8.1.19

Acompanhamento Semanal + Resenha de Carta ao Pai (Franz Kafka)

Nessa primeira semana de Janeiro (1 a 7), resolvi ler uns livros curtos que já estavam na minha lista de quero ler há um tempo, foram: Um Coração Simples (Flaubert); O Papel de Parede Amarelo (Charlotte Perkins Gilman); a HQ Frango com Ameixas (Marjane Satrapi) e Carta ao Pai (Franz Kafka), comecei também A Rosa do Povo (Drummond). Gostei dessas escolhas pois em pouco tempo li gêneros bem diversos, novela, conto, quadrinhos, uma espécie de autobiografia epistolar e poesia

Quero escrever aqui um breve comentário sobre Carta ao Pai.

Primeiramente, como avaliar uma carta de 50 páginas escrita por um filho ao seu pai como um acerto de contas de todas as mágoas de uma vida? Como pôr uma nota a isso? Pois bem, não foi para ser avaliada como elemento literário que Carta ao Pai veio ao conhecimento do público, afinal, nem ao próprio destinatário ela foi entregue, mas graças à desobediência do amigo Max Brod, a quem Kafka confiou não somente a carta como toda sua obra para que fosse queimada, nos foi entregue essa ferida aberta epistolar de filho para pai e mesmo não intencionalmente se tornou um documento de análise importantíssimo para entender alguns pontos da obra de Kafka, o próprio Kafka, com certo pesar, afirma que o pai foi uma inspiração para sua obra.

"meus escritos tratavam de você, neles eu expunha as queixas que não podia fazer no seu peito. Eram uma despedida intencionalmente prolongada de você"

Como muitos escritores, Kafka explorou angústias pessoais em sua obra. As relações burocráticas, o trabalho maçante, as opressões familiares, temos conhecimento de parte da fonte de "inspiração" para o universo kafkiano ao ler esta carta.

Lemos nessas páginas uma tentativa de reconciliação que ao fim da carta o próprio Kafka acredita que será frustrada, pois seria difícil o pai admitir todos os erros, sendo um típico pai orgulhoso e dominador que acredita que os filhos são todos ingratos; ao mesmo tempo que não há outro modo de Kafka falar do que sente em relação ao pai sem apontar os sofrimentos que este lhe trouxe e situações mais traumatizantes proporcionadas por ele.

Para Kafka, o pai sempre foi um tirano, insensível aos seus sentimentos e sempre fez questão de deixar explícito seu desprezo a tudo que o filho fizesse, desde a escolha pela literatura aos noivados - que nunca culminaram em casamento. 

Assim, Kafka também desenha sua própria personalidade, que pela influência aterradora do pai o tornou medroso, calado, desconfiado de si e dos outros. Na escrita da carta, Kafka também se desculpa algumas vezes pelas acusações que faz e na sua análise de si afirma que talvez não tivesse se tornado um homem diferente do que é mesmo sem essa presença tirana do pai, o que transparece ainda um medo da reação paterna. Em alguns momentos ele também elogia o pai, por, por exemplo ter lhe dado certa liberdade de escolher a profissão, mas também este jogava na cara muitas vezes que se os filhos tinham a vida que tinham era graças aos sacrifícios dele, o que gerava esse peso enorme de ser uma decepção, e a auto depreciação constante que vemos tanto nos personagens dos livros como na carta. 

Involuntariamente eu não pude deixar de tomar esse documento tão pessoal como um quadro para várias reflexões sobre as relações parentais. A figura do pai de Kafka não é distante de alguns pais que conheço. Herman Kafka é um exemplo tradicional do "chefe" da família patriarcal, no posfácio é citado um ensaio de Walter Benjamin em que ele associa Herman com os burocratas do universo kafkiano: "o pai é uma figura que pune. A culpa o atrai como atrai os funcionários da Justiça", Objeto intrigante de análise literária e biográfica, Carta ao Pai se desviou de seu objetivo (talvez parte dele tenha sido cumprido do lado de Kafka, o de colocar no papel todos os seus traumas) para se tornar uma dolorosa peça sobre as difíceis cordas que unem e separam pais e filhos.





Nenhum comentário:

Postar um comentário

Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...