Em Abril Despedaçado entramos em contato com a vida dos montanheses na Albânia, a história se passa por volta de 1930, num lugar chamado Rrfrash em que toda a vida dos habitantes é regida pelo Kanun, um código moral. Umas das imposições do código é que os conflitos e "tratos" são resolvidos em vermelho, com sangue. Se alguém de um clã é assassinato, outro homem do clã do morto tem que vingar essa morte, e depois disso o outro clã também se vingará - matando novamente alguém do primeiro clã, formando uma cadeia de vingança sem trégua, a não ser que alguém de algum dos clãs peça, o que raramente ocorre.
A sensação que tive é de caminhar por um lugar árido, ao mesmo tempo frio em que o cheiro de sangue se espalha no ar.
O Kanun é a lei suprema num lugar que recusou qualquer outra invenção legislativa que se tenha sido criada com aparência de "civilidade". Todos os habitantes obedecem fielmente ao código e mesmo que não concordem, acabam por não ter como escapar dessas amarras, é assim que somos apresentados ao nosso protagonista: Gjorg Berisha, um rapaz que precisa vingar a morte do irmão, mas se questiona todo o tempo sobre as imposições do código, ao mesmo tempo que não vê como enfrentar as regras.
Gjorg se torna um gjaks (aquele que mata pela vingança do sangue do clã) e depois disso Gjorg tem 28 dias de bessa (tempo dado para que o "assassino" possa viver antes de se preparar para ser morto). Nesse tempo chega ao lugar, um casal de estrangeiros recém casados: um escritor, que escreveu sobre o lugar e sua esposa, colocada como bela enigmática. (meio cliché né).
A escolha de colocar esses personagens foi, a meu ver, o ponto fraco do romance. Os diálogos entre os dois são maçantes e o objetivo deles no lugar também é vazio, o autor tentou criar uma tensão sexual entre Diana (a esposa) e Gjorge que não se sustenta. Achei que a personagem Diana poderia ter começado a ficar mais interessante, mas é fracamente desenvolvida em comparação a Gjorg, talvez pelo livro ser curto. Fiquei um pouco desinteressada no meio livro, mas o final é escrito de forma tão bonita que compensa passar por essa essa espécie de aridez literária.
O livro acaba sendo um road romance e eu gosto bastante desse tipo de construção, de acompanhar o caminhar e a travessia do personagem enquanto tem seus 28 dias de vida em que não sabe se acabará no vigésimo novo dia em que acabou com a vida de outro ou se terá mais alguns dias ou que minutos lhe restará, e restando esses minutos o que ele poderia fazer numa vida já traçada antes dele nascer? Gjorg Berisha vaga pelas montanhas albenezas e todo o cenário juntamente com os questionamentos do personagem se tornam uma metáfora bonita: pessoas com destinos traçados para além de seus desejos, montanhas de regras e condutas que se erguem maiores do que seus sonhos, a impossibilidade de ser um, num lugar em que o rosto de quem morre e de quem mata se confundo em vermelho.
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Tive interesse em ler Abril Despedaçado primeiramente pelo filme, que não vi, mas me comprometi a ler o livro antes de assistir, depois por conhecer o desafio Lendo o Mundo do blog @viaggiando e por fim, num dezembro de 2017 eu e alguns amigos resolvemos emprestar uns livros uns aos outros e eu peguei esse, que só fui ler mais de um ano depois (ainda bem que o Filipe confia em mim). Então, precisando ler um livro curto e querendo devolver essa dívida, iniciei meu percurso com Ismail Kadaré.
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