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24.11.20

A beleza de estar começando


“Todo começo não é nada mais que uma continuação, e o livro dos acontecimentos se encontra sempre aberto na metade”. (Wislawa Szymborska) Sei que dá um orgulho bom olhar para o passado e ver o longo caminho que percorremos até chegarmos onde estamos, e é um exercício sempre necessário quando às vezes bate aquela síndrome do impostora dizendo que você nunca é boa o bastante ou não merece algo que conquistou.


É claro que dá orgulho que você esteja há um tempo pesquisando, fazendo tal coisa. Mas também é igualmente empolgante estar começando.

Pensei naquele meme "não tenho paciência para quem tá começando", que é engraçado e tal, mas vendo por um lado crítico (desculpa a chatice), esse pensamento parece não abrir espaço para acolher e celebrar a beleza de estar começando.

Quando alguém diz "eu cheguei aqui antes de muita gente", com certa arrogância ou "quem é você na fila do pão" - no sentido do seu nome não ser conhecido para certas pessoas, também tenho um pouco de vontade de rir, porque, por mais que seja legal um dia ter começado algo que pouca gente fazia, é igualmente maravilhoso que ainda tenha gente querendo fazer algo que você faz há um tempo.

Que fascinante é ver alguém empolgado em realizar algo pela primeira vez, cheio de ideias, descobrindo coisas que você já descobriu, mas que tem todo o gosto da novidade para aquela pessoa.

Que delícia é ver alguém começando, como ver um bêbê tentando caminhar, caindo, levando, e engatinhando às vezes quando não consegue correr ainda.

Que alegria é quando esse bêbê consegue dizer a primeira palavra, e nós adultos que já sabemos tantas outras vibramos e choramos de emoção de ver aquele ser humano descobrindo como as palavras se formam na boca e saem para o mundo.

Por que então, na internet (eu ia chegar aqui, claro), não damos a mesma atenção com quem está começando? Não poderíamos ao mesmo tempo que admiramos o trabalho árduo de quem "capinou o mato", se inspirar em quem está colocando adubo novo para esse mato continuar crescendo?

Quando falamos de pessoas inspiradoras geralmente mencionamos alguém que tem uma longa tragetória em algo que gostamos.

Na internet, como todo o nosso valor é quantificado por números, esse caminho ou a "autoridade" - como eu tenho ouvido ultimamente que essa é a palavra para carimbar a qualificação de alguém - está atrelada uma certa quantia, que na verdade sempre pode ser maior e parece nunca ser o suficiente.

Assim, alimentamos uma estrutura que sempre faz a gente olhar só para "quem tá acima" como alguém a se aspirar/inspirar.

Há um tempo, eu abri uma série de enquetes e uma das perguntas era "se você olha o perfil de alguém com menos de 3mil seguidores, você acha que aquela pessoa não tem sucesso?" Algumas pessoas responderam que sim.

Na internet, alguém importante, "com certeza" vai ter muitos seguidores e um fã, vai ser alguém com menos seguidores. O que faz com que ídolos não se inspirem em fãs, ou que "autoridades" não aprendam e não se conectam com quem está comecando.

Se esse mundo todo é uma escada/pirâmide, já que falamos em termos de "subir/levantar" outras pessoas, eu quero admirar não só quem já subiu muitos degraus e ralou muito para estar onde está, mas também quem se inspira em em alguém, quem inicia seus primeiros passos, quem chegou hoje na fila do pão.

Quando a gente separa a internet entre quem é "notado" e quem não, a gente diz sutilmente que algumas pessoas são invisíveis, por mais que elas possam ter tanto a ensinar e inspirar do que os "notados".

Por mais que meus "números" estejam crescendo a cada dia, e que o tempo esteja passando e eu venha adquirindo experiência no que decidi fazer, ainda quero lutar contra a ideia de que a relevância do trabalho de alguém só vai estar associado a esses padrões de sucesso. Principalmente porque eu não quero passar a vida em busca desses números para poder me sentir relevante nem incentivando ninguém a isso.

Por isso, olhe para cima, baixo e todos os lados sempre, você não é menor ou menos importante porque está começando hoje. Celebre o frescor de ter decidido começar. E convenhamos, por mais mato que já tenham capinado para você plantar suas sementes, não é como se uma vez capinado, tudo estivesse pronto e definido - o mato cresce de novo e todos nós precisamos sempre nos renovar.

10.11.20

Reclamar ou não reclamar



A internet me irrita muito, bastante, muito mesmo. Observar certas coisas me irritam, me deixam mal. Mas como escolher as guerras que valem a pena se empenhar em lutar? Será que todas valem? Será que cada pequena irritação merece mesmo um textão? Quando muitas vezes aquilo não altera quase nada da minha vida? Estou chegando aos 30, e junto com isso vem a expectativa de maturidade, sapiência, e a abertura de uma caixa em que terei guardado ao longo de 3 décadas grandes lições de vida... bem, é o que dizem. Mas talvez nem isso eu tenha conseguido alcançar. Além de não ter também um mestrado, um emprego sólido e bem remunerado, nem a habilidade de falar 3 línguas, também talvez eu ainda não tenha chegado no ar de "eu já aprendi essa lição" que deveria vir no bolo quando eu soprar as 30 velinhas em Janeiro de 2021. Mas.... eu vou tentando. Eu estou mudando, eu, pelo menos, quero estar mudando, e talvez a Nádia que fui há 3 meses ou 10 anos, não tenha mais lugar nesse corpo e mente. Eu posso ter poder de decidir isso? Posso realmente ter poder de mudar minha maneira de ver o mundo e reagir diante certas situações? Quero acreditar que sim.

E com isso que quero tomar uma das maiores decisões da minha vida, maior do que a de fazer uma tatuagem do Pernalonga na panturrilha:

Eu quero reclamar menos. Veja bem que eu não disse que vou parar de reclamar pra sempre, porque isso seria muita pretensão. Vamos aos poucos, eu só quero no momento, aprender a reclamar um pouco menos. Acho que isso condiz com a maturidade e sabedoria que se espera de uma mulher de 30 anos. Essa hábito ranzinza e infrutífero de passar o dia reclamando muito no twitter e fazendo stories afetados com indiretas que ninguém se importa não vai combinar com os terninhos da moda que vou usar agora que farei 30, ou com toda a confiança que exibirei no meu semblante de uma mulher que finalmente entendeu que a vida é curta demais, que o tempo passa voando - ontem mesmo eu estava no ensino médio-, e as coisas já são muito difíceis para perder tempo e energia reclamando na internet. Apesar de parecer ter 20 e ninguém vai nem acreditar que tenho 30, eu preciso dizer que aprendi algo em 30 primaveras. Mas agora falando sério, poucas das reclamações que já fiz publicamente e das pequenas rebeliões que criei na minha juventude serviram de algo a não ser pra me causar mais sofrimento ou atrasar a faculdade (quando eu - sem o apoio de mais ninguém da turma - tranquei a disciplina de um professor misógino e no fim ele se aposentou com uma festinha feita pelos alunos e todo mundo com pena dele porque ele estava doente). Foi percebendo o quanto eu tenho tanta vontade de reclamar o dia todo e de fazer sempre um texto no instagram movida pela raiva que vi ser essa a coisa que mais preciso começar a transformar em mim daqui pra frente. É tão mais elegante dizer "ah, eu já nem reclamo mais disso, apenas continuo fazendo meu trabalho". Tão mais resiliente do que continuar com pequenas frustrações corroendo meu agora não tão jovem coração. Sempre tenho medo de ter um ataque fulminante toda vez que quero escrever um texto reclamando de algo, fico me tremendo MESMO e com taquicardia. Agora pensa ai no vexame, de encontrarem meu corpo e olharem no meu celular e a última coisa que eu estava escrevendo ser: um tweet reclamando. Ou 20 stories reclamões ou pior um textão no Facebook ou Instagram... não quero que essa seja minha última obra prima... se for pra ser que seja um poema, em que vou poder disfarçar com imagens que envolvam o mar e o vento toda a minha fúria interna. 

Bom, obviamente eu não estou sabendo terminar esse texto. Mas eu não quero reclamar que as pessoas hoje lêem pouco e não terão a menor paciência de ler um texto mais longo e que o Instagram não vai entregar essa postagem pra ninguém e que merda esse algoritmos e como as redes sociais estão horríveis. Opa, eu já estava reclamando ne? Eu juro, essa foi a última reclamação dos próximos 30 anos, ou dias, ou... segundos. 

(Contando 30 segundos)

Mas antes, eu só queria dizer que acho engraçado que.






9.11.20

O que o Teatro me ensinou sobre a Escrita




Durante toda a minha vida como escritora, eu escrevi por impulso e sem rever meus poemas e dava por encerrado aquele trabalho, muitas vezes antes de decidir se ele estava pronto e todas as vezes sem considerar que foi um trabalho. 

Maior parte do que escrevia poeticamente, eu postava aqui nesse blog, que tem 10 anos de vida. A escrita era, e é ainda, uma necessidade - pois eu sempre recorria a ela para tentar entender e expressar meus sentimentos.

E era também um porto para ancorar angústias, sim, em geral meus poemas vêm da dor. Não quer dizer que eu romantize isso... talvez tenha romantizado durante um tempo, mas me sinto curada da ideia de que só se é artista se estiver sofrendo - apesar de que meus artistas favoritos sofriam bastante. 

Essa ideia foi mudando quando eu comecei a entrar em contato com artistas vivos! Principalmente quando sai da Letras e fui pro Teatro.

O Teatro é algo tão vivo, tão do aqui e agora, e além disso é impossível fazer uma boa apresentação se você estiver sofrendo - e mesmo que seu personagem seja um suícida, não tem como você já entrar na peça desfalecendo. 

O Teatro exige atenção, repetição, treino, lapidação e muito vigor e boa parte das vezes suor. Coisa que parecia distante da escrita pra mim. Quando comecei a fazer Teatro tive um sentido mais físico de trabalho artístico que eu não parecia conectar quando escrevia. Reler um texto incontáveis vezes, suar criando arte, me mover, levantar, correr, estar o tempo todo em contato com a influência do outro, ter alguém olhando seu trabalho de perto e te direcionando, lapidar, precisar ouvir o que o outro tem a dizer sobre o seu trabalho.

Acontece que eu fazia uma inversão: não tinha a liberdade da escrita no Teatro - que me parecia opressor ter que depender da direção de alguém para prosseguir; e não tinha o trabalho de repetição e lapidação tão importante para escrita. Sim, maturidade artístia é saber reconhecer os tantos delizes da juventude. 

Precisei pôr fim a várias coisas e ficar sozinha no deserto da minha mente  para aprender a conectar a escrita com a arte do ator. Para ser generosa e aceitar com humildade o que as duas profissões me oferecem, para saber recusar com sabedoria o que não me cabe. sem raiva, sem frustração. 

Precisei ficar dois anos sem escrever pra entender que não poderia depender somente da inspiração para melhorar como artista. Precisei entender que eu podia melhorar como artista, e que ninguém que eu admiro nasceu escrevendo seus melhores poemas. 

Precisei ficar afastada dos palcos para saber dosar liberdade e limites. Para saber como ouvir o outro sem me ferir ou ferir alguém. Precisei ouvir durante um tempo só a minha voz, capturar sua força e saber que ela não se apaga porque o outro também fala. 

Apesar de ter também sofrido e chorado bastante fazendo Teatro, por motivos que me levaram a fazer terapia (não tô rindo, hein) e ter inclusive sofrido assédio moral e sexual, eu não abandonei o Teatro e eu sei que ele está em mim, sei que atuar está em mim. Simplesmente nós nos encontramos, tá? Não significa que porque eu não estive em algum projeto de teatro no último ano eu não seja mais "do teatro" ou menos atriz. 

Em dado momento da vida você escolhe ser artista e depois disso, não dá pra não ser mais. Quer dizer, até dá, se você também escolher não ser. E olha, eu ainda não escolhi isso, não. Não é exatamente a frequência com que você faz algo que vai te dizer se você não é aquilo. 

As pessoas usam termos como "afastado" (eu mesma usei aqui), mas quem sabe dizer se aquela pessoa se afastou mesmo? Eu não me afastei! Ele tá aqui coladinho, quando tô lendo um livro pensando que um dia poderia fazer uma peça sobre isso, quando tô vendo um filme e analisando o trabalho do ator. 

Claro, recapitulando o que eu disse, você não deixa de ser artista se por alguma circunstância fica um tempo sem praticar aquilo. Mas o que não quer dizer que isso não existe esforço e constância também. Ficar dois anos sem escrever me fez entender que eu não tinha deixado de ser escritora, mas que agora eu precisa agarrar isso com unhas e dentes esculpir meus desejos, algumas vezes a forma não vai vir na mente, você só tem a massa: sua vontade de eescrever e suas mãos, então é sentar e fazer.

Ficar dois anos sem atuar não me fez menos atriz, mas agora que eu sei que não quero viver sem isso, não posso mais estancar diante as recusas. E se for o caso, farei meus próprios projetos, dirigirei um dia meu próprio filme ou espetáculo. Me distanciei dos meus sonhos imersa em dúvidas e presa pelas negativas e traumas que tive, como se isso fosse mais importante do que o fato que eu quero ser atriz. E ninguém vai tirar isso de mim.

Então a primeira lição desse texto é: não deixe que ninguém te diga quem você é. A segunda é: você não precisa se medir pelo tempo do outro pra dizer que é algo. A terceira: se você não perdeu um encanto em fazer aquilo, mas não está de fato fazendo, não quer dizer que você parou. A quarta é: escritores - suem; atores - escrevam. 


15.4.16

Um livro que anda por ai



            Acho que era uma ressaca literária, como diziam por ai. Numa tarde eu constatei alguns sintomas internos, não lembro como começou, mas sentia uma inquietação mental, uma agonia, uma coisa sem sossego, não conseguia me concentrar em uma frase, nem sentia muita vontade de continuar. É tão pior quando a coisa é de dentro, não é? Como que se explica? Eu sempre pensei: ainda bem que existe a poesia. Como tábua de salvação, igual aquela poetisa polonesa Wislawa me disse em janeiro. Esse foi um mês bom de leitura, fevereiro também, ai em março já foi ficando ruim, entrou abril e ainda esse carro não saia da lama. Que lama era essa? Que tava acontecendo em mim que não conseguia me mover por dentro? E antes eu sabia que podia correr para eles, os livros. Eles vão me salvar disso, eles precisam me salvar disso, eu pensava. Ah os livros, meu refúgio, como tantas personagens de outros livros, de seriados estadunidenses, de filmes... eu me enfiava inteira em um livro quando ele me puxava, e alguns sugam, e nos levam a profundezas de mares desconhecidos, às vezes a gente nem volta.
               Um livro não é só um objeto, um livro é um corpo, entende? Infelizmente, (ou felizmente?), não acredito mais na separação de alma e corpo, talvez isso signifique que não acredite em vida pós-morte, céu/inferno, a não ser que vá tudo junto de alguma forma, mas ai é outra coisa e eu estou tentando escrever uma crônica. Continuando, livro é corpo, é um corpo que nos comunica, que nos abraça, que a gente cheira, que a gente espirra às vezes, (os adeptos aos eletrônicos não precisam se preocupar com isso), que tocamos, que a gente até beija, um amigo uma vez escreveu um conto sobre uma mulher que fazia ainda muito mais com o livro... mas particularidades sexuais a parte, o livro é um corpo. Pois se fosse só um objeto a relação seria só unilateral, nós humanos animados poderíamos manipular o livro e fazer o que bem entender dele. Sendo um corpo o livro tem vontades e eu queria que ele nunca tivesse me deixado, mas ele era alguém, alguém que anda por ai.
               E foi assim que eu “perdi” um pouco de Cortázar da minha estante. Eu tenho um Cortázar a menos agora. Eu tenho um alívio a menos. Eu tenho uma tábua a menos. Eu tenho... tenho.. eu tinha... ter... por que lamentar? Logo eu que estou nesse processo de descoisificar as coisas, logo eu que já não sentia mais tanta falta de ter livros, às vezes parece que você só quer ter pela coisficação, pelo possuir, porque sempre os acumulo. E agora vendo esses 30 livros acumulados na minha estante tenho uma imagem horrenda, parecem trinta corpos mortos na minha estante. Eu preciso ler os livros da minha estante. Eu preciso parar de fazer essas pilhas de não-lidos. Eu preciso ler os livros da minha estante. Livro é corpo e precisa de vida, ser lido, devorado, é comendo-os que nós damos vida a eles.
           Eu havia começado a comê-lo de pouquinho, mas sabia que ele iria ser a cura da minha ressaca, eram alguns contos e eu só havia lido o primeiro quando Ele se foi. Eu o perdi, num dia eu sai de casa, o coloquei na bolsa com a certeza que eu teria muito tempo com ele, pois seria um dia de muitas esperas, e ele estaria comigo. Encontrei uma poltrona confortável no meio de um shopping barulhento e já pensei “vou abrir meu livro aqui e esquecer de tudo que está me perturbando até que eu tenha que pensar nisso novamente.” Nesse dia o shopping estava todo decorado com árvores com livros pendurados e achei lindo! Livro-corpo-semente-fruto-comer. Mas quando abri a bolsa, nada, nada. A bolsa cheia de papéis e dinheiro, dinheiro que eu havia acabado de conseguir vendendo outro livro, a bolsa parecia vazia. Todo leitor deve sentir também que sua bolsa está vazia sem um livro. O Nome dele é Alguém que anda por aí. E de repente durante uma música pop que eu dançava sozinha no meu quarto eu obtive a resposta para isso tudo. Se eu amo tantos os livros porque eu acho que os possuo? Por que não deixá-los livres? Como em francês, livro é livre. O livro-alguém foi andar por aí. Se perguntarem por mim, diz que fui por aí, a voz da Nara Leão cantou aqui na mente. E eu só espero que ele esteja bem.



RJ - 2013 - cybershot