18.7.19

Os detetives



Como um labirinto, eu poderia começar a contar o enredo de Os Detetives Selvagens de vários pontos e o mais importante a dizer: um livro não é seu enredo. Mas claro que a estrutura de Os Detetives importa e chama atenção, no entanto há muito mais.
Vamos lá (voz monótona de callcenter repetindo a mesma frase pela trigésima vez ao dia): o livro é divido em 3 partes. A primeira escrita em forma de diário se inicia em 1975, narrada pelo personagem Garcia Madero, um jovem universitário de 17 anos aspirante a poeta que se torna amigo (meio obcecado) de um grupo de poetas que (re)criaram o movimento chamado "realismo visceral", inspirado em outro grupo de poetas dos anos 20 com o mesmo nome. Os novos reais visceralistas (da história atual) inicialmente parecem ter como "cabeças" dois rapazes: Arturo Belano e Ulisses Lima. Nos dias que passam contados pelo ponto de vista de García Madero, conhecemos outros jovens poetas de uma geração cheia de poesia, psicodelia e intensidade. 



Essa parte, porém, me incomodou bastante, pois Madero tem um olhar muito machista com as mulheres que conhece e como só vemos as situações a partir dele, perdemos a visão de como as mulheres pensavam na mesma situação. As mulheres são muito objetificadas sexualmente, poderia dizer que é a puberdade, um jovem de 17 anos completamente no cio, mas acho que é coisa de homem mesmo.

Algo que muda na segunda parte quando a história é narrada por 50 personagens diferentes e foi quando me encantei com o livro. A primeira parte pode chegar a ser um pouco cansativa, mas não desista, o melhor está por vir. Eu nem sei se Os Detetives Selvagens é um romance, pra mim ele é um longo poema de amor a poesia.


A segunda parte do livro começa em 1976, é narrada como fragmentos de depoimentos dados por cerca de 50 personagens que encontram Ulisses Lima e Arturo Belano pelo mundo, nessa parte eu acabei mordendo minha língua, fiquei totalmente presa nas historias contadas e nesse momento pude dizer: que livro! Muita gente reclama da falta de continuidade das histórias, do formato e alguns chegaram a dizer que eram desnecessárias. O que eu achei mais incrível foi Bolaño provocar todo esse questionamento mesmo, chutar o balde para a forma de romance convencional, eu adoro experimentalismo em narrativas, amo quando o autor me deixa mesmo no vácuo, sem explicação nenhuma, porque assim é a vida, minha gente! Não conseguimos explicar tudo que acontece, as pessoas chegam do nada e somem do nada das nossas vidas. 



E toda essa beleza, mistério e emoção que é viver, Bolaño consegue passar nesses fragmentos. A vida acontecendo, a poesia lutando para sobreviver  respirando por tubos em meio ao mundo que não acredita nos poetas, é disso que trata Os Detetives Selvagens. Durante os anos que são contados os depoimentos sabemos como alguns personagens se conheceram e pela perspectiva de cada um, o que aconteceu na vida deles durante uma década. Essa parte termina meio abruptamente e entramos na terceira que continua exatamente de onde terminou a primeira voltando para os diários de García Madero. Dessa vez eu achei muito melhor, talvez porque ele falou menos o que pensava, as mulheres tiveram muito mais voz nessa parte. Não vou dizer os detalhes, pois seria muito spoiler, mas diferente da primeira, não tem como não se emocionar com o desfecho da trajetória de Ulisses e Arturo e seus amigos, e todo o simbolismo dessa viagem em busca do sentido do que é ser poeta num mundo caduco. 


Acho que pra mim, por ser escritora, artista, no final o livro se tornou muito importante. Poderia deslocar o grupo dos reais visceralistas para outras épocas e lugares, fiquei pensando na minha cidade, na minha geração de artistas, nas pessoas ao meu redor também sonhando, buscando o significado do que fazem, quebrando a cara, voltando ou as que não voltaram mais. 

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