9.12.19

Zonas Abissais - Lisiane Forte



Em 2019, 3 mulheres que vivem na minha cidade lançaram livros de poesias, entre tantas outras aqui que também devem ter lançado e pelo mundo. Destaquei as 3, pois os livros remetem nos títulos a elementos marítimos, são eles Sereia em Copo D'água de Nina Rizzi, ÁGUA, de Sara Síntique e Zonas Abissais, de Lisiane Forte, este que vou me deter a falar um pouco mais.

O mar, esse vasto tecido que banha Fortaleza e é fonte incansável de poesia no qual Lisiane Forte vai mergulhando até perder o fôlego e retoma ao lançar seu grito de socorro pelos poemas que temos em mão.

"e eis que entro na gruta mais interior e mais cavada" - anuncia Sophia de Mello Breyner Andressen, outra poeta que trouxe águas profundas para seus versos.

O livro pode se dividir em duas partes, se assim o leitor quiser interpretar, "Mulher-pássaro" e "Mulher-peixe". A autora dedica o livro a todas as mulheres e a seus dois filhos. O eu-lírico anuncia "ouço todos os suspiros / das mulheres incompreendidas". 

Talvez, por se fazer eco das vozes de mulheres incompreendidas, mesmo eu sendo mulher, senti algumas vezes grande dificuldade de nadar nas águas dos poemas de Lisiane e isso não deve ser interpretado como algo negativo. 

Tivemos nos últimos tempos um boom de poetas jovens que escrevem para a internet e aproximaram pela facilidade de compreender o sentimento que falavam leitores que não gostavam de poesia. Algo que penso ter suas vantagens, mas que por outro lado pode ter nos acostumados a uma poesia muito "simples" e a estranhar ao nos deparar com águas mais turvas ou achar que um livro "difícil" de ler é algo ruim. Não vou dizer que achei uma leitura fluída, pois não vou, mas nem tampouco vi isso como um problema.




Zonas Abissais é desses livros de águas misteriosas, em que precisei ler e reler algumas vezes, parar, respirar, tomar ar pra começar a enxergar por onde Lisiane queria me levar. Afinal, a escritora mesma avisa que é "este mar profundo que há em mim/e que em mar profundo me orienta". a voz diz  "ainda escuto vozes / e desperto feras". E ao longo da leitura você percebe que não é um canto de sereia que ouvimos, mas sim o uivo de uma monstra marítima, como bem afirma nina rizzi na apresentação do livro. 

Nessa poesia de profundis, Lisiane tira das chamas todas as mulheres acusadas de serem profundas demais, complicadas demais, sensíveis demais, demais demais. Sua poesia é sim demais, e é muito, e é imensa, poesia "da mulher que abocanha todos os sentidos,/e que nada sabia dos finitos". 

Em Zonas Abissais, Lisiane Forte rejeita o raso da alma, quer criar novas raízes: "de que formas se criam novas raízes?" foi uma pergunta que latejou em mim. Mesmo parecendo meio obtusa, com certeza algum verso ou vários, te tocam como caldas de águas vivas. Um dos que mais me tocou começa assim "o distante é um mundo abstrato, fundo / e cada vez mais escuro", eu, com minha melancolia presente, quantas vezes viro essa fera de olhos doces, que se esconde em camadas tentando cobrir minhas dores, afundo, fico distante, recuso palavra, e é na poesia que esses seres de zonas abissais podem existir incapturáveis talvez, mas inesquecíveis. 




Agora, relendo para escrever esse texto, entendo que Zonas Abissais fala muito de quantas vezes morremos e afundando no desconhecido dos nossos próprios lamentos, tentamos ser ouvida por alguém lá em cima, por pessoas que nadam no raso, enquanto como também disse Sylvia Plath "Conheço o fundo, ela diz. Conheço com minha própria raiz. / Você temia isso. / Eu não: já estive lá.". Fala pela voz de quem se debate em escamas, que se desfazem para criar novas peles sempre que necessário, fala para continuar a existir, a ser tudo que devemos ser. 

Lançado pela editora Aliás, o livro também contém ilustrações de Raísa Christina e fotografias de Bruna Sombra.




Lido em: 09/12/2019


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