Você já abriu um livro que te abocanhou inteiro? Você já leu um livro que ruge? Você já leu um livro com garras? Das 1001 coisas que você precisa fazer antes de morrer, eu diria sem sombra de dúvidas que uma delas é ouvir/ler/conhecer/e/ou/fumar um cigarro com Nina Rizzi. Geografia dos Ossos, o livro que supostamente eu me atrevi a comentar nesta plataforma de compartilhamento, foi lançado no Planeta Terra em 2015 e estudos indicam que nosso solo ainda não se recuperou da passagem do fenômeno.
Enquanto escrevo penso "será que estou exagerando?" e dai eu leio homens falando de homens inflando ego de homens que já passaram da conta em séculos de terem seus sacos e egos inflados e volto "não exagero não". Abro um livro de um homem e leio outro homem dizendo "Ele é o maior"; "O maior blablala da America Latina". Abro o livro de Nina Rizzi e digo "Ela é a maior". Sim, é sim.
Por que poupamos elogios a escritoras? A nossas escritoras? Por que poupar elogios à Nina Rizzi?
Mas bem, sobre Geografia dos Ossos... este livro é uma mulher-montanha, foi o que senti. Sabe, daquelas que você vai olhando de longe enquanto percorre a estrada e aos poucos vai se aproximando e aproximando e montanha vai ficando medonha, te engolindo toda... uma montanha que diferente das silenciosas rochas guardando segredos milenares, "nunca aprendi ficar calada, cândida". É poesia que atravessa a carne. É uma mulher que não se adapta, como "os peixeis não se adaptam a barragem". Nina diz que "um verso me martela / abandonar o território conquistado", os seus me martelam todos. Você diz que "o poeta nasceu pronto a ser esquecido", mas você não será Nina, não por mim, não por tantas outras.
sem título, por ser mulher
o que é um homem quando uma mulher é puta?
o que é uma mulher quando um homem goza co’a sua cara?
o que não somos quando é urgente arder e ardemos?
num baile de verbos cospem, amam, avexam, riem,
gozam até que eu seja puta.
o que são eles quando me fazem puta
senão machos gente putos?
eu sou uma puta?
a morte do favelado, réquiem
- motivo para aidan 1.
os buracos vazios de vez
trinta e uma mil balas para pacificação
esturricam no chão
2.
um dia de manhã sentei naquele chão
tão preto tão morto
fechei os olhos garrada em seu sangue seco
e pensei em quem seria
quem foi
ele os invisíveis
abri
como uma refugiada de guerra
uma vaca magra
na fila do abate
3.
ouço as sirenes indo
embora
chegando
como uma marcha de chopin
os pássaros
o que é vivente
estão lá - longe
desse silêncio de mármore
outro carro
mais uma nota na marcha
insinuação de morte
4. perene os vinte um sabores
picolé pipoca algodão doce tapioca
que os meninos se indo
saberão ainda - ausentes
bombas pás
rastros de névoa
aqui acolá
dissipam na floresta de ossos
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