Nenhum comentário meu faria jus a real sensação de ler Miranda July, Encontrei uns traços "lispectorianos", como momentos de epifania a partir de acontecimentos corriqueiros, porém Clarice nunca foi tão estranhamente cômica e comicamente estranha. Miranda leva a estranheza que existe em cada personagem como um pelo encravado e fala tudo com absoluta tranquilidade. Miranda faz o esquisito comum. E na verdade não é? Mas o mundo tem medo de expôr suas esquisitices. Talvez seja isso, talvez precisamos voltar a conhecer nossas esquisitices, o que nos diferencia da massa geral, o que nos faz sermos nós mesmos, ou quando podemos ser nós mesmos. Miranda não esconde, não precisa, nem quer. As pessoas ao meu redor pareceram por um momento diferentes de como eu as via, depois de ler Miranda. Na verdade, eu não as via. Miranda as vê. Talvez fosse uma curiosidade um pouco invasiva, talvez ela esteja adentrando demais. Ou talvez exista alguém desesperado para que isso aconteça, para gritar com um berro agudo e ensurdecedor o que ela esconde há 46 anos. O que ela não vai ser capaz de revelar em 46 anos.
A cada conto fui me envolvendo mais e mais com aquele universo cheio de gente como eu. Cada personagem desdobra suas estranhezas, faz de colcha de cama e diz, vem deitar também.
Você começa a se perguntar quais são as suas pequenas estranhezas escondidas. Começa até a querer escrevê-las também. Pensei: como seria a minha vida contada por Miranda July? Ela iria perceber coisas que os outros não percebem. Ela iria me ver por dentro de verdade. Ela iria me ver. Ela não acharia estranho o fato de eu ficar inventando cenas malucas na minha cabeça. Ou qualquer outra mania nojenta que eu venha a ter.
É claro que você sabe do que estou falando. Você pensa que não, você pensa: que louca, eu nunca sonharia casar com o príncipe William ardentemente, ou decidiria ser figurante de cinema pra fugir do tédio do casamento, eu simplesmente resolveria a situação claramente.
Mas você sabe sim do que estou falando. Você talvez não tenha feito, mas quantas vezes pensou em formas absurdas de contornar aquela situação horrível que você não queria que chegasse nunca mas já bate na sua porta com batidas ritmadas há duas semanas?
Se não sabe, ou pensa que não, Leia Miranda. Se eu tivesse que escolher uma propaganda eu diria Leia Miranda, assim como Compre Batom. Leia Miranda, leia Miranda, leia Miranda.
Tínhamos amado pessoas que na verdade não deveríamos ter amado e então nos casado com outras pessoas para esquecer os amores impossíveis ou tínhamos uma vez gritado para dentro do caldeirão do mundo e então fugido antes que alguém pudesse responder. [...] É só uma cena de filme em que uma garota de alô para o caldeirão do mundo"
(Conto: Era Romance)
Só estou viva em um a cada quatro segundos, só registro quinze minutos a cada hora. Vejo que ela está de pé atrás de nós só de calcinha e ela não é muito limpa e eu morro. Vejo que Pip está tirando os sapatos e morro. Vejo que estou apertando um mamilo e morro.
[...]
Eu só estava mesmo de pé ali, com amor.
[...]
Bem, não é só seu apartamento, o prédio inteiro está infestado Então o senhor talvez devesse mandar cuidar do prédio inteiro Não adiantaria; elas viriam dos outros prédios É o quarteirão inteiro? É o mundo inteiro [...] Fiquei ali parada como se estivesse em cima de uma pedra num lago gelado. Nunca fui boa em pular, abandonar um elemento e abraçar outro.
[...]
Mas eu sabia que pular era como morrer. Eu tinha que desistir de tudo
(Conto: algumas coisas que não precisa de coisa alguma)
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