24.5.20

Cemitério dos Vivos - Lima Barreto



Dia 18 de Maio é o Dia Nacional da Luta Antimanicomial. Vejo raros comentários sobre a importância desse assunto na bolha de pessoas que sigo. O lema principal da luta é "por uma sociedade sem manicômios" e tem o objetivo de discutir com a sociedade o tratamento desumano que é dado para pessoas com algum sofrimento mental e inclusive discutir conceitos de normalidade e saúde mental.



Nesse contexto, a leitura de Cemitério dos Vivos nos proporciona ainda hoje uma visão realista e pessoal do cotidiano nos manicômios na época de Lima Barreto, mas que perdurou durante muito tempo e ainda hoje mesmo que os hospícios não existam como instituição, persiste o comportamento manicomial nos agentes de saúde.

Este é um romance inacabado que Lima Barreto escreveu baseado na sua própria experiência em manicômios. Nas partes ficcionais, o escritor imagina uma vida em que o personagem é casado e depois da morte da esposa se vê cheio de dívidas sendo internado num hospício por conta de problemas com o alcoolismo: 

"De mim para mim, tenho certeza que não sou louco, mas devido ao álcool, misturado com toda a espécie de apreensões que as dificuldades de minha vida material há 6 anos me assoberbam, de quando em quando dou sinais de loucura: deliro."



A obra mostra como os hospícios mais pareciam com depósitos de pessoas que saiam do âmbito do aceitável socialmente e não um ambiente para acolher pessoas com algum sofrimento mental.  O manicômio é um lugar para esconder essas pessoas da sociedade e não para ajudá-las. No cotidiano do hospício, como Lima bem descreve, não havia nenhum tratamento terapêutico para os internos, e é descrito como um lugar sem nada para fazer no qual só piorava o estado dos pacientes. Além disso não havia a menor distinção do estado mental de cada um. 

Lima Barreto também denuncia a violência policial, e como a polícia age no processo de higienização da população juntamente com o hospício, como já comentei. Nesse ponto é importante frisar sobre a perseguição policial por qual o perfil de quem é considerado vagabundo, "doido" ou alcoólatra que tem tudo a ver com o racismo estrutural e é por isso que tanto no documentário Holocausto Brasileiro como nas pesquisas sobre o sistema carcerário há dados do alto número de pessoas negras nesses lugares. 



Mesmo sendo uma obra inacabada, Cemitério dos Vivos é uma leitura que nos prende e nos faz desejar que houvesse tido uma continuidade. O texto fornece uma profunda reflexão sobre o tratamento desumano nos hospícios, algo que a título de informação, só veio mudar com o trabalho de Nise da Silveira e o surgimento da arte terapia que busca investigar a potencialidade criativa das pessoas que frequentam hospitais de saúde mental. Contudo, é preciso dar atenção a luta antimanicomial, pois os hospícios acabaram mas o pensamento manicomial ainda está enraizado na sociedade.

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