29.5.20
Chamadas Telefônicas - Roberto Bolaño
Saio mais uma vez apaixonada e com raiva do Bolaño ao mesmo tempo. Amo sua sensibilidade para falar de arte, da literatura e esse desespero latino americano meio Belchior de ser poeta e não ter onde cair morto. Mas como muitas de suas personagens, dá vontade de abandoná-lo depois de ligação estranha quando ele começa a falar de mulheres. O incomodo surge muitas vezes, porque a visão de seus personagens masculinos das mulheres é sempre com algum envolvimento sexual e ele parece sugerir a ideia - bem masculina - de que uma mulher livre, aventureira e fora do convencional é aquela que transa com todo mundo. Bolaño na sua limitação machista (ui, não pode chamar mais nenhum autor que é bom de machista né? Se for latino-americano piorou) - sim gente, ele é machista, você é machista, todos os homens são, vamo parar de mimimi ta (risos), parece não enxergar que as amarras sociais que prendem uma mulher não se rompem com a quantidade de parceiros que ela faz amor (como ele diz) e abandona. Talvez isso revele também a tristeza dessas relações e não uma libertação. Porque no fundo elas "sabem" que não estão tão livres como pensam. Em alguns momentos as mulheres de Bolaño têm um lampejo de lucidez e apenas vão embora, isso acho interessante. Os contos são literalmente repleto de Chamadas Telefônicas conclusivas nos silêncios e no que não é dito, na aparente falta de objetivo dessas ligações. É das relações mais catastróficas, sem futuro, tristes ou inusitadas que o chileno resolve tirar a matéria para os seus contos. Os personagens se conhecem e se despedem sem maiores mistérios, as amizades começam e acabam com a naturalidade da vida, sem drama, sem explicações, apenas porque é assim "nunca mais o/a vi", é uma frase dita com frequência, ou "soube que morreu meses depois", também é outra. As coisas não se sustentam muito se tratando de seres tão insustentáveis consigo mesmos. Sentimos certa melancolia por tudo isso, mas uma melancolia morna.
28.5.20
Cartas a um jovem poeta de Rilke e a pressa juvenil
A ansiedade juvenil de saber "como fazer algo", "como ser bom rápido" e o desespero em frente a vida acontecendo com todos os seus percalços é uma das milhares de questões que refletimos ao ler as 10 cartas presentes em Cartas a um jovem Poeta.
O ciclo da vida humana que vai de "ter muita pressa - desenvolver ansiedade - e em algum momento entender que tanta pressa é um erro" parece mais latente nos nossos dias, eu sou um reflexo disso.
Vivemos em um mundo cheio de 'dicas' e postagens mastigadas de "como fazer", em que as pessoas pedem conselhos rápidos o tempo todo (às vezes sem nem ler ou ouvir o que acabamos de dizer). Perderam a curiosidade de descobrir coisas por si mesmas, de criar coisas e caminhos por si mesmas, e enfrentamos a sensação de viver por uma sonda gastrointestinal: não queremos mastigar e esperar todo o processo digestivo do organismo, só queremos injetar a vida no nosso estômago, e que de preferência a gente defeque logo para cumprir o protocolo intestinal.
Não temos paciência para ver algum conteúdo com mais de 10 minutos (vi um vídeo com dicas de como começar um canal em que a pessoa dizia para não fazer vídeos com mais de 10 porque as pessoas não iriam assistir), temos a opção de "aumentar a velocidade de um vídeo ou um podcast" para ouvir alguém falando porque de alguma forma aquela pessoa pode estar falando "lento demais", quando é só a... bem fala humana... aumentamos essa velocidade para chegar logo a o final do vídeo e dizer "ufa, pronto, peguei a dica". Nem tampouco nos sobra tempo ou interessem em ler um texto maior que um tweet, e os stories são de 16 segundos e vídeos no igtv de 10 e lives de 1h cansam demais (sim, cansam mesmo, confesso).
Com tudo isso, a leitura desse livro de Rilke se faz essencial e se torna atemporal. Se somos feitos da matéria que são feitas os sonhos, como diz Fernando Pessoa e se O Amor é difícil como nomeou a Tarcila no seu último vídeo como a gente faz o que é difícil ser precioso também?
Como a gente faz o tempo ser precioso? Como tornamos preciosos cada pedacinho dessa matéria de que somos e que foi construída ao longo de muitos muitos segundos que se passaram e que cada um significa um movimento dessa dança da vida.
E se a gente entender a vida mais como uma dança, do que uma escada reta, ou um caminho reto, então... temos o palco inteiro para rodar, ir pra frente e pra trás, pular, rastejar no chão, ficar parada...
Talvez não seja sobre um passo adiante, porque... se pensamos em que é sempre um pé depois do outro... é como se já soubéssemos exatamente como vai ser o fim, - e disso só sabemos que há a morte - será por isso a pressa? Desejamos logo morrer, então?... Onde está o prazer em construir e criar cada passo, em criar a luz no fim do túnel, em criar o que virá, degustando o presente....
Hoje eu falei para minha terapeuta que eu estava sentindo pressa em "melhorar" na terapia, encarei a terapia como um desafio em que eu tinha que comprovar um avanço a cada semana e na minha cabeça... se esse avanço não acontecia, se eu achava que errava d.e novo, se eu fazia algo que me desagradava, era como se estivesse falhando, perdendo, fracassando. Criei uma relação de que tudo precisava ter um resulto... rápido e positivo. Quando o processo de autoconhecimento é tudo, menos rápido e nem sempre indolor
27.5.20
Projeto #Clássicas
Oi pessoal, tudo bem? Sei que é raro alguém ainda acompanhar blogs, mas sempre gosto de escrever por aqui. Hoje eu trago um projeto novo em que quero ler autoras clássicas. Tenho uma grande defasagem com clássicos na minha bagagem literária, mas estou tentando mudar isso aos poucos. No vou focar em livros clássicos escritos por mulheres para tentar ler esse ano ainda. Tenho como inspiração o podcast da Juliana Brina chamado Clássicxs sem classe.
Junho/Julho:: Rainha do Ignoto
Agosto: Úrsula / O Sol é para todos
Setembro: Jane Eyre (Charlotte Brönte)
Outubro: Frankenstein (Mary Shelley)
Novembro: O Morro dos Ventos Uivantes (Emily Brönte)
Dezembro: Mulherzinhas
Esses são livros muito falados por aí, mas que eu ainda não li. Então se você quiser me fazer companhia nesse projeto é só me acompanhar no instagram e no Youtuber e me mandar uma mensagem por lá ou por aqui mesmo. Esse ano eu consegui ler alguns livros clássicos e vou compartilhar aqui
Janeiro: A Viagem (Virginia Woolf) - tem episódio no podcast
Abril: Reflexos num olho dourado (Carson Mccullers) e Bom dia, tristeza (Françoise Sagan)
24.5.20
Cemitério dos Vivos - Lima Barreto
Dia 18 de Maio é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Vejo raros comentários sobre a importância desse assunto na bolha de pessoas que sigo. O lema principal da luta é "por uma sociedade sem manicômios" e tem o objetivo de discutir com a sociedade o tratamento desumano que é dado para pessoas com algum sofrimento mental e inclusive discutir conceitos de normalidade e saúde mental.
Nesse contexto, a leitura de Cemitério dos Vivos nos proporciona ainda hoje uma visão realista e pessoal do cotidiano nos manicômios na época de Lima Barreto, mas que perdurou durante muito tempo e ainda hoje mesmo que os hospícios não existam como instituição, persiste o comportamento manicomial nos agentes de saúde.
Este é um romance inacabado que Lima Barreto escreveu baseado na sua própria experiência em manicômios. Nas partes ficcionais, o escritor imagina uma vida em que o personagem é casado e depois da morte da esposa se vê cheio de dívidas sendo internado num hospício por conta de problemas com o alcoolismo:
"De mim para mim, tenho certeza que não sou louco, mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há 6 anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro."
A obra mostra como os hospícios mais pareciam com depósitos de pessoas que saiam do âmbito do aceitável socialmente e não um ambiente para acolher pessoas com algum sofrimento mental. O manicômio é um lugar para esconder essas pessoas da sociedade e não para ajudá-las. No cotidiano do hospício, como Lima bem descreve, não havia nenhum tratamento terapêutico para os internos, e é descrito como um lugar sem nada para fazer no qual só piorava o estado dos pacientes. Além disso não havia a menor distinção do estado mental de cada um.
Lima Barreto também denuncia a violência policial, e como a polícia age no processo de higienização da população juntamente com o hospício, como já comentei. Nesse ponto é importante frisar sobre a perseguição policial por qual o perfil de quem é considerado vagabundo, "doido" ou alcoólatra que tem tudo a ver com o racismo estrutural e é por isso que tanto no documentário Holocausto Brasileiro como nas pesquisas sobre o sistema carcerário há dados do alto número de pessoas negras nesses lugares.
Mesmo sendo uma obra inacabada, Cemitério dos Vivos é uma leitura que nos prende e nos faz desejar que houvesse tido uma continuidade. O texto fornece uma profunda reflexão sobre o tratamento desumano nos hospícios, algo que a título de informação, só veio mudar com o trabalho de Nise da Silveira e o surgimento da arte terapia que busca investigar a potencialidade criativa das pessoas que frequentam hospitais de saúde mental. Contudo, é preciso dar atenção a luta antimanicomial, pois os hospícios acabaram mas o pensamento manicomial ainda está enraizado na sociedade.
Linha M - Patti Smith
Hoje, no dia do café, não tenho como não lembrar de Patti Smith e e a relação ritualística que ela criou com os cafés (espaços e bebida).
Linha M é composto por memórias de diversas épocas da vida da autora em que ela traz um olhar único, íntimo e mágico sobre muitas questões as quais as experiências de vida que ela teve a levaram a refletir, é um livro de alguém eternamente aberta ao mundo para aprender, alguém que olha o mundo sempre com olhos curiosos e vivos. Um livro que te faz querer ter paixão pela vida mesmo nos momentos mais tristes.
O que isso tudo tem a ver com café? No primeiro capítulo, Patti nos fala sobre o Café 'Ino, lugar em que ela vai todas as manhã, escolhe a mesma mesa para ler e escrever. Além disso, a bebida e o espaço dos cafés estão presentes em muitos outros momentos, buscar um café é um ritual que Patti tem em todo lugar que vai. O café é o terreno de criação e a bebida parece seu combustível.
"Minha mesa e a cadeira do Café 'Ino. Meu portal para onde."
Ler Linha M é se sentir tocado pela imensa sensibilidade que Patti tem acerca da vida e da arte. Além de artista, ela é uma apaixonada por arte, ao longo do livro ela cita diversos artistas que a marcaram de alguma forma, tudo de forma muito singela e sem nenhuma soberba intelectual. Isso mostra pra mim a humildade que ela tem ao compartilhar suas referências e o quanto aprende e cresce com outros artistas.
"Todos os escritores são vagabundos - espero ser considerada uma de vocês um dia."
Ir ao cemitério desses artistas é outro dos rituais que ela cultiva, como que para celebrar a vida que tiveram e o que puderem nos deixar. Patti os faz ainda vivos.
"Todos os escritores são vagabundos - espero ser considerada uma de vocês um dia."
Ir ao cemitério desses artistas é outro dos rituais que ela cultiva, como que para celebrar a vida que tiveram e o que puderem nos deixar. Patti os faz ainda vivos.
"Os mortos falam, nós é que esquecemos de ouví-los"
19.5.20
3 filmes feministas
Cinco Graças:
O filme conta a história de cinco jovens irmãs, órfãs num vilarejo na Turquia, a mil quilômetros de Istambul que passam a sofrer os rigores de uma disciplina rígida, conservadora e castradora. No entanto, Cinco Graças não é um filme pessimista e passa uma mensagem de esperança, luta e coragem.
O documentário analisa como a mídia sensacionalista explorou o caso de feminicídio de Eloá Pimental de 15 anos, cometido em 2009 por Lindemberg Alves de 22. O crime foi amplamente difundido pelos canais de TV e o documentário traz uma crítica sobre a espetacularização da violência e a abordagem da mídia televisiva nos casos de violência contra a mulher, revelando um dos motivos pelo qual o Brasil é o quinto num ranking de países que mais matam mulheres.
O documentário é resultado de um experimento social onde, durante a semana da mulher, uma van-estúdio parou em nove locais em São Paulo e no Rio de Janeiro para coletar depoimentos de mulheres que já foram vítima de algum tipo de assédio. Ao todo, foram 140 relatos de mulheres de 15 a 84 anos, de zonas nobres ou periferias das duas cidades.
9.5.20
Mulheres na Luta - Marta Breen e Jenny Jordahl (parte 1)
Mas hoje faço algumas considerações. De início a HQ coloca as mulheres brancas no mesmo patamar de escravizados e crianças, ela diz que esses três grupos não tinham os mesmos direitos que os homens.
Hoje observo isso com mais atenção, pois, pela visão da autora, as mulheres negras escravizadas estariam na mesma posição de mulheres brancas: sem direito a propriedade em seu nome, impossibilitadas de ganhar seu próprio dinheiro e de votar.
Porém, acho que ter colocado ambas no mesmo patamar de desigualdade apaga o processo de escravidão, em que mulheres brancas, mesmo com menos direitos que homens (brancos), eram vistas socialmente acima dos escravizados, inclusive usando esse degrau um pouco superior para junto ao seus maridos perpetuarem a escravidão.
Claro que existiu no meio disso muitas mulheres brancas abolicionistas e que se recusaram a compactuar com o processo da escravatura. Mas é importante entender que infelizmente não partimos do mesmo local, pois mulheres e crianças brancas ainda eram vistas numa sociedade escravocrata como superiores a pessoas negras. Enquanto ela diz que "mulheres" não podiam fazer faculdade, as mulheres negras estavam sonhando em acabar com a condição de serem propriedade tanto das mulheres brancas como dos homens brancos.
Falando especificadamente da HQ, quando começamos a ler sobre "a história da opressão das mulheres", é apontado questões como o casamento obrigatório, o voto, a falta de educação formal, etc. E o texto é acompanhado de ilustrações de mulheres brancas, claro, pois essas questões eram relacionadas a nós, já que para mulheres negras as coisas eram um poucos diferentes, e piores.
Mesmo impossibilitadas de irem para a faculdade, muitas mulheres brancas podiam aprender a ler e escrever, em casa, enquanto para mulheres negras na mesma época isso era totalmente proibido.
E para se casarem, mulheres negras até tinha a "liberdade" de escolher seus parceiros, mas precisavam pedir permissão aos "senhores e senhoras" e muitas vezes isso era negado. Era na verdade uma falsa liberdade, pois a mulher escravizada "pertencia" ao "senhor de escravos", mesmo que fosse "casada" isso não ia impedir os estupros que ocorriam por parte dos homens brancos. Sem contar as situações em que tinham seus filhos tirados ao serem vendidos para outras fazendas.
Todas essas questões poderiam ter sido abordadas na HQ se a ideia era falar como era o retrato de opressão da mulher no século XIX, mas parece haver uma tendência a começar falando como a sociedade é/era com as mulheres brancas.
Isso significa que é errado falar da condição de mulheres brancas? Que elas não sofriam? Que não era aprisionadas? Que não eram livres também, em certo sentido? Não, não e não. É importante que entendamos as condições de vida das mulheres ao longo dos anos para refletirmos sobre a origem da nossa opressão e valorizarmos as conquistas de hoje. É importante falar como TODAS as mulheres sofreram e sofrem opressões diferentes ao longo do tempo. Mas também observando o uso do termo "mulheres" como universal, principalmente no contexto de raça.
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