21.7.20

Um Jogo bastante perigoso - Adília Lopes

Guimarães Rosa disse que o que a vida quer da gente é coragem, e a poesia da portuguesa Adília Lopes mostra que junto de coragem é preciso imaginação.  

Adília Lopes é o pseudônimo de Maria José da Silva Fidalgo de Oliveira. Nasceu em 1960, em Lisboa, e é autora de mais de vinte livros de poesia. Entrou na faculdade de Letras em 1983 e dois anos depois lançou este livro, o primeiro. Incrível como um título pode descrever tão bem o que é fazer poesia: um jogo bastante perigoso. É nessa atmosfera metalinguística que Adília sustenta sua cinuca. 

O que impressiona e me fisga tanto em Adília é ela me tirar do eixo com sua criatividade de construir versos que são observações esquisitas sobre o cotidiano, mas também misturar referências clássicas. Adília chega em mim como um bilhete escondido num livro antigo, algo que me faz muito feliz e se tranforma num momento precioso. 

O primeiro poema é dedicado a personagem de A Redoma de Vidro, Esther Greendwood e discorre reflexões do eu lírico durante um banho quente, um poema que eu leio e releio tentanto encontrar o que Adília quis mesmo dizer com ele ao mesmo tempo que sinto esse afago de um banho quente. "nunca me sinto tão eu mesma/como quando estou dentro de um banho quente". 

Em algumas vezes o eu lírico de Adília parece estar sempre fazendo algo meio errado ou perigoso como novamente nos sugere o título, e é curiossímo como aqui no Ceará usamos a expressão "fazer arte", para nos referir a fazer algo perigoso, uma criança "arteira" é uma criança que se mete em confusões cotidianas.

"Eu fazia a correr e às escondidas/ as coisas mais inocentes / por isso fui punida". Em "O Gabinete de Penitência", Adília pode talvez estar se referindo a sua experiência esquisofrênica, enquanto descreve a ação de recortar bonequinhas num papel dobrado e ao abrir o papel a menina cortada se transforma em duas. 

Os poemas em geral misturam essas atividades infantis como "lamber feridas", recortar papeis, comer papinha, brincar com fogo, ir a parques de diversões e outras absolutamente banais como polir as unhas ao passo que afirma que nada na vida dela é simples e entrecruza acontecimentos que podemos julgar como biográficos, o próprio fazer poético e diálogos com outras obras e escritores.  

Apesar do jogo, ela traz uma sinceridade tão crua, sem disfarces sobre suas dores que lembra também à maneira honesta que as crianças têm de falar de seus desapontamentos. 

"O que me custou foi tudo ter acabado como tinha começado / como se nada tivesse passado / durante / ora o que passou durante / ainda hoje me incomoda / e portanto deve ter acontecido. "

Para Adília Lopes a poesia é uma atividade de sobrevivência, os poemas são "moinhos que andam ao contrário" ou peixes se debatendo em suas mãos, em que "ou morremos os dois / ou nos salvamos os dois". Novamente me lembra Guimarães Rosa quando diz "viver é muito perigoso", para Adília escrever também o é, e não há separação entre as duas coisas. 



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