"Apenas a autobiografia é literatura, os romances são a casca, e, ao final, chega-se ao caroço: ou eu, ou você"
Essa é a epígrafe do livro
"Sou dona da minha alma - o segredo de Virginia Woolf", biografia da
autora escrita por Nadia Fusini.
Ao começar a ler esta biografia
senti certo estranhamento, o tom de Nadia Fusini me era muito incomum a esse
gênero literário. Mas ao decorrer da leitura estava completamente fascinada e
entendi que mesmo tendo existido de fato, um artista é também um personagem de um
romance, que é a própria vida. O que Nadia como biógrafa fez, foi nos contar
não somente a história de vida dessa personagem chamada Virginia Woolf, mas por
meio de sua pesquisa ela conseguiu adentrar em pensamentos e sentimentos da
autora durante certos períodos, ela ousa até mesmo nos trazer questões,
dúvidas, inquietações intimas que Virginia inclusive escondia. Mas como? Você
pode acusar, "Isso não é biografia, isso é ficção". E foi então que
percebi a chave dessa biografia, ou da vida: e não é tudo meio real, meio
ficção? Quanto de realidade realmente vivemos, ou quanto de ficção deixamos de
viver, e confessamos a diários, cartas, amigos. Pois foi por meio desses
documentos e de seus maiores testamentos, seus romances, que Nadia Fusini nos
convida a tentar descobrir o segredo de Virginia Woolf.
Assim, Fusini não é apenas
alguém que coletou dados já existentes da vida de outra pessoa e depois colocou
tudo no papel, Fusini se torna também romancista da vida de Virginia Woolf, e
para além do interesse em saber quem foi esta mulher, nos envolvemos também
pela escrita de Nadia Fusini. Em um certo momento, parece que conhecemos e
desconhecemos Virginia, ela parece real e inventada, e talvez alguns possam
reclamar o tom mais poético da escrita de uma biografia, que deveria se ater
aos fatos somente, mas o que Fusini faz é uma belíssima homenagem a Virginia,
transformando-a em uma persona viva no papel.
Foi por meio dessa biografia
que tive vontade de ler os livros de Woolf não exatamente cronologicamente, mas
dar inicio a cada leitura na data de lançamento dos livros. Fusini conseguiu
passar a ansiedade de Virginia nesses momentos, os dias de lançamento dos
livros eram dias intensos e angustiantes, sempre muito dependente da aceitação
alheia, Virginia esperava a aprovação como sua tábua de salvação, ao mesmo
tempo que duvida de todo seu sucesso e dos elogios que recebeu.
O grande marco dessa biografia
é que para Fusini, tudo que precisamos saber sobre Virginia está em seus
livros, como diz a epígrafe. Ao analisar o período de escrita de cada romance
tendo como apoio diários e cartas, tanto dela como de pessoas próximas a elas,
Nadia nos traz conexões entre personagens reais da vida da autora e os
"criados" por ela, revelando que o que Virginia fazia era na verdade
ressuscitar os mortos, clonar os vivos, desvendar-lhes seus segredos mais
profundos.
Não teria como Virginia escavar
tanto na alma humana como fez escrevendo de outro modo. Há de ser estranha, há
de ser em fluxo, há de ser vertiginoso. Virginia não estava interessada só na
concretude e materialidade das ações, em pontuar fatos. Quando decidia se
dedicar a um livro, e os processos eram longos, Virginia submergia no mundo dos
mortos para tirar deles o que eles não mostraram em vida. Virginia conseguia,
como bruxa (assim a disse Vita), revelar o que eles escondiam deles mesmos, e
nós, seus leitores, sentimos também que ela nos revela como se tivéssemos
vivido outras encarnações.
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