17.7.16

Um artista não deve se apaixonar por outro artista

não deu certo nosso samba
não deu certo nossa ginga
não deu certo nosso projeto
não deu certo nosso filme
não deu certo nossa foto
não deu certo nossa peça
não deu certo nosso sexo
não deu certo aceitar que nada disso não deu certo
- você não acertava a nota
- meu ritmo mudou drasticamente
- dizia vamos deixar rolar
- eu não estava no perfil
- sempre fora de foco
- nunca nem ensaiamos
- eu pedia amor, amor por favor!
só a poesia dos corpos que se distanciam que deu certo
o poema pode nascer da falta,
o poema não precisa de ritmo,
o poema não precisa de métrica,
o poema não precisa de ter sentido,
o poema não precisa de hora marcada,
poema pode nascer da madrugada insone,
o poema pode te ver dormir enquanto você não me ama  de volta,
o poema te ama sozinho,
o poema é uma masturbação,
o poema não escolhe perfil, você que o fisga,
esse poema eu faço do jeito que eu quiser,
o poema não quer ir devagar,
o poema quer nascer agora,
prematuro e sangrando,
o poema é meu corpo banhando de sangue do meu nascimento prematuro para o mundo
eu não estava pronta
eu não estou pronta
eu não quero estar pronta
eu quero poder não ter certezas mas não quero esses cacos de vidro e minha gengiva sangra
eu não quero essa luz, herr doctor
ficou com meu silêncio na mão e deixou as guitarras distorcidas explodindo no meu fígado



trava-vida


pendulo no vazio
quebrado, não faz barulho, somente oscila
todos meus órgãos se devoram com vontade de fazer arte








estou















todo meu corpo corpo se estica com vontade de fazer arte
quero deitar-me a teus pé inteiramente grata
roberto piva ressoando nos muros "a lua não se apoia em nada, eu não me apoio em nada"
queria ser pintora, eu poderia desenhar no céu
queria ser desenhista, eu precisaria de um lápis e das paredes;
queria escrever compulsivamente, e eu usaria meu sangue;
queria ser dançarina, e faria solos no asfalto,
mas eu sou atriz
três atrizes tristes para três pratos de trigo
três pratos de trigo para três atrizes tristes
o sabiá não sabia que sabia assobiar sozinho
o sabiá só subiu no muro e ficou esperando alguém chamar
será mesmo que o sabiá precisa de alguém para assobiar?
vou desenhar no céu gritando: DESEJO FAZER ARTE com a fumaça de todos os cigarros que fumei esperando pegarem na minha mão and run lola run
mais uma recusa
você não está no perfil que queremos
mais uma recusa
você é dedicada e tem referências,
mas é muito infernal
mais uma recusa
neste momento eu não te vejo como atriz
mais uma recusa do papel que me olha e me engole
da tela branca que me cega
um tombo

sou eu que boto as pedras no caminho, José?

no jokes
eu tento fazer poesia mas a verdade é que a vida vai ser no fim só essa grande tentativa



13.7.16

Laços de Família - Clarice Lispector - Trechos

Clarice revela da alma humana os sentimentos mais cobertos de escombros. Clarice revela o ódio, a culpa, a piedade. Clarice derruba as aparências, quebra ovos, espalha em amarelo, vermelho e marrom tudo que prendemos nos punhos cerrados e sorrisos abertos. Foi muito importante ler esse livro com a minha nova tomada de consciência sobre a representatividade da mulher na literatura, os contos em sua maioria são protagonizados por personagens femininas e isso é de extrema importância. Clarice coloca as "donas de casa", senhoras do lar da classe média, sob um viés mais humano e complexo, as tira da casa de bonecas, assim como fez Ibsen, mas com maior intensidade, pois agora é a própria mulher que fala, que grita, que nos olha com a ferocidade de um búfalo, mostrando sua preciosidade.

.Trechos.
O mundo se tornara de novo um mal-estar. Vários anos ruíam, as gemas amarelas escorriam. Expulsa de seus próprios dias, parecia-lhe que as pessoas da rua eram periclitantes, que se mantinham por um mínimo equilíbrio à tona da escuridão — e por um momento a falta de sentido deixava-as tão livres que elas não sabiam para onde ir. Perceber uma ausência de lei foi tão súbito que Ana se agarrou ao banco da frente, como se pudesse cair do bonde, como se as coisas pudessem ser revertidas com a mesma calma com que não o eram. O que chamava de crise viera afinal. E sua marca era o prazer intenso com que olhava agora as coisas, sofrendo espantada. (Amor)


Alguns não lhe haviam trazido presente nenhum. Outros trouxeram saboneteira, uma combinação de jérsei, um broche de fantasia, um vasinho de cactos nada, nada que a dona da casa pudesse aproveitar para si mesma ou para seus filhos, nada que a própria aniversariante pudesse realmente aproveitar constituindo assim uma economia: a dona da casa guardava os presentes, amarga, irônica.
[...]
O punho mudo e severo sobre a mesa dizia para a infeliz nora que sem remédio amava talvez pela última vez: É preciso que se saiba. É preciso que se saiba. Que a vida é curta. Que a vida é curta (Feliz Aniversário)

Judi Dench

Foi para o lavatório. Onde, diante do grande silêncio dos ladrilhos, gritou aguda, supersônica: Estou sozinha no mundo! Nunca ninguém vai me ajudar, nunca ninguém vai me amar! Estou sozinha no mundo!
[...]
Há uma obs­cura lei que faz com que se proteja o ovo até que nasça o pinto, pássaro de fogo. (Preciosidade)

Saute d’humeur | Laurence Demaison, 2004.
Mais tarde, porém, indagou-se se tinha ou não sido explorado. E sua angústia foi tão intensa que ele parou diante da vitrina com uma cara de horror. O coração batia como um punho. Além do rosto espantado, solto no vidro da vitrina, havia panelas e utensílios de cozinha que ele olhou com certa familiaridade. "Pelo visto, fui", concluiu [...] (Começos de uma Fortuna)


Details of Michelangelo’s masterpiece “David” 1501–1504


Eu te odeio", disse ela para um homem cujo crime único era o de não amá-la. "Eu te odeio", disse muito apressada. Mas não sabia sequer como se fazia. Como cavar na terra até encontrar a água negra, como abrir passagem na terra dura e chegar jamais a si mesma? [...] Mas onde, onde encontrar o animal que lhe ensinasse a ter o seu próprio ódio? o ódio que lhe pertencia por direito mas que em dor ela não alcançava? Onde aprender a odiar para não morrer de amor? [...] não mais esse perdão em tudo o que um dia vai morrer como se fora para dar-se. Nunca o perdão, se aquela mulher perdoasse mais uma vez, uma só vez que fosse, sua vida estaria perdida (O Búfalo)

Nastya Zhidkova



Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

  Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um ho...