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13.4.20

[Resenha] Santa Joana dos Matadouros - Bertolt Brecht


Tendo como tema principal a crise capitalista e as contradições desse sistema, Brecht expõe o ciclo de prosperidade, superprodução, desemprego, quebras e nova concentração de capital desse sistema. O texto busca explicar do ponto de vista de um crítico ao capitalismo, assumidamente marxista que o nosso mundo como ele é, se sustenta pelas desigualdades sociais e exploração: os de cima só se mantêm em cima, pois existem os de baixo que permanecem em baixo, mas que isso também leva ao colapso, só se reestruturando novamente pela morte (literalmente) de alguns.
 A peça foi escrita entre 1929 e 1931, no período do crash da bolsa de valores que atingiu o mundo todo e se passa em Chicago, mas continua tão atual como se tivesse sido escrita ontem, afinal, nada mudou mesmo esse tempo todo.
O cenário é o mercado de carnes dos EUA, Bocarra é um grande magnata dos enlatados, que diante da crise econômica consegue um modo de sair ileso usando dos joguetes empresariais exploratórios. Um de seus adversários, Lenoox, fecha sua fábrica deixando os trabalhadores sem emprego. Joana Dark é uma inocente idealista, que ao ver a situação dos desempregados decide tentar entender os motivos de tudo isso. Nessa decida as profundezas das camadas sociais, tenta ajudar os trabalhadores. Os Boinas Pretas é grupo o qual ela fazia parte, uma organização religiosa, que acaba por se aliar a Bocarra.
Mas nada em Brecht é dividido entre bons e maus, todos os personagens tem suas contradições, pois é pela análise dialética das contradições que Brecht quer que o expectador entenda as questões sociais. Portanto, não é uma peça sobre "quem", mas sobre "o que". O assunto, o capitalismo, este é o personagem central. Não é uma peça fácil de ler, pois é mesmo quase uma aula de economia, porém escrita toda em versos, é por seu tom poético e sensível, característicos do teatro brechtiano que aprendemos pela arte.

8.4.20

[Resenha] O Beijo no Asfalto - Nelson Rodrigues


A peça se passa nos anos 60 e trata de um homem, Arandir, atendendo ao último pedido de um desconhecido que acabara de ser atropelado, o beija na frente de todos. O caso vira manchete de uma matéria conduzida por um jornalista corrupto e inescrupuloso, apoiado por um delegado, que usa de seu abuso de poder para convencer a todos que o homem conhecia o morto e era seu amante, isso tudo para abafar o caso de ele ter agredido uma mulher. Esse detalhe da agressão passa MUITO despercebido, em nenhuma sinopse da peça fala sobre isso, focando apenas no tabu sobre o personagem ser ou não gay e no desenrolar da história, com insinuações incestuosas. Além disso, o policial e o jornalista assediam sexualmente a esposa de Arandir, ao obrigá-la a ficar nua num "depoimento" na casa do jornalista!

Assim, é uma peça que de certo modo não cabe dizer se "gostei". Mas, esse parece ter sido mesmo o objetivo de Nelson Rodrigues, ele próprio afirmava fazer um teatro desagradável. Cheguei a pensa que o dramaturgo quisesse apenas escancarar a prodridão e hipocrisia humana, o que de certa forma consegue. 

Por outro lado, acredito que a forma do drama burguês já é ultrapassada para tratar a realidade. Para  denunciar a violência, na era da imagem, histórias violentas que só existem para chocar será que bastam? 

Desde o surgimento do teatro épico, é sabido que a arte pode ir além disso. O drama da "vida como ela é" naturaliza a violência ao invés de criticá-la. 

No anos 60, Nelson Rodrigues pode ter feito um bom trabalho ao retratar personagens corruptos, preconceituosos, hipócritas, homofóbicos e machistas - é disso que trata Beijo no Asfalto -  visto que de fato, há 60 anos, a arte não se preocupava em falar desses temas. Porém, revisitando a obra para o contexto atual, não basta mais desmascarar as coisas, simples e cru. 
Acredito numa arte que não só mostra, mas critica, e isso o drama tradicional na forma, mas subversivo no conteúdo, não soube fazer. 

6.4.20

[Resenha] Eles Não Usam Black - Tie - Gianfresco Guarnieri




A peça "Eles não usam bleque tai" (às vezes grafada "black-tie") traz a temática político-social dentro de um drama familiar. A história se passa numa favela e retrata a realidade dos moradores ao mesmo tempo em que mostra a organização de uma greve por parte de Otávio, morador do lugar e operário da fábrica próxima à comunidade. Tião, seu filho, também trabalha na fábrica, está preste a se casar com Maria, que está grávida dele. Tião não concorda com a greve, mas esconde isso do pai que não suportaria ter um filho "fura-greve". Pensando no casamento e no filho de Maria, ele planeja junto com um amigo não aderir aos planos do pai, por medo de perder o emprego. A peça narra essa tensão familiar, em que de um lado Otávio planeja uma greve e na mesma casa, seu filho planejar boicotar essa ideia, a medida que intercala cenas que mostram o cotidiano difícil das pessoas que vivem ali.

Romana, é esposa de Otávio, trabalha como dona de casa e parece estar sempre irritada pela dureza desse serviço. Ela está sempre comentando como faz tudo na casa, lava, cozinha, cuida de tudo sozinha. Algo que, a meu ver, é naturalizado como se fosse "trabalho de mulher". 

A peça trata de um assunto ainda interessante e atual: a exploração da classe trabalhadora. No entanto, dentro do contexto em que foi escrita, hoje esse tema pediria outra abordagem. Por exemplo, a questão da greve em fábricas. Infelizmente é um recurso raramente usado pelos sindicatos, hoje. As greves atualmente são mais comuns nos setores públicos do que privados, talvez a peça até mostre como hoje o trabalhador perdeu essa força de organização dessa época, a ponto de não acreditar mais tão ferozmente como Otávio, no poder da greve e da união.

Outra questão que aponto é que mesmo que a peça tenha um cunho político, acho que se perde no drama familiar. Algumas cenas, como as de Chiquinho, eu achei sem importância. E a briga entre pai e filho fica um tom um tanto fervoroso demais e o assunto político parece ficar em segundo plano, mesmo que a briga tenha sido motivada por uma questão política. Penso também que o personagem de Tião poderia ser mais complexo, do que apenas ser tratado como um covarde, entendo que na época esse era o pensamento da esquerda, mas a peça acaba ficando muito dualista, dividia entre quem é o bom ou o mal.

A questão da opressão da mulher como trabalhadora é algo ausente, Romana poderia ser uma personagem muito mais profunda, mas é reduzida a ser uma "dona de casa" como se isso não a fizesse também uma trabalhadora. Naquela época, creio que a esquerda não enxergava que as mulheres que trabalham em casa também faziam parte da classe trabalhadora e por mais que Romana denuncie a exploração que passa, não fica claro a rede de opressão na qual todos estão envolvidos: Otávio é explorado pelo patrão, e Romana é explorada pelo patriarcado, que dentro de casa é representado pelos filhos, todos homens, que em nenhum momento dividem com ela esse serviço, naturalizando o trabalho doméstico como função de mulher.

26.12.17

Livros Teóricos [Fichamento] - Jogar, Representar

"Toda representação se inscreve noo interior de um sistema, se dá como reconhecimento da mentira. Portanto, não se faz "teatro", sem nunca se perguntar de qual teatro se trata e sem saber que ele pode assumir formas muito diferentes." (Cap. Referência para uma teatralidade discreta - pg.107)

Trabalho a partir de textos


  • Texto/pretexto: o texto deve ser escolhido pelo seu "sentido", pela sua rede temática.
  • Texto integral? Não é mais interessante, isolar um excerto curto para dramatizar?
  • Texto para dramatizar: Passagem de uma forma não-dramática a uma forma dramática se todas as resistências forem encaradas. Considerar o texto por si mesmo.
  • Conjunto de textos: uma colaem em torno de um tema.
(pg. 183, 184)



Processos de trabalho sobre uma sequência de um texto dramático

  • o espaço escolhido: grande/pequeno. Proximidade/afastamento entre os atores ou dos expectadores.
  • materialidade do jogo: não se olham ou se tocam/ou nunca deixam de se olhar. ritmo: lento/rápido.
etc...

Nenhuma desssas instruções corresponde de fato a uma intenção de encenação. Elas se destinam a abrir perspectivas aos jogadores que entreveem ao mesmo tempo a relação com o sentido, mesmo que não conheçam o texto completo. (pg. 187.188)


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