A peça se passa nos anos 60 e trata de um homem, Arandir, atendendo ao último pedido de um desconhecido que acabara de ser atropelado, o beija na frente de todos. O caso vira manchete de uma matéria conduzida por um jornalista corrupto e inescrupuloso, apoiado por um delegado, que usa de seu abuso de poder para convencer a todos que o homem conhecia o morto e era seu amante, isso tudo para abafar o caso de ele ter agredido uma mulher. Esse detalhe da agressão passa MUITO despercebido, em nenhuma sinopse da peça fala sobre isso, focando apenas no tabu sobre o personagem ser ou não gay e no desenrolar da história, com insinuações incestuosas. Além disso, o policial e o jornalista assediam sexualmente a esposa de Arandir, ao obrigá-la a ficar nua num "depoimento" na casa do jornalista!
Assim, é uma peça que de certo modo não cabe dizer se "gostei". Mas, esse parece ter sido mesmo o objetivo de Nelson Rodrigues, ele próprio afirmava fazer um teatro desagradável. Cheguei a pensa que o dramaturgo quisesse apenas escancarar a prodridão e hipocrisia humana, o que de certa forma consegue.
Por outro lado, acredito que a forma do drama burguês já é ultrapassada para tratar a realidade. Para denunciar a violência, na era da imagem, histórias violentas que só existem para chocar será que bastam?
Desde o surgimento do teatro épico, é sabido que a arte pode ir além disso. O drama da "vida como ela é" naturaliza a violência ao invés de criticá-la.
No anos 60, Nelson Rodrigues pode ter feito um bom trabalho ao retratar personagens corruptos, preconceituosos, hipócritas, homofóbicos e machistas - é disso que trata Beijo no Asfalto - visto que de fato, há 60 anos, a arte não se preocupava em falar desses temas. Porém, revisitando a obra para o contexto atual, não basta mais desmascarar as coisas, simples e cru.
Acredito numa arte que não só mostra, mas critica, e isso o drama tradicional na forma, mas subversivo no conteúdo, não soube fazer.
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