24.8.20

Normal people

Ontem comentei que não sei se um dia sentirei novamente o gosto do que é o "normal". 

O fato de o comércio voltar a funcionar no horário de antes da pandemia, e as pessoas estarem saindo na rua (obrigadas ou não); até de eu mesma já ter saído de casa e ter visto algumas pessoas; e aparentemente termos tido tempo de nos acostumarmos com o homeoffice e ao fato de que todo o seu trabalho passou para algo virtual não me traz o gosto do normal. 

E mesmo se um dia, que ninguém sabe como, a gente não precisar mais usar máscaras protetivas, e puder se abraçar a vontade; quando os museus, teatros, cinemas,  salas de aula abrirem as portas, ainda não consigo achar que terei de volta a sensação de: "ufa, voltamos ao normal". 

2020 foi um rompimento definitivo em todos nós, pelo menos em mim, algo que eu não sei nomear parecia seguro e de repente se quebrou e eu apenas não consigo concertar. Esperança, seria? Não sei. 

Claro que se a gente achasse que politicamente pudessemos construir daqui pra frente um bom futuro para todos nós, poderíamos estar um pouco mais empolgados em seguir dia a dia. 

Mas tomar consciência que cada pedaço de sua vida parece entregue a um governo que tem o total poder de fazer as piores coisas que podem ser feitas e continuar de pé como se nada estivesse acontecendo me mata um pouco todos os dias. É tudo tão cansativo. 

Eu tenho um pouquinho de energia só aqui e ela nem sempre dá pra tudo. Ela nem sempre dá pra comentar todas as coisas horríveis que acontecem junto com pessoas morrendo por conta de um vírus e um governo cretino destruindo tudo.

"Eu não consigo fazer um som".  (me diz Elliott Smith) Às vezes, tem tanta coisa explodindo e mesmo assim você não consegue dizer. Porque eu não encerraria meu agir com um story. Porque muitas vezes, nem a poesia dá conta, um vídeo não dá conta, mesmo quando a gente tenta.

Eu vejo as pessoas falando "sobre o caso da menina da semana passada". "sobre o assassinato de um homem negro há dois meses" e penso: "foi semana passada? Foi ontem? Ou é sempre?"

Antes que entendam errado o que estou falando e achem que é uma ofensa pessoal: não, eu não estou condenando quem tá fazendo TUDO que pode! Quem consegue sempre comentar tudo que ocorre e estar a par de tudo. Pelo contrário, é importante que você esteja conseguindo, alguém precisa tentar dar conta. talvez.

Mas hoje eu só quero ter meu direito de ficar por fora, de não conseguir comentar tudo, de sentir tanto que nem consigo escrever um poema, de não ser útil para o que você entende como sendo útil. Eu existo e penso e sinto mesmo se você não vê, ou se não aparece nos seus stories ou feed.  

Mas eu sei que esse texto é idiota e a vida não tem nada a ver com eu falar sobre como eu dou conta ou não de comentar os acontecimentos. No fundo, sabe, pouco importa se eu falei ou não disso. Então pouco importa qualquer coisa, né? Talvez.  

Então duas coisas: 

Um: eu não sinto que voltei nem que voltarei ao normal mesmo que eu apareça sorrindo, falando de livros ou comentando futilidades do dia. 

Dois: a movimentação virtual política é impotantíssima e com certeza chega em lugares que antes não chegaria, mas que não resumamos toda nossa ação em alguns segundos e que não fiquemos na urgência do agora. Essas coisas não passam depois de 24 horas, a luta é constante e ampla e abarca diversas formas de sermos políticos.

Já não me preocupo se eu não sei por que

Às vezes, o que eu vejo, quase ninguém vê

E eu sei que você sabe, quase sem querer

Que eu quero o mesmo que você




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