20.1.20

só para maiores de cem anos - nicanor parra


Nicanor Parra nasceu em 1914 e morreu em 2018, ano de publicação desta antologia bilíngue da editora 34. Tendo vívido mais de um século, Parra nos escreve com a lucidez de quem mandou o mundo às favas há um bom tempo. Toda a poesia de Parra se dá pelo inventivo e pela diversão de recusar os lugares-comuns que se esperam de um poeta e da poesia "de verdade", por isso, como diz Roberto Bolaño na epígrafe deste volume "Quem for valente, que siga Parra".

O livro coleta poemas de 7 livros, começando pelo de estréia "Poemas e antipoemas", publicado em 1954, que contém poemas escritos ao longo de 10 anos. Pra mim, a trajetória artística de Nicanor já é um tapa na cara da minha ansiedade, como se me dissesse: fui publicado aos 40 anos e tenho a vida inteira pela frente - pra ser poeta, minha jovem, destrua os calendários e vire de costas para o relógio.

Apesar da liberdade que ele mesmo aconselha quando diz:


"Jovens
Escrevam o que quiserem
No estilo que acharem melhor
Já correu sangue demais por baixo das pontes
Pra continuar acreditando - acredito
Que só se pode seguir um caminho:
em poesia tudo é permitido."

Nicanor se preocupa com a métrica em seus versos, algo que não vou me deter, por pura ignorância. Então longe de ser qualquer coisa, mas sim, poder ser sobre qualquer coisa, e ser isso mesmo.

A antipoesia, movimento que ele inaugura, quer romper com a expectativa em torno de uma pretensa intenção de elevar a poesia ao inalcançável, assim como sua irmã, Violeta Parra, musicista dedicada a cantar sobre o povo chileno, Nicanor aproxima a poesia do cotidiano, do corriqueiro e em muitos momentos ele conversa diretamente com o leitor, sempre com muito humor. 

"
advertência ao leitor

o autor não responde pelos incômodos que seus escritos possam provocar
ainda que lhe doa
o leitor terá que se dar sempre por satisfeito.
(...)

minha poesia pode perfeitamente não conduzir a lugar nenhum."
//

A própria poesia é um dos temas mais recorrentes, quando conversa consigo mesmo, acabando com o mistério de tentar tirar poemas do fundo do poço, quantas vezes eu mesma quis escrever o seguinte verso, mas pensei comigo: de que serve dizer isso? Nicanor faz o poeta ser um livro aberto e tira aquela áurea misteriosa que se criou no nosso imaginário.

"Três poesias

1. 
Já não me resta nada por dizer
Tudo o que eu tinha pra dizer
Foi dito não sei quantas vezes"

Mas sabe também ser emocionante, quando dedica um poema a sua irmã, que teve uma vida intensa como é sua música, suicidando-se aos 49 anos.

"Defesa de Violeta Parra

[...]
Preocupada sempre com os outros
Quando não com o sobrinho
com a tia
Quando é que vais lembrar de ti mesma
Violeta

a tua dor é um círculo infinito
que não começa nem termina nunca"

E por fim, desmistifica até a própria importância da poesia, quando diz em Nota sobre a lição da antipoesia

"4. A poesia passa - a antipoesia também."

Coragem para viver a vida, coragem para ser antipoeta, isso é só para maiores de cem anos. 


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