20.2.18

[Impressão] Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca - Lenildo Gomes




Lenildo me supreendeu primeiramente pela forma, ao abrir o livro pensei que me deparava com um livro de poemas, mas ao olhar a catalogação dizia ser um livro de contos. Aceitei a proposta. Acho que entrar em contato com a arte primeiramente precede apertar as mãos. Se você não conseguiu apertar as mãos com o artista, bem, paciência. Mas há de se ter esse acordo entre quem lê e quem escreve, esse convite ao abismo é o que me encanta, quando o autor diz "E ai? Vamo nessa?". Então, meu caro, ou você pula e curte a queda ou fica lá olhando de cima da montanha sem mergulhar. Mas às vezes tá ok, a gente não consegue embarcar na onda do autor. Tá tudo bem também. 

Uma noite de bebedeira, tentando esquecer você, um suícidio, um não morrer, mais uma vez ou talvez eu toque uma música do Elliot Smith
" I see you're leaving me and taking up with the enemy // The cold comfort of the in between // A little less than a human being // A little less than a happy high // A little less than a suicide // The only things that you really tried This is not my life "

Essas são algumas das imagens-sensações que me chegaram com os contos-poemas de Lenildo Gomes, em seu curto livro de nome extenso "Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca". O livro contém ilustrações de Raisa Christina e traz textos escritos desde 2006 a 2015, publicados no blog do autor: "Entre os Olhos". Como Vacander Brito fala no prefácio, "esse não é um livro para vencedores".

O livro é dividido em quatro partes que não se dividem, mas se complementam a cada página a mais lida. Talvez as divisões existam só como forma de captular as histórias que parecem acontecer em várias partes do mundo ou todas no mesmo bloco de algum prédio de uma métropole barulhenta e estranha. Música ao fundo é um livro noturno, de personagens que mesmo quando acordam trazem nos olhos os pesadelos da madrugada mal dormida, ou a madrugada nem dormida. 
Em Música ao fundo, penso, que nem tem ninguém acordado ainda. As pessoas que habitam esses micro-contos vagam entre os humanos tentando se encaixar numa vida habitual, normal, e falham, sempre mais uma vez.

Como nos diz o irlandês Samuel Beckett "Sempre tentei, sempre falhei. Não importa. Tente de novo, falhe de novo, falhe melhor"

Os micro-contos de Lenildo não são nada demais, digo com sinceridade, se assim você quiser colocar, porque as pessoas sempre querem saber "qual o diferencial disso" ou "se é algo demais ou de menos", me pergunto em relação a que, a medida do que é "demais ou de menos" é cada um qu dá, mas enfim.

Os contos falam em geral de amores perdidos, de gente depressiva, bêbada, ouvindo alguma música triste sozinho em casa. São anotações rápidas, de cenas curtas, por vezes é só uma cor, outras uma única e singular imagem, em alguns momentos ele fala do silêncio de um telefonema recusado, angústias cheias de fumaça e álcool, acompanhadas de músicas intimistas. Sabe aquele dia fracassado que você quer só esquecer? Lenildo não esqueceu, e até escreveu sobre ele. Aquele dia sem importância que não valeu a pena ter sido vivido. Para Lenildo valeu ser escrito. E isso me toca.

Pois tudo isso é meio como eu, ou como você e se não for como você vai ser como alguém em algum lugar fazendo exatamente isso da vida. E por isso importa, esse livro importou para mim porque foi escrito. Uma constatação, ele se materializou. 

As imagens que Raisa coloca no livro ilustram ainda mais essa sensação norturna, soturna, sombria, penetrante. Os personagens que Raisa desenha nos olham de frente, algumas estão nuas mais que fisicamente, outras trazem animais ferozes consigo, são personagens prontas para. Seus olhos nos dizem que o furacão já passou ou que pelo contrário, ainda vem muita tempestade pela frente.


Título: Música ao fundo, poucos acordes, uma voz rouca
Autor: Lenildo Gomes
/ 2017
Projeto apoiado pelo programa produção e publicação em Artes 2017 de Fortaleza - instituto bela vista / secultfor

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