Agora é ivunerável como os deuses.
Nada na terra pode ferí-lo, nem o desamor de uma mulher,
nem a tísica, nem as ansiedades do verso, nem
essa coisa branca, a lua, que já não tem de fixar em
palavras.
Caminha lentamente sob tílicas; olha as balaustradas e as
portas, não para lembrá-las.
Já sabe quantas noites e quantas manhã lhe faltam.
Sua vontade lhe impôs uma disciplina precisa. Executará
determinados atos, atravessará previstas esquinas,
tocará em uma árvore ou em uma grade, para que o
futuro seja tão irrevogável como o passado.
Age dessa maneira para que o fato que deseja e que teme
outra coisa não seja que o termo final de uma série.
Caminha pela rua 49; pensa que nunca atravessará este ou
aquele pátio lateral.
Sem que suspeitassem, já se despedira de muitos amigos.
Pensa no que nunca saberá, se o dia seguinte será um dia
de chuva.
Passa por um conhecido e lhe faz uma brincadeira. Sabe que
esse episódio será, durante um certo tempo, mera
lembrança.
Agora é ivunerável como os mortos.
Na hora fixada, subirá por alguns degraus de mármore (Isto
perdurará na memória de outros.)
Descerá ao lavatório; no piso axedrezado a água apagará
rapidamente o sangue. O espelho o aguarda.
Ajeitará o cabelo, ajustará o nó da gravata (sempre foi um
pouco dândi, como condiz a um jovem poeta) e procurará
imaginar que o outro, o do cristal, executa os
atos que ele, seu duplo, repete-os. A mão não lhe
tremerá quando ocorrer o último gesto. Docilmente,
magicamente, já terá enconstado a arma contra a têmpora.
Assim, creio, aconteceram as coisas.
[Jorge Luis Borges in Elogio da sombra]
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