29.4.20

[Resenha] Harry Potter e o Cálice de Fogo - J.K. Rowlling

Não lembro minhas sensações quando li essa série a primeira vez, há mais de 10 anos. Mas hoje ela ainda se revela uma bela obra, que com certeza eu indicaria para qualquer um ler em qualquer tempo. 

Sinceramente, a emoção que ele traz é atemporal.

No começo desse 4º eu fiquei bem impaciente e achei um pouco chato, não tinha sentido isso nos outros 3, mas nesse, os diálogos eram arrastados, as coisas demoravam a "acontecer" e muitas cenas eram descritivas demais e pareciam não acrescentar nada à história.

Mas assim que o cenário mudou para Hogwarts e aconteceu o que você sabe que acontece com Harry rsrs ai eu não largava mais de ler <3

Nos capítulos finais do livro temos uma mudança de atmosfera diferente dos outros livros, as coisas ficam mais densas e tristes, não há um fechamento do tipo "ufa, passou mais uma aventura" e sim "eita pau, o que vai acontecer agora?", ousaria dizer até mais adultas mesmo. Ler esse livro quando adolescente é lidar com sentimentos que muitas vezes não sabemos lidar: a morte, a ausência de pessoas queridas, a injustiça, a crueldade, entre muitas coisas.


Em O Cálice de Fogo, J.K. consegue misturar diversos sentimentos que passam por nós aos 14 anos, bem como temas mais sérios, e inclusive, semelhantes ao que estamos passando, como o descaso das autoridades diante a um grande perigo.


Não estou esticando a baladeira, mas a reação de Fudge no final do livro é absolutamente revoltante, e por um momento me lembrou a estupidez de Bolsonaro. Fudge quer negar que falhou, que as pessoas estão em perigo, apegado e cego de amor ao poder, como Dumbledore diz, não se importa que inocentes morreram e vão morrer devido à sua cegueira. 


Mas ÓBVIO, com as devidas proporções, não estamos num mundo mágico, não temos Harry Potter, nem Dumbledore, nem as coisas irão ser explicadas com uma profecia, ou tão claramente como nos livros. Tudo isso é fantasia, ficção. e nós, estamos na realidade né? Mas, termino esse livro com a certeza de que J.K. não teria criado uma série tão mágica se não fosse uma observadora atenta do mundo real.

24.4.20

[Resenha] Morango e Chocolate - Aurélia Aurita


Morango e Chocolate é em poucas palavras uma HQ safada e fofinha :D
Narra as primeiras semanas da relação de Fréderic e Aurélia. .
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Aurélia vai até o Japão para uma conferência de quadrinhos e também para encontrar Fréderic, que havia conhecido na França. A hq se diferencia por retratar de forma divertida e direta as descobertas sexuais que ocorrem entre eles ao mesmo tempo que vão também consolidando a relação. .
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Apesar das imagens eróticas que Aurélia desenha sem tabu, o traço meio arredondado e as expressões lembram um pouco feições de anime e por isso que eu disse que é uma safadeza fofinha. Muito legal é como Aurélia transita entre situações sexuais para coisas engraçadas e reais que raras vezes vemos na lliteratura, como o sexo quando se está menstruada e fetiches sexuais de querer se ver no espelho entre outros que acharíamos "nojento", mas o jeito que ela coloca nos faz pensar como tudo isso deveria ser falado de forma mais natural entre adultos. .
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Aurélia também traz a perceção de uma mulher, algo inovador porque como sabemos, raramente lemos literatura/quadrinho erótico do ponto de vista feminino, fala de todos os desejos, fetiches e inseguranças que poucas vezes são ditos. Acho que seria um ótimo presente pra alguns homens que nunca perguntam ou parecem se interessar no que desejam suas companheiras. É interessante observar que não se trata apenas de abordar a sexualidade feminina, mas A SEXUALIDADE, pois nós também fazemos parte do estudo da sexualidade, falar da sexualidade da mulher não é um assunto só para mulheres. A arte erótica feita por mulheres é ignorada por homens ou objetificada por eles, nunca vista como parte do estudo erótico. O corpo nu da mulher é a imagem mais exposta na nossa sociedade, essa hq não se trata disso, mas sim de uma mulher observando a si e a seu parceiro, desenhando seus desejos, não a serviço da excitação de um homem, mas como expressão de si. .
#hq #auréliaaurita #readwomen #leiamulheres

13.4.20

[Resenha] Santa Joana dos Matadouros - Bertolt Brecht


Tendo como tema principal a crise capitalista e as contradições desse sistema, Brecht expõe o ciclo de prosperidade, superprodução, desemprego, quebras e nova concentração de capital desse sistema. O texto busca explicar do ponto de vista de um crítico ao capitalismo, assumidamente marxista que o nosso mundo como ele é, se sustenta pelas desigualdades sociais e exploração: os de cima só se mantêm em cima, pois existem os de baixo que permanecem em baixo, mas que isso também leva ao colapso, só se reestruturando novamente pela morte (literalmente) de alguns.
 A peça foi escrita entre 1929 e 1931, no período do crash da bolsa de valores que atingiu o mundo todo e se passa em Chicago, mas continua tão atual como se tivesse sido escrita ontem, afinal, nada mudou mesmo esse tempo todo.
O cenário é o mercado de carnes dos EUA, Bocarra é um grande magnata dos enlatados, que diante da crise econômica consegue um modo de sair ileso usando dos joguetes empresariais exploratórios. Um de seus adversários, Lenoox, fecha sua fábrica deixando os trabalhadores sem emprego. Joana Dark é uma inocente idealista, que ao ver a situação dos desempregados decide tentar entender os motivos de tudo isso. Nessa decida as profundezas das camadas sociais, tenta ajudar os trabalhadores. Os Boinas Pretas é grupo o qual ela fazia parte, uma organização religiosa, que acaba por se aliar a Bocarra.
Mas nada em Brecht é dividido entre bons e maus, todos os personagens tem suas contradições, pois é pela análise dialética das contradições que Brecht quer que o expectador entenda as questões sociais. Portanto, não é uma peça sobre "quem", mas sobre "o que". O assunto, o capitalismo, este é o personagem central. Não é uma peça fácil de ler, pois é mesmo quase uma aula de economia, porém escrita toda em versos, é por seu tom poético e sensível, característicos do teatro brechtiano que aprendemos pela arte.

[Resenha] Prólogo, ato e epílogo - Memórias de Fernanda Montengero


Com quase um século de vida, finalmente conhecemos a trajetória desta grande artista. Fernanda Montenegro escreve suas memórias entre 2017 e 2019, com a ajuda das entrevistas feitas por Marta Góes, entre 2016 e 2017. Em Prólogo, ato e epílogo, Fernanda usa das divisões clássicas de um texto para narra sua vida. No prólogo conta a história da vinda de seus antepassados para o Brasil, "uma realidade brutal de sobrevivência". Desse modo, a atriz já provoca em nós o reconhecimento de que sua história não começa a partir do  seu nascimento, mas vem de antes, que ela é continuidade de lutas e sonhos. Da mãe, vem a origem italiana e do pai, a portuguesa.

Em ato, ela conta como deixou de ser Arlette Pinheiro da Silva para ser Fernanda Montenegro, encontrou seu companheiro de toda a vida, Fernando Torres, constituiu sua família, viveu entre glórias e lutas a arte do ator, nos palcos e nas telas, mas principalmente sua vida nos palcos. 

Com muita humildade ela conta todos os perrengues que passou pelo sonho de viver O e DO teatro. Mesmo quando teve que começar a trabalhar na tv que era  o que davao sustento para manter-se com o grupo que fundou com o marido, não abandonava os palcos.

Terminamos de ler suas memórias com uma bagagem além de sua vida, mas com o conhecimento do que foi o teatro brasileiro, no eixo Rio-SP, durante décadas. Ela nunca fala só sobre se e comenta de vários nomes importantes do nosso teatro, me emocionei por essa ideia de coletividade tão bonita. E também por ver a grande intelectual que Fernanda é, num mundo que hoje ser atriz na tv é quase sinônimo de ser apenas uma celebridade, ela fala de uma época que ao ator era exigido ler de tudo; e ávida pelo conhecimento, ela lia todos os clássicos e autores do momento. 

Conta como foi passar pela ditadura militar, em que foi perseguida, e as maneiras de continuar resistindo em tempos sombrios. Ao mencionar seus prêmios e conquistas, percebemos que tudo isso foi consequência de uma vida inteira dedicada integralmente à arte. 

Ela relata a instabilidade da vida artística, e como durante décadas, ela e o marido estavam sempre tentando driblar as dificuldades, dos momentos em que não sabiam como pagar o aluguel do mês e ensaiavam de madrugada para dar conta do teatro e dos trabalhos na tv. 

Uma biografia emocionante e digo que essencial não só para atores e amantes do teatro, mas qualquer um que queira saber mais da arte no Brasil pelas memórias de uma grande mulher. Quero salientar que Fernanda não é perfeita, algumas coisas eu discordo dela sim, mas isso de maneira alguma retiraria minha admiração por sua trajetória. Acho que em algumas situações (ALGUMAS) é possível discordar de uma artista e ainda admirá-la. 

"Por mais longa que seja a vida do ator, ele não tem como declarar "Estou pronto". E se o fizer, não é do ramo". 

8.4.20

[Resenha] O Beijo no Asfalto - Nelson Rodrigues


A peça se passa nos anos 60 e trata de um homem, Arandir, atendendo ao último pedido de um desconhecido que acabara de ser atropelado, o beija na frente de todos. O caso vira manchete de uma matéria conduzida por um jornalista corrupto e inescrupuloso, apoiado por um delegado, que usa de seu abuso de poder para convencer a todos que o homem conhecia o morto e era seu amante, isso tudo para abafar o caso de ele ter agredido uma mulher. Esse detalhe da agressão passa MUITO despercebido, em nenhuma sinopse da peça fala sobre isso, focando apenas no tabu sobre o personagem ser ou não gay e no desenrolar da história, com insinuações incestuosas. Além disso, o policial e o jornalista assediam sexualmente a esposa de Arandir, ao obrigá-la a ficar nua num "depoimento" na casa do jornalista!

Assim, é uma peça que de certo modo não cabe dizer se "gostei". Mas, esse parece ter sido mesmo o objetivo de Nelson Rodrigues, ele próprio afirmava fazer um teatro desagradável. Cheguei a pensa que o dramaturgo quisesse apenas escancarar a prodridão e hipocrisia humana, o que de certa forma consegue. 

Por outro lado, acredito que a forma do drama burguês já é ultrapassada para tratar a realidade. Para  denunciar a violência, na era da imagem, histórias violentas que só existem para chocar será que bastam? 

Desde o surgimento do teatro épico, é sabido que a arte pode ir além disso. O drama da "vida como ela é" naturaliza a violência ao invés de criticá-la. 

No anos 60, Nelson Rodrigues pode ter feito um bom trabalho ao retratar personagens corruptos, preconceituosos, hipócritas, homofóbicos e machistas - é disso que trata Beijo no Asfalto -  visto que de fato, há 60 anos, a arte não se preocupava em falar desses temas. Porém, revisitando a obra para o contexto atual, não basta mais desmascarar as coisas, simples e cru. 
Acredito numa arte que não só mostra, mas critica, e isso o drama tradicional na forma, mas subversivo no conteúdo, não soube fazer. 

6.4.20

[Resenha] Eles Não Usam Black - Tie - Gianfresco Guarnieri




A peça "Eles não usam bleque tai" (às vezes grafada "black-tie") traz a temática político-social dentro de um drama familiar. A história se passa numa favela e retrata a realidade dos moradores ao mesmo tempo em que mostra a organização de uma greve por parte de Otávio, morador do lugar e operário da fábrica próxima à comunidade. Tião, seu filho, também trabalha na fábrica, está preste a se casar com Maria, que está grávida dele. Tião não concorda com a greve, mas esconde isso do pai que não suportaria ter um filho "fura-greve". Pensando no casamento e no filho de Maria, ele planeja junto com um amigo não aderir aos planos do pai, por medo de perder o emprego. A peça narra essa tensão familiar, em que de um lado Otávio planeja uma greve e na mesma casa, seu filho planejar boicotar essa ideia, a medida que intercala cenas que mostram o cotidiano difícil das pessoas que vivem ali.

Romana, é esposa de Otávio, trabalha como dona de casa e parece estar sempre irritada pela dureza desse serviço. Ela está sempre comentando como faz tudo na casa, lava, cozinha, cuida de tudo sozinha. Algo que, a meu ver, é naturalizado como se fosse "trabalho de mulher". 

A peça trata de um assunto ainda interessante e atual: a exploração da classe trabalhadora. No entanto, dentro do contexto em que foi escrita, hoje esse tema pediria outra abordagem. Por exemplo, a questão da greve em fábricas. Infelizmente é um recurso raramente usado pelos sindicatos, hoje. As greves atualmente são mais comuns nos setores públicos do que privados, talvez a peça até mostre como hoje o trabalhador perdeu essa força de organização dessa época, a ponto de não acreditar mais tão ferozmente como Otávio, no poder da greve e da união.

Outra questão que aponto é que mesmo que a peça tenha um cunho político, acho que se perde no drama familiar. Algumas cenas, como as de Chiquinho, eu achei sem importância. E a briga entre pai e filho fica um tom um tanto fervoroso demais e o assunto político parece ficar em segundo plano, mesmo que a briga tenha sido motivada por uma questão política. Penso também que o personagem de Tião poderia ser mais complexo, do que apenas ser tratado como um covarde, entendo que na época esse era o pensamento da esquerda, mas a peça acaba ficando muito dualista, dividia entre quem é o bom ou o mal.

A questão da opressão da mulher como trabalhadora é algo ausente, Romana poderia ser uma personagem muito mais profunda, mas é reduzida a ser uma "dona de casa" como se isso não a fizesse também uma trabalhadora. Naquela época, creio que a esquerda não enxergava que as mulheres que trabalham em casa também faziam parte da classe trabalhadora e por mais que Romana denuncie a exploração que passa, não fica claro a rede de opressão na qual todos estão envolvidos: Otávio é explorado pelo patrão, e Romana é explorada pelo patriarcado, que dentro de casa é representado pelos filhos, todos homens, que em nenhum momento dividem com ela esse serviço, naturalizando o trabalho doméstico como função de mulher.

Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...