estúpido

mesmo que escrever, ainda que cansada

seja tudo que consigo fazer agora. 

10.3.21

Todos os nós, Maria Luiza Maia



Todos os nós é o segundo livro da escritora baiana Maria Luiza Maia. O título, de início, me chamou atenção pela abertura de dualidade em que remete a nós (angústias) internos, as "falas entupidas" como diz Ana Crisitina Cesar, ou "nós" como uma multidão contida em si. E sem chegar a nenhuma conclusão, sinto ambos.

Li a poesia de Maria Luiza como uma conversa infinita no espelho, como se eu ficasse tentando entender o que é meu corpo no mundo.

Aliás, essa investigação do corpo é um tema transversal durante o passeio nessa leitura.

Ao longo do livro há uma sequência de poemas intitulados "Para Clara", que não são seguidos um do outro, em que Maria constrói a imagem marcante de um corpo que tenta se costurar.


Achei essa sequência o ponto alto do livro, principalmente por serem saltados, e me deu a sensação de atravessar vários sentimentos, mas sempre voltar para me perguntar como me costurar quando rasgada. Ao que Maria avisa: "não espere que alguém os emende".

Os poemas, assim, vasculham a estrutura desse corpo rompido, espatifado e também dialogam com o próprio fazer poético com ironia como quando conclui que "os poetas são mentirosos" e rebate possíveis críticas sobre escrever um poema que não tem rimas e palavras difíceis.

Todos nós é uma leitura que me faz enfrentar meus buracos, minha solidão, com poemas que ficam no ar durante um tempo "para que a pele se acostume com os pontos".

18.2.21

Um útero é do tamanho de um punho - Angélica Freitas



Esse é o segundo livro da gaúcha Angélica Freitas, publicado em 2012 e considerado um clássico da poesia contemporânea. 

Eu conhecia o livro há um tempo, e tinha lido alguns poemas soltos, mas faltava tomar a decisão de comprar o livro e ler do começo ao fim. Sem um motivo muito específico, a não ser um amigo que perguntou se eu conhecia e eu respondi a famosa frase "conheço, mas não li", resolvi comprar no final do ano passado. 

A poesia, para Angélia é uma investigação, os poemas não causa o sentimento que geralmente se procura quando lê-se poesia: identificação, emoção profunda. 

A conexão gerada entre o leitor e a poesia de Freitas é da ordem do humor, mesmo vinda a partir da opressão. Alguns poemas terminam com uma picada de agulha, mas nenhum deles é uma punhalada e isso não significa ser um livro menor. 

"Um útero" vai investigar várias questões da condição da mulher na sociedade, com muito sarcásmo e sagacidade.

Os versos seguem uma estrutura que busca enfileirar os padrões sufocantes do universo feminino. 

Essa repetição tanto marca a sonoridade como dá uma sensação também de cansaço no eu-lírico-mulher. Os poemas surgem em séries, como bonecas-russas, um a partir do outro. 

A poeta, assim, revela com ironia os modelos rídiculos os quais mulheres são ensinadas a existir para sermos "boas", "limpas", "sóbrias". 

No entanto, o livro não traz um tom taciturno de denúncia, e sim humorístico. Cansada de berrar e chorar, uma mulher gargalha, debocha, faz poesia e incomoda. 

Os poemas podem "enganar" e "brincar" com o leitor pela aparência de simplicidade, mas inclusive em entrevista, Angélica fala da importância da prática, do erro, do estudo, da leitura e do treino na escrita. Até para dar esse aspecto de ser à toa é preciso bastante lapidação.

Um útero pode ser do tamanho de um punho, ou de um poema, e um poema pode ser do tamanho da nossa imaginação. 

Um útero é do tamanho de um punho sugere no título encontrar esse lugar de força, de luta do punho cerrado como um símbolo masculino, para se transformar nesse órgão que sangra rindo e esmurrando o mundo ao mesmo tempo. 



12.2.21

Resenhas do meu livro, "Meus Fantasmas Dançam no Silêncio", pelo mundo:

Olá, o blog está há um tempo meio abandonado, mas vim deixar o registro de algumas pessoas queridas que escreveram ou falaram sobre meu livro pelas redes sociais. É emocionante falar do meu livro aqui pois foi nesse blog que tudo começou, a Nádia que escrevia aqui há 10 anos jamais imaginaria que toda essa sede de escrita um dia ia se transformar em um livro mesmo. Mas sobre isso, vou falar em outro momento, deixo por hora as palavras dos leitores:


O blog Leituras.org fez um episódio no podcast deles sobre o livro e eu me senti muito chic haha


A Aline Aimée, poeta e booktuber que admiro muito fez uma resenha no canal dela, eu não tenho nem roupa pra isso, gente!! A Aline é uma grande inspiração pra mim!

Assista aqui


O perfil Síntese Nerd também fez um comentário no Instagram e você pode ler aqui 



O perfil @serlivro.serlivre fez uma lista de 3 autoras nordestinas, me indicou junto com duas autoras que admiro muito! Veja a lista aqui 


A Nayara do perfil @literapolitana fez uma resenha sobre a experiência dela como uma leitora que não é muito próxima da poesia, e eu adorei. Leia aqui 


"Eu não costumo ler poesia. Eu sei quase nada de poesia. Em geral não é algo que me emociona, que me toca, que me faz querer ficar. É como ópera."


A Sofia Osório fez uma resenha no blog Mural da Ana Paula. Para ler é sí clicar aqui 

"Ela escreve não só com as mãos, mas com o corpo inteiro. Entrega-se, joga-se, despe-se."

Além disso, há algumas avaliações na Amazon, que por onde você pode adquirir meu livro. 









 

31.1.21

Home Body (Meu corpo, minha casa) - Rupi Kaur

Rupi é uma escritora muito importante para o movimento mais recente de poesia de cunho feminista, por ter viralizado e chegado em muitras pessoas que inclusive não gostavam de poesia e mulheres que não se viam como feministas.

São poemas que falam de um lugar de dor, geralmente tratando de relacionamentos abusivos, abusos sexuais, sentimentos de baixa auto estima, mas ao mesmo tempo procuram construir uma rede de empatia e apoio para que mulheres consigam se inspirar e encontrar força em momentos de vulnerabilidade.

Outra caraterística da autora que têm muita influência em várias poetas contemporâneas é a construção do último verso do poema escrito em itálico e com um travessão. 

Na primeira parte do livro, chamado Mente, Rupi expressa com crueza os sentimentos de experiências traumáticas de abuso infantil e como isso leva à depressão, ansiedade e a sensação de deconexão com seu corpo. 

Por ter virado um fênomeno literário e ter inspirado muitas pessoas a escrevem sobre essas temas e até com o mesmo estilo, eu confesso que achei previsível toda a temática de Meu Corpo Minha Casa assim como a estética da autora. 


Por exemplo, o poema:



Você põe tudo a perder

quando não ama primeiro você

- e ganha tudo quando se ama



Me dá a sensação de já ter visto essa mesma frase muitas vezes. 

Não desvalorizo a pertinência de ainda trazermos esses temas para a poesia, acredito que sim é muito significativo encontrar uma voz que expresse dores que muitas vezes não temos coragem de falar. Mas por vezes eu achava desinteressante a maneira como isso era exposto, no entanto entendo a importância de também trazer uma escrita mais "direta" principalmente por Rupi ter aproximado tantas pessoas da poesia.

3.11.20

Desafio #umafagulhapordia: dia 4 - um poema com nome de uma cor: é branco

 

um poema com nome de uma cor: é branco

 

na hora de descrever o suspeito

talvez importasse dizer a cor

da camisa, do cabelo , dos olhos

algumas vezes importa mais a cor do vestido dela

determina se menos ou mais culpada por ter sido vítima

e sem contar a bebida

qual bebida?

a que apagou ela

deve ser branca

branca? a bebida era branca?

não, a cor de quem faz justiça no Brasil

de quem absolve

de quem defende

de quem estupra e  sai inocente

é branca

tão branca que apaga toda a culpa dele

2.11.20

Desafio #umafagulha por dia - dia 1 - um poema com nome de cidade: Fortaleza

Fortaleza

 

pensei ter sido muito louco

transar em cima da pia do banheiro

ou na janela de um hotel

ou a masturbação às escondidas no carro

entre outras cenas protagonizadas

por mim e minha falta de autoestima

dignas de folhetins eróticos de banca de revista

 

cenas seguidas, é claro

de toda a humilhação possível

para uma garota que aprendeu desde cedo a confundir

aceitação alheia com automutilação

 

pensei ter feito loucuras em muitas cidades

mas a maior delas foi ficar aqui

explodindo fronteiras inexploradas dentro de mim.


//


Em Novembro, estou participando do desafio Uma Fagulha por dia, proposto pela Claudine do perfil https://www.instagram.com/claudinemesmo/ que consiste em fazer um poema por dia com temas que ela sugeriu no perfil dela. Não garanto que todo dia irei consegui, mas vai valer a tentativa.


1.11.20

Faxina

é silêncio no domingo à noite

juntamos os restos que não jantamos

do que não nos coube no estômago

para guardar na geladeira e almoçar no dia seguinte

juntamos todas as incompletudes semanais

no cansaço que pousa em cada vértebra

de minha coluna torta.

é domingo à noite e faz silêncio

prefiro deixar a casa limpa agora

imagino que acordarei amanhã

como se a casa fosse

um palco

pronto para que eu dance novamente os mesmos passos

ou invente novas coreografias domésticas

ir à cozinha às 7:00 e passar o café

me alongar na sala

depois me encaminhar para a mesa no escritório,

ou talvez antes arrumar a cama.

ou quem sabe hoje mudar aquele móvel de lugar.

é domingo à noite e faz silêncio

a palavra mais simples foi dita

na quietude do inesperado: desculpa

- desculpa também.

prefiro deixar a casa limpa

agora que chorei mágoas secretas enterradas

no quartinho dos fundos do apartamento,

aquele em que guardamos coisas que não vamos usar

desnecessárias, gigantes demais para ficarem à vista

mas apenas

continuam lá.


16.6.19

Os Trabalhos e as noites - Alejandra Pizarnik




Em "Os trabalhos e as noites" a poesia de Pizarnik se faz portal para um mundo de amantes soturnos que se olham e se fundem exasperados. Na foto da quarta capa, Pizarnik nos olha com intensidade, assim como o poema é convite para abrir passagens entre a carne. O corpo é uma imagem presente em todo o livro, seja o corpo inteiro, ou em partes. A poeta trancafiada dentro de si, só entrega-se para que o leitor se revele também ou se perca. O corpo é espaço para revelações, lugar da ferida, mudo, fogo incessante, barco náufrago. Apesar da noite silenciosa, a poeta clama ao interlocutor que fale. A voz, longe ou perto, é elemento constante - "tua voz/neste não poder arrancar as coisas". É através do verso que ela procura romper com a solidão que "agora não está a sós". A poesia "fala como a noite/anuncias como sede". Esta noite, pode durar muito tempo, pois "a noite é presença", e é por vezes cortada pela luz;  para atravessá-la, só é possível se a ela nos fazemos de oferenda.

Baixei o livro aqui

//
revelações

Na noite a teu lado
as palavras são senhas, são chaves.
O desejo de morrer é rei.
Que o teu corpo seja sempre
um amado espaço de revelações.
//
encontro

Alguém entra no silêncio e abandona-me.
Agora a solidão já não está só.
Tu falas como a noite.
Anuncias-te como a sede.

//

os trabalhos e as noites

para reconhecer na sede o meu emblema
para concretizar o meu único sonho
para nunca mais voltar a sustentar-me no amor
fui toda oferenda
um puro errar
de loba no bosque
na noite dos corpos
para dizer a palavra inocente

10.8.14

Elm - Sylvia Plath



Tradução de: Marina Della Valle, do artigo Sylvia Plath: quatro “poemas-porrada”

OLMO
Para Ruth Fainlight
Conheço o fundo, diz ela. Conheço-o com minha raiz mestra:
É o que temes.
Não o temo: eu estive lá.

É o mar que ouves em mim,
Suas insatisfações?
Ou a voz do nada, era essa tua loucura?

O amor é uma sombra.
Como mentes e choras em seu encalço
Escuta: são seus cascos: disparou, como cavalo.

Toda a noite devo assim galopar
Até fazer de tua cabeça rocha, de teu travesseiro gramado,
Ecoando, ecoando.

Ou devo te trazer o som dos venenos?
Agora é chuva, este grande silêncio
E seu fruto: branco-metálico, como arsênico.

Sofri a atrocidade dos poentes.
Escorchada até a raiz.
Meus fios rubros queimam e eriçam, mão de arame.

Agora me desfaço em pedaços que voam como tacos.
Vento assim violento
Não tolerará nada ao redor: preciso gritar.

A lua, também, é impiedosa: ela me arrastaria
Cruelmente, já que é estéril.
Sua radiância me corrói. Ou quem sabe a peguei.

Deixo que se vá. Deixo que se vá.
Diminuída e chata, como após cirurgia radical.
Como seus pesadelos me possuem e me dotam.

Sou habitada por um grito.
Quando é noite ele se agita
Procurando, com suas garras, por algo para amar.

Tenho pavor dessa coisa escura
Que dorme em mim;
Todo o dia sinto seu retorcer emplumado, sua índole ruim.

Nuvens passam e se dispersam.
São essas as faces do amor, pálidas irremediáveis?
É por tanto que agito meu coração?

Sou incapaz de saber mais.
O que é isto, esta face
Tão criminosa em seu sufocar de galhos? –

Teus ácidos ofídicos silvam.
Petrificam a vontade. São essas falhas lentas, isoladas
Que matam, matam, matam.

29.6.14

Lady Lazarus

These are my hands
My knees
I may be skin and bone,
(sylvia plath)




The nose, the eye pits, the full set of teeth?
The sour breath
Will vanish in a day.


O poema inteiro traduzido (retirado do site)

Eu o fiz de novo
Um ano em cada dez
Eu agüento

Um tipo de milagre ambulante, minha pele
Brilhante tal qual um abajur nazista
Meu pé direito

Um peso de papel,
Minha face, como um pano inexpressivo, delicado
Em linho judeu.

Tire o lenço
Ó, meu inimigo
Eu te assusto?

O nariz, o orifício ocular, a dentição plena?
O hálito azedo
Se esvairá em um dia.

Logo, logo a carne
Que a gruta do túmulo comeu se sentirá
Em casa sobre mim

E eu, uma mulher sorridente.
Eu, com apenas trinta anos.
E como o gato tenho nove vezes para morrer

Esta é o número três.
Que lixo
Aniquilar a cada década.

Que milhões de filamentos.
A multidão vulgar
Se acotovela para ver

Eles me desembrulharem mão e pé.
O grande strip tease.
Senhores, senhoras

Eis as minhas mãos
Eis os meus joelhos.
Posso ser pele e osso

Contudo, sou a mesma, idêntica mulher.
Na primeira vez que aconteceu eu tinha dez anos.
Foi um acidente.

Na segunda vez eu pretendi
Agüentar e nem sequer voltar.
Eu fechei em pedra

Como uma concha do mar.
Eles tiveram que chamar e chamar
E arrancar de mim os vermes, pérolas grudentas.

Morrer
É uma arte como todo o resto.
Eu o faço excepcionalmente bem.

Eu o faço para saber o inferno.
Eu o faço para saber a real.
Eu suponho que se possa dizer que eu tenho um chamado.

É fácil fazê-lo em uma cela.
É fácil fazê-lo e permanecer estático.
É o teátrico

Retorno, em plena luz do dia
Ao mesmo lugar, ao mesmo rosto, aos mesmos brutos
Entretidos gritando

“um milagre!”
Isso me estarrece.
Há um custo

Para ver as minhas cicatrizes, há um custo
Para sentir o meu coração
Ele realmente pulsa.

E há um custo, um grande custo
Por uma palavra, ou um toque
Ou um pouco de sangue

Ou um pedaço do meu cabelo ou um pedaço da minha roupa.
Então, então, Herr Doktor.
Então, Herr Inimigo.

Eu sou sua composição
Eu sou seu pertence
O bebê de ouro puro

Que derrete a um grito estridente.
Eu me viro e ardo.
Não pense que eu subestimo sua grande preocupação.

Cinzas, cinzas
Você cutuca e revolve.
Carne, osso, não há nada lá.

Um sabonete,
Uma aliança,
Um dente de ouro.

Herr Deus, Herr Lúcifer
Cuidado
Cuidado.

De dentro das cinzas
Eu desponto, meu cabelo em fogo
E devoro homens como ar.


29.5.14

????

tudo sai uma merda, uma porcaria sem jeito, passo meses sem escrever nada, fingindo, 
tentando não pensar nisso porque se eu pensar eu morro, 
enlouqueço, vou querer me matar. 
Me falta crescer, amadurecer, encontrar essa veia artista e 
injetar de uma vez tudo isso que me consome e que eu não sei nem o que é, 
ou falar sobre. Eu só sei que eu não quero só isso, 
eu quero mais, mas tão mais que chego a pensar que devo ser muito megalomânica 
essa insatisfação não passa. 
Eu ainda não sou tudo que quero ser 
e estou tão longe de me encontrar.

E me desculpe, mas eu não posso, 
eu simplesmente NÃO POSSO ignorar essa inquietação que me vem todos os dias, 
eu até tento e às vezes o dia passa leve. 
Mas não é isso que quero
eu quero o solavanco da cidade e não a calmaria do campo, 
eu quero algo que me puxe e me impulsione 
e eu quero todos os figos da figueira também. 
Quero comprar sozinha minhas flores, 
quero saltar janelas interiores sem medos, 
quero mandar todo mundo se foder porque eu não preciso deles.
eu quero me expressar, falar e falar 72 horas sem parar 
quero ter 23 anos e escrever o poema da minha vida e uivar e cair na estrada de mim.
eu não sei o que é tudo isso e até cliché
sou só pontos e mais pontos de interrogação 
e contradições que gritam. 
e ao mesmo tempo eu canso de estar tão perdida, 
e eu não sei se é só isso mesmo e não há mais nada a fazer. 
Eu quero criar, eu tenho essa fome e esse egocentrismo absurdo 
(eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu, eu) 
e praticamente todo mundo que conheço me parece idiota, 
quando eu sou a mais idiota de todas as pessoas que conheço 
e eu nunca NUNCA vou conseguir ter confiança 
e me livrar de todas essas coisas que não são nem a metade do que sou.
eu enlouqueço com a incerteza de não saber o que vai ser de mim
o que é ser artista afinal? 

24.4.14

Nus Perder

Nós não damos certo
mas 
o amor 
insiste
existe
no medo dos segundos que passam
(outros virão?)
descubro
a beleza dos
convintes inesperados aos banheiros
nus
medo do
efêmero
ficamos - 
nós do jeito errado, damos certo.






10.11.11

Jorge Luis Borges - Elogio da Sombra

Maio 20, 1928


Agora é ivunerável como os deuses.
Nada na terra pode ferí-lo, nem o desamor de uma mulher,
nem a tísica, nem as ansiedades do verso, nem
essa coisa branca, a lua, que já não tem de fixar em
palavras.
Caminha lentamente sob tílicas; olha as balaustradas e as 
portas, não para lembrá-las. 
Já sabe quantas noites e quantas manhã lhe faltam.
Sua vontade lhe impôs uma disciplina precisa. Executará
determinados atos, atravessará previstas esquinas,
tocará em uma árvore ou em uma grade, para que o
futuro seja tão irrevogável como o passado.
Age dessa maneira para que o fato que deseja e que teme
outra coisa não seja que o termo final de uma série.
Caminha pela rua 49; pensa que nunca atravessará este ou
aquele pátio lateral.
Sem que suspeitassem, já se despedira de muitos amigos.
Pensa no que nunca saberá, se o dia seguinte será um dia 
de chuva.
Passa por um conhecido e lhe faz uma brincadeira. Sabe que
esse episódio será, durante um certo tempo, mera 
lembrança.
Agora é ivunerável como os mortos.
Na hora fixada, subirá por alguns degraus de mármore (Isto
perdurará na memória de outros.)
Descerá ao lavatório; no piso axedrezado a água apagará 
rapidamente o sangue. O espelho o aguarda.
Ajeitará o cabelo, ajustará o nó da gravata (sempre foi um 
pouco dândi, como condiz a um jovem poeta) e procurará
imaginar que o outro, o do cristal, executa os
atos que ele, seu duplo, repete-os. A mão não lhe 
tremerá quando ocorrer o último gesto. Docilmente, 
magicamente, já terá enconstado a arma contra a têmpora.
Assim, creio, aconteceram as coisas.


[Jorge Luis Borges in Elogio da sombra]


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