6.8.18

[Comentário] A Mãe, Máximo Gorki




Além da geração de escritores notáveis que ganharam projeção mundial: Dostoiévski, Tolstoi, Tchekhov ... Um dos mais consistentes, que transmite com uma força impressionante a sofrida e miserável realidade do povo russo, do começo do século passado, é Máximo Gorki.

A Mãe é um romance que foi escrito em 1907, inspirado em acontecimentos reais: a manifestação do 1º de Maio de 1902, na cidade de Sormovo, e o subsequente julgamento dos jovens trabalhadores pela repressão czarista.


Duas coisas são muito interessantes sobre esse livro e seu autor:


1. O romance é extremamente atual, mesmo sendo escrito no começo do século XX sobre um acontecimento num lugar específico, os pensamentos ideológicos de repressão são facilmente identificados hoje em qualquer lugar no mundo. Até mesmo a ideia de "bandido bom é bandido morto" é encontrada no livro. Quando os jovens são presos, dito como "baderneiros" e criminosos, muitas pessoas comuns (os cidadãos de bem), afirmam que merecem mesmo morrer. Fiquei assustada e triste de entender que tanto anos depois, esse tipo de pensamento ainda continua vivíssimo. Isso não faz de Gorki um homem a frente de seu tempo ou visionário, e sim um exímio observado de seu tempo. Creio inclusive que ele esperava que esse tipo de ideia não seguisse tantas décadas depois.

2. Não se trata de uma obra escrita por um intelectual burguês. Por que frisar isso? Não que uma que tivesse sido escrita por um burguês perderia o valor, mas pra mim é um ganho que Gorki tenha escrito seu romance observando a vida real, cotidiana de trabalhadores iguais a ele. 

Sinopse: A Mãe narra a trajetória da revolucionária Pelagea, mãe do operário e revolucionário Pavel, No inicio do romance vemos uma mulher oprimida, que sofre violência doméstica do marido (também operário), até mesmo esquecer quem ela era antes dessa vida de humilhação. O marido morre e Pavel começa a se engajar na luta socialista contra o czar, a favor de melhores condições para os trabalhadores. Aos poucos, a mãe também vai se engajando na luta, entendendo que faz parte disso, que a luta também é dela. Pelagea se torna uma revolucionária destemida e inspiradora para muitos outros camaradas.

Impressão: Gorki é chamado o fundador da literatura russa de cunho social e esse romance tem uma importância história imensa. Apesar de que (para mim) ter sido uma leitura um tanto extensa, levei 4 meses para terminá-lo, entre pausas longas, ao fim pude perceber o quão inspiradora e necessária essa obra ainda é. O autor consegue abordar um pouco da relação entre gênero e classe. Pois geralmente temos homens como símbolos e ícones do socialismo. Nesse livro, há diversas personagens mulheres militantes, além do destaque da própria Mãe, que pode parecer ficar "à sombra" do filho e dos outros camaradas, mas vai apresentando uma crescente de independência e se fortalecendo como mulher revolucionária ao longo da história. A leitura às vezes é um pouco desgastante por trazer o estilo naturalista socialista, com umas passagens a meu ver um pouco sentimentais "demais", e há alguns "desvios" como a insinuação de um romance entre os militantes. Essa minha visão se dá por influência de Brecht, dramaturgo alemão que adaptou a obra para o teatro, focando mais no lado social e excluindo muitas cenas mais "sentimentais". Estou falando tudo isso de forma bem simples, mas existe um estudo mais profundo sobre a adaptação "A Mãe", de Brecht,



"Somos socialistas. Significa isto que somos inimigos da propriedade particular, que promove a desunião entre os homens, os leva a armar-se uns contra os outros e cria uma rivalidade de interesses irreconciliáveis, que mente quando pretende dissimular ou justificar esta hostilidade e perverte os homens pela mentira, a hipocrisia e o ódio. Somos de opinião que a sociedade, considerando o homem unicamente como um meio de auferir riquezas, é antihumana e torna-se-nos declaradamente hostil; [...] Nós, os operários, somos quem pelo nosso trabalho tudo cria, desde as máquinas gigantescas até aos brinquedos das crianças. E vemo-nos privados do direito de lutar pela nossa dignidade de homens; Cada qual arroga-se o direito de nos transformar em instrumentos para atingir o seu fim! Queremos que nos deem liberdade bastante para que se nos torne possível, com o tempo, conquistar o poder. Quer-se o poder para o povo!..."
"Nós somos revolucionários e assim seremos enquanto houver alguns que apenas mandam e outros que apenas trabalham. Nós lutamos contra a sociedade cujos interesses vos ordenaram que defendêsseis e da qual somos inimigos irredutíveis, como somos também vossos e a reconciliação entre nós só será possível depois de termos vencido. E nós, os operários, venceremos. Os vossos mandatários estão longe de ser tão fortes como pensam! Os bens que eles juntam e que protegem sacrificando milhões de seres que subjugaram, essa mesma força que lhes dá o poder sobre nós, provocam entre eles próprios contradições antagônicas e arruínam-nos física e moralmente. A propriedade exige um esforço demasiado grande para defender e, na realidade, vós todos, nossos donos, sois mais escravos do que nós; a vós, escravizaram-vos o espírito; a nós, o corpo. Não conseguireis libertar-vos do jugo dos preconceitos e dos hábitos que vos matam moralmente; a nós, nada nos impede de sermos interiormente livres; o veneno com que nos intoxicais é mais fraco do que o contraveneno que derramais, sem querer, na nossa consciência. E essa consciência cresce, desenvolve-se sem parar, inflama-se cada vez mais e chama a ela tudo o que há de melhor, de moralmente são, mesmo do vosso meio. Vede: não tendes já mais ninguém que lute ideologicamente em nome do vosso poderio, esgotastes já todos os argumentos capazes de vos protegerem contra o avanço da justiça histórica; nada mais podeis criar de novo no domínio das ideias, sois ideologicamente estéreis. As nossas ideias crescem, iluminam com crescente claridade, ganham as massas populares e organizam-nas para a luta libertadora. A consciência do grande papel da classe operária une todos os trabalhadores do mundo numa só alma, sendo-vos absolutamente impossível travar o processo de renovação da vida, a não ser com a crueldade e cinismo. Mas o cinismo é evidente e a crueldade irrita. E as mãos que hoje nos estrangulam, apertarão em breve as nossas mãos. A vossa energia é a energia mecânica do aumento do ouro, ela une-vos em grupos condenados a devorarem-se mutualmente. A nossa energia é uma força viva – a crescente consciência da solidariedade entre todos os operários. Tudo o que fazeis é criminoso, pois o vosso único fim é escravizar os homens; o nosso trabalho liberta o mundo dos fantasmas e dos monstros engendrados pelas vossas mentiras, o vosso ódio e a vossa ambição para atemorizar o povo. Arrancastes o homem da vida e esmagaste-lo; o socialismo unirá o mundo destruído por vós num único todo grandioso. Assim será!"









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