13.4.19

Contos de Tchekhov - outra falsa resenha

Vou falar muito intuitivamente sobre minha experiência com os contos de Tchekov. Primeiramente contextualizar minha escolha. Elaborei um "desafio" para ler mais os livros da estante e uma das categorias era ler "o livro mais antigo que não li". Não sei se esse livro era o mais antigo, mas já estava bem esquecido sem previsão de ser tirado da estante. Enfim, li o bendito. A edição contém a peça As três irmãs, que eu já havia lido, então pulei para os contos, que são 6. 




Em geral, posso dizer que a escritra de Tchekhov é "impecável", é possível perceber o labor da escrita, uma lapidação magistral. No entanto eu tive dificuldade de realmente sentir "prazer" nessas histórias pelos temas e personagens que representam muito bem o pensamento da época, mas que hoje pra mim merecem uma leitura crítica. Algumas pessoas não acham necessário essa observação e apenas reproduzem o "clássico é clássico", mas o peso da genialidade que aquele clássico carrega, muitas vezes também traz consigo um penso histórico de machismo e racismo, que pra mim devem ser pontuados nas leituras atuais, pois graças a deusa temos a capacidade pelo menos intelectual de não aceitar mais essas ideias, e se a gente coloca o livro nesse lugar de nuvem sem relação com a sociedade e com a materialidade, então ler serve pra que?


O que me deixou incomodada é algo que de certa forma eu não tinha como esperar o contrário. Os personagens principais dos contos são todos homens e as mulheres que aparecem são sempre colocadas numa visão subalterna. Ora são chamadas de "mulheres perdidas" (prostitutas), ora são esposas confinadas na vida doméstica, nervosas demais e que só aparecem para "importunar o marido", outra é uma atriz "sem talento" e desesperada; uma outra era muito bela e admirável "até se declarar" (como se uma mulher que coloca seus sentimentos fosse menos desejável), e por aí vai. Sim, esse era o pensamento da época e como eu disse não tem como esperar algo diferente. O que nos faz refletir o seguinte: os maiores intelectuais de cada época quando numa situação confortável de homem branco e burgês não ousaram com sua arte realmente choacalhar os costumes da sociedade... 

No entanto, não digo necessaiamente que essa era a mentalidade do autor, mas um retrato do pensamento de homens da época transpostos para os personagens, senti algumas vezes até certa ironia, principalmente no conto "Uma história enfadonha", em que o personagem principal era um médico e professor quase se aposentando, bem detestável e dessa vez não só com as mulheres, inclusive ele vai refletindo se esse sentimento de mau humor constante é algo da idade e se sente muito angustiado quando percebe que tem se tornado mais rabujento... dai em alguns momentos eu pude perceber que talvez Tchekhov quisesse mesmo "ridicularizar" esse tipo, pois mesmo sendo um grande expoente do teatro moderno burguês e do conto moderno, o autor também é um crítico do universo da burguesia. 

Nesse sentido, pude notar em todos os personagens ds contos um tédio da vida, um desgosto, um "não saber o que fazer", há um conto especificadamente que se chama Crise, mas a maioria dos personagens nos outros contos estão ou acabam entrando em crise. Essa presença do tédio pela vida é muito forte também nas duas peças que li dele, A Gaivota e As três Irmãs. Esse desencanto existencial e os momentos de reviravolta na tragetória de personagens que até então viviam tudo conforte manda a sociedade foi algo que mais me prendeu, o desenho de narrativa que o autor faz quanto a isso é extremamente bem feito.

Mesmo com as ressalvas, recomendo a leitura de um dos autores mais importante da arte de narrar histórias curtas, tanto pela curiosidade de ler um clássico e até mesmo como "diversão", pois apesar das questões levantadas, ainda encontrei uma escrita leve e por vezes sarcástica.

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