3.10.19

Um Corpo Negro - Lubi Prates



Eu estou escrevendo esse texto, mas eu sei que é pouco o que eu posso dizer, eu só queria registrar como esse livro é importante para que outras pessoas um dia possam lê-lo porque é preciso, ele precisa estar nas escolas, nas ruas, precisa dançar pelo mundo inteiro.

Ao ler Um corpo Negro, dentre as inúmeras sensasções e reflexões uma que me surge é de que o corpo deste livro, é muito mais do o corpo de um livro. Poesia é voar fora da asa, diz Manoel de Barros. A de Lubi Prates além de voar fora da asa, cria as próprias asas e decola, rasgando o céu, buscando cicatrizar os rasgos de outros tempos...

"é nas minhas costas 
que o rasgo abe e sangra cicatriza
mas permanece"

.... deixando um rastro impossível de esquecer com versos que são feitos de tantos rastros marcados nela de um passado mais antigo que seus anos, é assim que Lubi escreve. Mas não escreve só com mãos:

"meu corpo 
é meu lugar 
de fala

e eu falo
com meus cabelos e
meus olhos e
meu nariz. [...]
e eu falo
com minha raça."

E como ela bem diz "aos que vieram antes, aos que virão, aos que caminham juntos". Dizem que ser escritor é um ato solitário. Quando se trata da escrita negra, não se faz poesia que não seja o eco dos cantos de todos aqueles que cantaram antes e os que não puderam cantar também, não puderam gritar. 
"é nas minhas costas 
que eu guardo a história
do antes  silenciado
do depois traçado no agora"

Clarice diz assim "se á o direito de gritar, então eu grito"; ai Clarice, e quando esse direito foi negado por séculos por gente da nossa cor? É quando Lubi me fala:

"você nunca sentiu uma arma
apontada para sua cabeça
enquanto repetia: é um engano
você não é negro, você sempre
esteve em segurança"

Ao fechar o livro, ecoa a pergunta "quando um corpo negro está completo?". Um corpo negro é um livro baque, chora pela dor acenstral, "onde os mares são feitos de lágrimas", falamos em palavras, mas são números que gritam: 75% das vítimas de homícidio no Brasil são negros; a poesia de Lubi Prates seergue carregando o luto estatístico para criar a força de permanecer viva como um corpo negro junto a outros AINDA VIVAS**, que se fazem continente, imensos:

"nos tornamos maiores
que um continente

apenas como nossos corpos
um sobre o outro"

** "AINDA VIVAS" é o nome do mais recente espetáculo do grupo Nóis de Teatro, daqui de Fortaleza, grupo ourindo da periferia da cidade que tem este e outros trabalhos artísticos lindos e fortes sobre denuncia social e racial.


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