Mostrando postagens com marcador leituras 2016. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador leituras 2016. Mostrar todas as postagens

30.12.16

Resumão de Leituras 2016



Esse foi o ano que mais li em termos de quantidade e o que mais li mulheres também. Foram 58 leituras, mas minha meta era 60, faltou pouco. Ainda houveram poucos livros teóricos, que eu preciso demais!!

Os melhores: 
  1. Vermelho Amargo - Bartolomeu Campos de Queirós (Trechos)
  2. O Sol e o Peixe - Virginia Woolf 
  3. Poemas - Wislawa Szymborska (trechos aqui e aqui)
  4. É Claro que Você Sabe do Que Estou Falando - Miranda July  (resenha)
  5. Persépolis - Marjane Satrapi 
  6. Jóquei - Matilde Campilho 
  7. Cartas para a Minha Mãe, Teresa Cárdenas (impressão)
  8. Azul É a Cor Mais Quente, Julie Maroh (impressão)
A melhor descoberta:
Poemas - Wislawa Szymborska 


A maior decepção:

A Garota da Banda, Kim Gordon (resenha)

O pior livro: 

Os Subterrâneos, Jack Kerouac (observação pessoal)

O que eu mais recomendaria:
É Claro que Você Sabe do Que Estou Falando - Miranda July 

Por que: 


Primeiro, por Miranda ainda ser um autoria pouco falada e que merece maior destaque. As histórias dela são criativas, poéticas, engraçadas e tristes ao mesmo tempo. São contos sobre gente esquisitamente comum, que pouco figuram o mundo literário, não são heróis nem heroínas, não são dotados de grande inteligência ou grande beleza, são pessoas que passam por nós todos os dias, ou nós mesmo até.



Todos os livros:

Poesia:

  • Casa devastada, Thiago Mattos 
  • As iluminações ou o aturdimento da poesia, Uirá dos Reis 
  • Inéditos e Dispersos, Ana Cristina Cesar  (releitura) 
  • Noor em nós, Bartira Dias de Albuquerque 
  • Compêndio Para o Uso dos Pássaros, Manoel de Barros 
  • Do Desejo, Hilda Hilst 
  • Poemas [1968 - 2000], Francisco Alvim 
  • Jóquei, Matilde Campilho 
  • Ode Sobre a Melancolia e Outros Poemas, John Keats 
  • Primeira Poesia, Jorge Luis Borges
  • Bufólicas, Hilda Hilst
  • Baladas, Hilda Hilst (trechos/leitura)
  • Poemas, Wislawa Szymborska 
  • O Iceberg Imaginário e Outros Poemas, Elizabeth Bishop (impressões/trechos)

Contos:


  • Laços de Família, Clarice Lispector  (impressões/trechos)
  • Antologia de contos LiteraturaBr 
  • Alguém que anda por aí, Julio Cortázar  (crônica que fiz sobre)
  • É Claro que Você Sabe do Que Estou Falando, Miranda July 
  • A Casa de Carlyle e Outros Esboços, Virginia Woolf
  • Branca - Flor e Outros Contos, Ana de Castro Osório 





Teatro:

  • Casa de Bonecas, Henrik Ibsen 

  • Amores Surdos, Grace Passô 

  • A lista, Jennifer Tremblay




Romance/Novelas:


  • A Vida Privada das Árvores, Alejandro Zambra 
  • Vermelho Amargo, Bartolomeu Campos de Queirós 
  • A Cabeça do Santo, Socorro Acioli 
  • Um Beijo de Colombina, Adriana Lisboa 
  • A Casa, Natércia Campos
  • Azul Corvo, Adriana Lisboa 
  • Quarenta dias, Maria Valéria Rezende 
  • Cartas para a Minha Mãe, Teresa Cárdenas
  • As Lendas de Dandara, Jarid Arraes
  • Os Subterrâneos, Jack Kerouac 
  • Preciosa, Sapphire 
  • Quarto, Emma Donoghue 
  • A Mulher Desiludida, Simone de Beauvoir (não-resenha aqui)


Não-ficção
  • As pequenas virtudes, Natalia Ginzburg 
  • Vozes Literárias de Escritoras Negras, Ana Rita Santiago 
  • Esculpir o tempo, Andrei Tarkovski 
  • Indústria cultural e Sociedade, Theodor Adorno
  • Sejamos Todos Feministas, Chimamanda Ngozi Adichie 
  • O Sol e o Peixe - Prosas Poéticas, Virginia Woolf 
  • Pagu - A luta de cada um, Lia Zatz 
  • Profissões Para Mulheres e Outros Artigos Feministas, Virginia Woolf 
  • Zé Celso Martinez Corrêa Primeiro Ato: cadernos, depoimentos, entrevistas (1958-1974) , Ana Helena Camargo de Staal (trechos)
  • Hélio Oiticica Qual é o parangolé?, Waly Salomão
  • O Discurso “Faça Boa Arte”, Neil Gaiman, Chip Kidd 
  • O Teatro e Seu Duplo, Antonin Artaud 


HQ/Desenho
  • Desenhos, Sylvia Plath 
  • Persépolis - Marjane Satrapi 
  • O Retrato de Dorian Gray, Oscar Wilde, Stanislas Gros 
  • Leonilson Use, é lindo, eu garanto, Leonilson 

Infantil:
  • Andira, Rachel de Queiroz 
  • A África meu pequeno Chaka... Marie Sellier, Marion Lesage 

O desafio Lendo Mais Mulheres 2016

01 - um livro de poesia: O Iceberg Imginario e outros poemas - Elizabeth Bishop
02 - um livro de literatura infantil: A África meu pequeno Chaka - Marie Sellier
03 - um livro não-ficção (biografia, ensaio ou reportagem): Profissões de Mulheres e outro artigos feministas - virginia woolf
04 - um livro ganhador do Jabuti: 2014 - Quarenta Dias - Maria Valéria Rezende
05 - um livro ganhador do Nobel: Wisława Szymborska - Poemas (pdf)
06 - uma HQ: Azul é a cor mais quente, de Julie Maroh (pdf)
07 - um livro de autora independente: As Lendas de Dandara, Jarid Arraes (pdf)
08 - um livro de autoria A. L. M. E. (latinas, asiáticas e minorias étnicas): Persepólis - Marjane Satrapi
09 - uma autora negra: Vozes Literárias de Escritoras Negras, Ana Rita Santiago 
10 - uma autora contemporânea: é claro que você sabe do que estou falando - miranda july
11 - uma autora conterrânea: Andira - Raquel de Queiroz
12 - uma autora estreante: A garota da banda, Kim Gordon

26.12.16

A Garota da Banda, um livro não tão feminista assim




Na orelha detrás do livro "A Garota da Banda", o jornalista Alexandre Matias afirma que o livro "é um libelo feminista em forma de relato, que mostra que, mesmo que tenhamos evoluído nesses termos, ainda há muito caminho ela frente. E Kim Gordon sabe o quanto isso é recompensador." Será que sabe, Kim?

O intuito aqui não é atacar nem defender Kim Gordon, ela não está num julgamento, mas sim pontuar alguns incômodos pessoais que tive durante a leitura com algumas declarações da artista e observar uma certa contradição por o livro estar sendo vendido como um "libelo feminista", enquanto Kim escorrega em várias partes com relação a isso.

Antes de realmente chegar ao que quero falar, quero deixar claro que óbvio que todos estamos sujeitos a falhas, errar é humano e tudo mais, nem por isso devemos deixar de nos analisar, principalmente quando se trata de discursos feministas (entre outras lutas) a questão é mais delicada.

Sabemos (ou acho que sabemos) que a luta feminista vai contra uma construção da ideologia machista que perdura por séculos e séculos. São frases, piadas e pensamentos que crescemos, homens e mulheres acostumados a ouvir e achar normal, a pensar ser "assim mesmo" e a reproduzir constantemente. Kim não ficou imune a isso.

Na sua auto-biografia, Kim fala que cresceu na sombra do irmão e como mulher sempre se viu muito submissa à figura masculina. Mesmo sendo líder de uma banda de rock e tendo que enfrentar todo o machismo silencioso - e sobre isso ela fala muito bem - do meio, em suas lembranças notamos que essa convivência com o irmão e o fato de ter crescido sob constante constrangimento dessa figura masculina - sem maior apoio feminino - parece ter ajudado a Kim se tornar tão antipática a algumas figuras femininas que ela relata ao longo do livro

Kim fala muito abertamente o quanto detesta Courtney Love, viúva de Kurt, acusada por uma legião de fãs de ter "matado" o ídolo grunge dos anos 90. Na visão de Kim, Courtney entrou na vida do Kurt para acabar com ele, etc etc, em outros momentos ela sempre está relatando com maus olhos o fato de Courtney ter corrido atrás de alavancar sua carreira, para Kim, o fato de Love ser uma mulher atraente e de iniciativa, aquelas que chegam e todos olham, sabe? não parece uma combinação interessante e ela leva isso tudo de forma negativa.

Interpretei ao longo do livro que as mulheres "legais" para Kim, são as submissas, as que sofrem, as coitadas e que passam mais despercebidas. As que tentam se impor não parecem tão legais.

Quem se interessa por Courtney, como eu, sabe que ela é conhecida por ser uma figura polêmica, dizer o que quer, fazer barraco além de não ter a menor vergonha de mostrar sua sensualidade juntamente com o ar rockstar. Kim fala disso como se fosse uma forma de Courtney querer sempre se aproveitar das pessoas e em nenhum momento parece considerar que Kurt já tinha uma personalidade depressiva antes de Courtney. Ela reproduz a ideia de uma mulher ter que salvar um homem, ou a mulher que destruiu a vida do homem pobre coitado, sem considerar também qual a condição mental dos dois antes disso ou se Kurt também não destruiu Courtney igualmente... ela parece estar sempre sendo compreensiva com os homens e somente com eles.

Sobre seu próprio relato do fim de seu casamento com Thurston Moore, também foi pra mim uma grande decepção. Thurston traiu Kim, ela rasga o véu do segredo quanto a isso e vai contando como se deteriorou o casamento que era exemplo de amor e companheirismo para os fãs da banda. Porém Kim fala de uma visãoo novamente compassiva com Thurston; ela se refere a amante como "a mulher" o tempo todo e simplesmente "faz a caveira" dela. Pra não virar muito comentarista de programa sobre vida de famoso, não quero me ater a falar o que é culpa de quem em traição. Mas esse detalhe me incomodou bastante, Kim chega a dizer que "a mulher" transformou Thurston em um mentiroso e mais a frente fala ter compaixão dele por ele ter pedido a família.



O feminismo está ai pra gente lutar contra esses pensamentos de senso comum que são passados de geração a geração, pra gente repensar esse lugar da mulher e esse lugar do homem, sempre protegido por essa sociedade machista de qualquer culpa que ele possa ter.

Essa não é a melhor resenha do livro que você possa esperar, nem eu queria falar do livro em si. Mas colocar esse incomodo às claras, porque tem muito marketing em cima de "livro feminista" que tá cheio desses detalhes passando despercebido.

Tento entender porque Kim escolheu essa visão pra colocar em seu livro (porque ela quis, óbvio). Meu incômodo é em resumo por essas passagens se tratarem da repetição de um padrão de pensamento que coloca a mulher vilã versus homem frágil e manipulado.

No entanto, vejo também que Kim decidiu por uma escrita brava, sem maquiagem, vindo de dentro e colocando toda sua fúria nas palavras, os sentimentos todos misturados, a angústia, a mágoa (como sua música, e a isso eu dou uma salva de palmas).



Vejo uma mulher tentando achar explicação, e talvez preferindo acreditar no que é mais fácil: na culpa de uma terceira pessoa, de fora, que ela não conhecia e então podia julgar a vontade. É muito mais difícil admitir que o homem que foi seu companheiro por décadas revelou falhas que você não imaginava. Isso eu falo também de mim, me vi em Kim Gordon, mas me vi querendo ser diferente. As histórias de traição masculina sempre beneficiaram os homens fazendo as mulheres se odiarem e competirem entre si.
É nesse ponto que devemos escolher o caminho mais difícil mesmo.

12.9.16

Vermelho Amargo - Trechos



Exige-se longo tempo e paciência para enterrar uma ausência. Aquele que se foi ocupa todos os vazios. Como água, também a ausência não permite o vácuo. Ela se instala mesmo entre as pausas das palavras.

Sempre via-me como uma promessa em vias de cumpri-se


O amor sobressaltava em mim. Prosperava sem medo e veio sair pelos olhos, nariz, ouvidos, jamais pelas palavras. Investi, sem medida, no verbo amar e me vi mudo. Pela boa o amor me devorava. não projetava outro céu. O amor apaziguava as minhas águas.

a lucidez da solidão enforcava-me, impedindo-me de gritar por ele.



Ao transbordar a vida se faz lágrima e rola salgando o passado morto, mudo, que dorme no canto na boca. Não condimento capaz de temperar o futuro. Só se salga a carne morta. O pranto acontecia pela intensidade dos porquês.


Chorava como se o mar morasse dentro dela. Como marinheiro me senti afogado sob tanto pranto.

Desanuviou em mim a ideia de que as coias existiam alheias a meu desejo. Viver exigia legendar o mundo. Cabia-me o trabalho exaustivo de atribuir sentidos a tudo. Dar sentido é tomar posse dos predicados.

Eu pedalava pelas ruas buscando encontrar-me em cada fim de estrada, no depois da última saudade. Mas também lá eu não estava. A velocidade fortificava a força do vento que varria meus pensamentos, provisoriamente.

13.7.16

Laços de Família - Clarice Lispector - Trechos

Clarice revela da alma humana os sentimentos mais cobertos de escombros. Clarice revela o ódio, a culpa, a piedade. Clarice derruba as aparências, quebra ovos, espalha em amarelo, vermelho e marrom tudo que prendemos nos punhos cerrados e sorrisos abertos. Foi muito importante ler esse livro com a minha nova tomada de consciência sobre a representatividade da mulher na literatura, os contos em sua maioria são protagonizados por personagens femininas e isso é de extrema importância. Clarice coloca as "donas de casa", senhoras do lar da classe média, sob um viés mais humano e complexo, as tira da casa de bonecas, assim como fez Ibsen, mas com maior intensidade, pois agora é a própria mulher que fala, que grita, que nos olha com a ferocidade de um búfalo, mostrando sua preciosidade.

.Trechos.
O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. (Amor)


Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.
[...]
O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta (Feliz Aniversário)

Judi Dench

Foi para o lavatório. Onde, diante do grande silêncio dos ladrilhos, gritou aguda, supersônica: Estou sozinha no mundo! Nunca ninguém vai me ajudar, nunca ninguém vai me amar! Estou sozinha no mundo!
[...]
Há uma obs­cura lei que faz com que se proteja o ovo até que nasça o pinto, pássaro de fogo. (Preciosidade)

Saute d’humeur | Laurence Demaison, 2004.
Mais tarde, porém, indagou-se se tinha ou não sido explorado. E sua angústia foi tão intensa que ele parou diante da vitrina com uma cara de horror. O coração batia como um punho. Além do rosto espantado, solto no vidro da vitrina, havia panelas e utensílios de cozinha que ele olhou com certa familiaridade. "Pelo visto, fui", concluiu [...] (Começos de uma Fortuna)


Details of Michelangelo’s masterpiece “David” 1501–1504


Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? [...] Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? o ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? Onde aprender a odiar para não morrer de amor? [...] não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida (O Búfalo)

Nastya Zhidkova



2.5.16

Lidos de Abril/Maio

Resolvi fazer uma postagem conjunta dos dois meses porque Abril foi MUITO fraco. Eu tinha decidido nesta postagem aqui organizar um esquema de leituras, que acho que não deu muito certo 

Em Abril:

1. um livro teórico: ---
2. um livro escrito por uma mulher que não seja pro desafio (pode ser dentro da categoria 4 ou 5): Branca - Flor e Outros Contos - Ana de Castro Osório
3. um livro escrito por uma mulher pro desafio lendo mais mulheres: -----
4. um da minha estante que não li: Comecei "Alguém que anda por ai", Cortázar.
5. um livro cearense (este poderá substituir a categoria 2): A Casa - Natércia Campos / Noor em nós - Bartira Dias de Albuquerque

Então, como se vê, eu não consigo cumprir metas.


INÉDITOS E DISPERSOS
Noor em nós - Bartira Dias de Albuquerque
Noor em nós - Bartira Dias de Albuquerque


MAIO


1. um livro teórico: O Teatro e seu Duplo - Antonin Artaud



2. um livro escrito por uma mulher que não seja pro desafioAmores Surdos - Grace Passô



3. um livro escrito por uma mulher pro desafio lendo mais mulheres: 

4. um da minha estante que não li: Terminei "Alguém que anda por ai", Cortázar.


outros: 

O retrato de Dorian Gray - versão HQ
Compêndio para o uso dos pássaros - Manoel de Barros / 
Do Desejo - Hilda Hilst
Pagu - Lia Zats
Do Desejo - Hilda Hilst





17.3.16

Sabe sim.

Nenhum comentário meu faria jus a real sensação de ler Miranda July, Encontrei uns traços "lispectorianos", como momentos de epifania a partir de acontecimentos corriqueiros, porém Clarice nunca foi tão estranhamente cômica e comicamente estranha. Miranda leva a estranheza que existe em cada personagem como um pelo encravado e fala tudo com absoluta tranquilidade. Miranda faz o esquisito comum. E na verdade não é? Mas o mundo tem medo de expôr suas esquisitices. Talvez seja isso, talvez precisamos voltar a conhecer nossas esquisitices, o que nos diferencia da massa geral, o que nos faz sermos nós mesmos, ou quando podemos ser nós mesmos. Miranda não esconde, não precisa, nem quer. As pessoas ao meu redor pareceram por um momento diferentes de como eu as via, depois de ler Miranda. Na verdade, eu não as via. Miranda as vê. Talvez fosse uma curiosidade um pouco invasiva, talvez ela esteja adentrando demais. Ou talvez exista alguém desesperado para que isso aconteça, para gritar com um berro agudo e ensurdecedor o que ela esconde há 46 anos. O que ela não vai ser capaz de revelar em 46 anos.

A cada conto fui me envolvendo mais e mais com aquele universo cheio de gente como eu. Cada personagem desdobra suas estranhezas, faz de colcha de cama e diz, vem deitar também. 

Você começa a se perguntar quais são as suas pequenas estranhezas escondidas. Começa até a querer escrevê-las também. Pensei: como seria a minha vida contada por Miranda July? Ela iria perceber coisas que os outros não percebem. Ela iria me ver por dentro de verdade. Ela iria me ver. Ela não acharia estranho o fato de eu ficar inventando cenas malucas na minha cabeça. Ou qualquer outra mania nojenta que eu venha a ter. 

É claro que você sabe do que estou falando. Você pensa que não, você pensa: que louca, eu nunca sonharia casar com o príncipe William ardentemente, ou decidiria ser figurante de cinema pra fugir do tédio do casamento, eu simplesmente resolveria a situação claramente. 
Mas você sabe sim do que estou falando. Você talvez não tenha feito, mas quantas vezes pensou em formas absurdas de contornar aquela situação horrível que você não queria que chegasse nunca mas já bate na sua porta com batidas ritmadas há duas semanas? 

Se não sabe, ou pensa que não, Leia Miranda. Se eu tivesse que escolher uma propaganda eu diria Leia Miranda, assim como Compre Batom. Leia Miranda, leia Miranda, leia Miranda.




Tínhamos amado pessoas que na verdade não deveríamos ter amado e então nos casado com outras pessoas para esquecer os amores impossíveis ou tínhamos uma vez gritado para dentro do caldeirão do mundo e então fugido antes que alguém pudesse responder. [...] É só uma cena de filme em que uma garota de alô para o caldeirão do mundo" 
(Conto: Era Romance) 

Só estou viva em um a cada quatro segundos, só registro quinze minutos a cada hora. Vejo que ela está de pé atrás de nós só de calcinha e ela não é muito limpa e eu morro. Vejo que Pip está tirando os sapatos e morro. Vejo que estou apertando um mamilo e morro. 
[...] 
Eu só estava mesmo de pé ali, com amor. 
[...] 
Bem, não é só seu apartamento, o prédio inteiro está infestado Então o senhor talvez devesse mandar cuidar do prédio inteiro Não adiantaria; elas viriam dos outros prédios É o quarteirão inteiro? É o mundo inteiro [...] Fiquei ali parada como se estivesse em cima de uma pedra num lago gelado. Nunca fui boa em pular, abandonar um elemento e abraçar outro. 
[...] 
Mas eu sabia que pular era como morrer. Eu tinha que desistir de tudo 
(Conto: algumas coisas que não precisa de coisa alguma)

15.2.16

Não-resenha da novela "A Mulher Desiludida", de Simone de Beauvoir

"Mas eu sei que me mexerei. A porta se abrirá lentamente e eu verei o que tem detrás. É o futuro. A porta do futuro vai se abrir. Lentamente. Implacavelmente. Estou no limiar. Só existe esta porta e o que espreita atrás dela. Tenho medo. E não posso chamar ninguém por socorro.
     Tenho medo."
noell oszvald
Uma mulher aceita que o marido tenha um caso com outra mulher na eterna esperança que ele um dia se canse e volte a amá-la como antes.
O que faz uma mulher estar em uma situação em que de fato não quer?
O que faz uma mulher amar?
O que faz uma mulher ceder até não haver mais fundo para ir mais baixo?
Oh, inferno, será mesmo a monogamia algo insustentável? "Não existe um casamento com tanto tempo sem traições", eles dizem. Por que o amor dele se desfez e o dela não? Por que ela ainda o quer? Por que ela não tenta construir uma vida para ela? Por que ela não vai embora? Por que ela ainda insiste? Por que ela se ilude? Ate quando ela vai aceitar? Como eu queria tirá-la dai. Como eu queria entrar nesse livro e tirá-la dai. Mas só quem pode sair é ela mesmo. Só quem pode sair sou eu mesma. 
Não é uma história para se ter pena, é uma história para exercitar empatia. Pena não é empatia
Eu quero você eu queria que você quisesse só a mim, mas dizem que esse é um sentimento ultrapassado para a nossa época
então eu aceito assim
por que eu aceito?
pra te ter um pouco perto de mim
mas vale a pena só esse pouco?
vale a pena tudo que sofro quando ele não está, tudo que sofro pensando onde ele está, pensando se ele não diz as mesmas coisas que diz pra mim para outras?
e não será ego meu querer que você queria só a mim? 
pode ser, mas será que entendo que é ego por você ou por mim?
sera que saberei não viver assim?
Por que por que it ain't easy to get to heaven when you're going down

10.2.16

Lendo Hilda Hilst + Trechos do livro "Baladas"

VI - Pressagio

XVI - Presságio 
Balada de Alzira

IX 

Colapso hibernal 
das cousas ausentes. 
Desfila diante de mim
o teu olhar parado. 
Na minha frente 
há figuras de mortos 
tecendo roupas brancas, 
e na tua vida 
há qualquer cousa de triste 
que não foi contado.
Coragem de viver os dias 
sem falar de loucos 
quando há qualquer louco 
no infinito, 
pedindo uma lembrança 
e contei os seus dias de vida 
nos meus sonhos.
Existe um deus qualquer 
nas minhas entranhas.
Pobre loucura 
atrofiando o amor da amada. 
Teu pobre olhar 
atrofiou minha vida inteira. 

H.H.
do livro Presságio 
In: Baladas




BALADAS DE ALZIRA (1951)
(I)
Eu cantarei os humildes 
os de língua travada 
e olhos cegos 
aqueles a quem o amor feriu 
sem derrubar. 


(III)
E nada restou 
das infinitas coisas pressentidas 
das promessas em chama. 
Nada

IV  
Ah! Se ao menos em ti 
eu não me dissolvesse. 
E se ao menos contigo 
ficar pouco de mim 
lembrança de algum dia 
ou meu nome guardar 
um momento de sol...  


Se ao menos existisse 
em nós a eternidade.   

VII  
Restou um nome de bruma 
no meu eterno cansaço.  
Restou um tédio cinza 
no meu todo silêncio. 


Tanta tristeza no meu sono imenso... 


(X)
Agora o amor é inútil 
e inútil o meu consolo. 
Estamos sós.  


Entre o teu amor 
e o meu afago, 
aquele triste mundo de certezas. 

(XII)
O teu gesto de alegria 
nunca será para mim.  

O teu conflito noturno 
este sim 
pousará na minha face.   

“ Thank You for Your Love ” by Christian Schloe



RJ - 2013 - cybershot