A peça "Eles não usam bleque tai" (às vezes grafada
"black-tie") traz a temática político-social dentro de um drama
familiar. A história se passa numa favela e retrata a realidade dos moradores
ao mesmo tempo em que mostra a organização de uma greve por parte de Otávio,
morador do lugar e operário da fábrica próxima à comunidade. Tião, seu filho,
também trabalha na fábrica, está preste a se casar com Maria, que está grávida
dele. Tião não concorda com a greve, mas esconde isso do pai que não suportaria
ter um filho "fura-greve". Pensando no casamento e no filho de Maria,
ele planeja junto com um amigo não aderir aos planos do pai, por medo de perder
o emprego. A peça narra essa tensão familiar, em que de um lado Otávio
planeja uma greve e na mesma casa, seu filho planejar boicotar essa ideia, a
medida que intercala cenas que mostram o cotidiano difícil das pessoas que
vivem ali.
Romana, é esposa de Otávio, trabalha como dona de casa e parece estar
sempre irritada pela dureza desse serviço. Ela está sempre comentando como faz
tudo na casa, lava, cozinha, cuida de tudo sozinha. Algo que, a meu ver, é
naturalizado como se fosse "trabalho de mulher".
A peça trata de um assunto ainda
interessante e atual: a exploração da classe trabalhadora. No entanto, dentro
do contexto em que foi escrita, hoje esse tema pediria outra abordagem. Por
exemplo, a questão da greve em fábricas. Infelizmente é um recurso raramente
usado pelos sindicatos, hoje. As greves atualmente são mais comuns nos setores
públicos do que privados, talvez a peça até mostre como hoje o trabalhador
perdeu essa força de organização dessa época, a ponto de não acreditar mais tão
ferozmente como Otávio, no poder da greve e da união.
Outra questão que aponto é que mesmo que a peça tenha um cunho
político, acho que se perde no drama familiar. Algumas cenas, como as de
Chiquinho, eu achei sem importância. E a briga entre pai e filho fica um tom um
tanto fervoroso demais e o assunto político parece ficar em segundo plano,
mesmo que a briga tenha sido motivada por uma questão política. Penso também
que o personagem de Tião poderia ser mais complexo, do que apenas ser tratado
como um covarde, entendo que na época esse era o pensamento da esquerda, mas a
peça acaba ficando muito dualista, dividia entre quem é o bom ou o mal.
A questão da opressão da mulher como trabalhadora é algo ausente,
Romana poderia ser uma personagem muito mais profunda, mas é reduzida a ser uma
"dona de casa" como se isso não a fizesse também uma trabalhadora.
Naquela época, creio que a esquerda não enxergava que as mulheres que trabalham
em casa também faziam parte da classe trabalhadora e por mais que Romana
denuncie a exploração que passa, não fica claro a rede de opressão na qual todos
estão envolvidos: Otávio é explorado pelo patrão, e Romana é explorada pelo
patriarcado, que dentro de casa é representado pelos filhos, todos homens, que
em nenhum momento dividem com ela esse serviço, naturalizando o trabalho
doméstico como função de mulher.
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