9.11.20

O que o Teatro me ensinou sobre a Escrita




Durante toda a minha vida como escritora, eu escrevi por impulso e sem rever meus poemas e dava por encerrado aquele trabalho, muitas vezes antes de decidir se ele estava pronto e todas as vezes sem considerar que foi um trabalho. 

Maior parte do que escrevia poeticamente, eu postava aqui nesse blog, que tem 10 anos de vida. A escrita era, e é ainda, uma necessidade - pois eu sempre recorria a ela para tentar entender e expressar meus sentimentos.

E era também um porto para ancorar angústias, sim, em geral meus poemas vêm da dor. Não quer dizer que eu romantize isso... talvez tenha romantizado durante um tempo, mas me sinto curada da ideia de que só se é artista se estiver sofrendo - apesar de que meus artistas favoritos sofriam bastante. 

Essa ideia foi mudando quando eu comecei a entrar em contato com artistas vivos! Principalmente quando sai da Letras e fui pro Teatro.

O Teatro é algo tão vivo, tão do aqui e agora, e além disso é impossível fazer uma boa apresentação se você estiver sofrendo - e mesmo que seu personagem seja um suícida, não tem como você já entrar na peça desfalecendo. 

O Teatro exige atenção, repetição, treino, lapidação e muito vigor e boa parte das vezes suor. Coisa que parecia distante da escrita pra mim. Quando comecei a fazer Teatro tive um sentido mais físico de trabalho artístico que eu não parecia conectar quando escrevia. Reler um texto incontáveis vezes, suar criando arte, me mover, levantar, correr, estar o tempo todo em contato com a influência do outro, ter alguém olhando seu trabalho de perto e te direcionando, lapidar, precisar ouvir o que o outro tem a dizer sobre o seu trabalho.

Acontece que eu fazia uma inversão: não tinha a liberdade da escrita no Teatro - que me parecia opressor ter que depender da direção de alguém para prosseguir; e não tinha o trabalho de repetição e lapidação tão importante para escrita. Sim, maturidade artístia é saber reconhecer os tantos delizes da juventude. 

Precisei pôr fim a várias coisas e ficar sozinha no deserto da minha mente  para aprender a conectar a escrita com a arte do ator. Para ser generosa e aceitar com humildade o que as duas profissões me oferecem, para saber recusar com sabedoria o que não me cabe. sem raiva, sem frustração. 

Precisei ficar dois anos sem escrever pra entender que não poderia depender somente da inspiração para melhorar como artista. Precisei entender que eu podia melhorar como artista, e que ninguém que eu admiro nasceu escrevendo seus melhores poemas. 

Precisei ficar afastada dos palcos para saber dosar liberdade e limites. Para saber como ouvir o outro sem me ferir ou ferir alguém. Precisei ouvir durante um tempo só a minha voz, capturar sua força e saber que ela não se apaga porque o outro também fala. 

Apesar de ter também sofrido e chorado bastante fazendo Teatro, por motivos que me levaram a fazer terapia (não tô rindo, hein) e ter inclusive sofrido assédio moral e sexual, eu não abandonei o Teatro e eu sei que ele está em mim, sei que atuar está em mim. Simplesmente nós nos encontramos, tá? Não significa que porque eu não estive em algum projeto de teatro no último ano eu não seja mais "do teatro" ou menos atriz. 

Em dado momento da vida você escolhe ser artista e depois disso, não dá pra não ser mais. Quer dizer, até dá, se você também escolher não ser. E olha, eu ainda não escolhi isso, não. Não é exatamente a frequência com que você faz algo que vai te dizer se você não é aquilo. 

As pessoas usam termos como "afastado" (eu mesma usei aqui), mas quem sabe dizer se aquela pessoa se afastou mesmo? Eu não me afastei! Ele tá aqui coladinho, quando tô lendo um livro pensando que um dia poderia fazer uma peça sobre isso, quando tô vendo um filme e analisando o trabalho do ator. 

Claro, recapitulando o que eu disse, você não deixa de ser artista se por alguma circunstância fica um tempo sem praticar aquilo. Mas o que não quer dizer que isso não existe esforço e constância também. Ficar dois anos sem escrever me fez entender que eu não tinha deixado de ser escritora, mas que agora eu precisa agarrar isso com unhas e dentes esculpir meus desejos, algumas vezes a forma não vai vir na mente, você só tem a massa: sua vontade de eescrever e suas mãos, então é sentar e fazer.

Ficar dois anos sem atuar não me fez menos atriz, mas agora que eu sei que não quero viver sem isso, não posso mais estancar diante as recusas. E se for o caso, farei meus próprios projetos, dirigirei um dia meu próprio filme ou espetáculo. Me distanciei dos meus sonhos imersa em dúvidas e presa pelas negativas e traumas que tive, como se isso fosse mais importante do que o fato que eu quero ser atriz. E ninguém vai tirar isso de mim.

Então a primeira lição desse texto é: não deixe que ninguém te diga quem você é. A segunda é: você não precisa se medir pelo tempo do outro pra dizer que é algo. A terceira: se você não perdeu um encanto em fazer aquilo, mas não está de fato fazendo, não quer dizer que você parou. A quarta é: escritores - suem; atores - escrevam. 


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