O que é Empoderamento? é um lançamento do grupo editorial Letramento, que faz parte da coleção Feminismos Plurais, coordenada por Djamila Ribeiro. Falando primeiramente da coleção, todos os livros são escritos por autores negros e autoras negras, possuem uma linguagem teórica acessível e desse modo ampliam o debate sobre temas urgentes como feminismo negro, empoderamento, racismo estrutural, lugar de fala, entre outros. Os livros não procuram encerrar os temas, mas sim abrir caminho para discussões formulando um pensamento dialético muito importante. Surpreendem quem pensa que estes assuntos passam por mero "achismo", os autores trazem uma vasta pesquisa acadêmica dando espaço e foco para o pensamento de estudiosos e estudiosas negras que em geral não são vistos como referência intelectual dentro de um sistema academicista branco e machista.
Este é o segundo livro da coleção que leio, e como feminista branca só tenho a agradecer e aprender; tenho revisto conceitos e posicionamentos.
A discussão em torno do conceito de empoderamento tem sido cada vez mais presente em rodas informais de conversa, uma dos pontos de importância desse livro se dá em justamente trazer esse conhecimento para uma esfera "acadêmica" também, se tornando referência de estudo nas universidades. Quando debate-se o assunto, tudo gira muito em torno "da opinião de cada um", no entanto Joice Berth vai procurar a origem do termo e como se dá sua prática na vida principalmente da comunidade negra, voltando o olhar para a importância de entendermos esse termo para além de um sentimento individual, mas sim uma ação que deve refletir em mudança coletiva. Para isso, Berth cruza a ideia de empoderamento com feminismo negro, pensando em como as duas práticas são vivenciadas por mulheres negras e como isso pode ajudar a emancipação coletiva dessas mulheres.
Não é que o empoderamento não deva ser utilizado por mulheres brancas, mas pensando na interseccionalidade de opressões, nós mulheres brancas precisamos ter consciência que empoderamento vai muito mais além de um bem estar pessoal, e em como reproduzimos este "empoderamento" que muitas vezes passa por reprodução da opressão de corpos brancos para com corpos negros. Dai a polêmica por exemplo nas mídias sociais quando perguntam: "uma mulher postando uma nude é empoderamento?". Muitos desdobramentos aparecem com essa questão, mas sinto que falta leitura e aprofundamento do debate quando este acontece só por comentários. As pessoas falam "mas você não pode dizer para outra mulher o que ela deve fazer ou não, você não pode dizer para uma outra mulher o que é empoderamento", etc. Há uma distorção entre crítica e "proibição", quando há alguma crítica as pessoas já pensam que estão sendo proibidas de algo. Mas penso que isso se trata de um pouco de ego inflado; rever privilégios passa por esse lugar da crítica, querendo ou não, e o que Joice Berth traz no livro não é uma cartilha ou os dez mandamentos da mulher empoderada, mas sim um modo de pensarmos coletivamente como este termo vem em benefício de todas e não somente para perpetuar privilégios. Se para isso mulheres brancas terão que rever atitudes que talvez antes eram "liberadas" ou ditas "normais" (afinal, o bem estar pessoal de uma mulher branca magra, etc é bancado pela mídia, então que revolução é essa?), acredito que faz parte de um processo emancipatório maior do que o individualismo, se eu acho que o meu empoderamento "atrapalha" alguma coisa, talvez eu não esteja entendendo esse empoderamento numa esfera coletiva, que é o principal foco.
Mas essas são minhas reflexões, vamos ao que interessa: o que há no livro de Joice Berth.
O primeiro capítulo que recebe o mesmo título do livro é uma apanhado geral da origem teórica do termo empoderamento. A autora passa pelos conceitos de Hannah Arendt e Focault sobre o que é poder, para assim pensarmos o empoderamento hoje. Em seguida passa por um breve histórico da origem da palavra em si, mostrando que este conceito acabou sendo incorporado de modo a fugir de seu significado original e estratégico. Berth também cita Paulo Freire e sua Teoria da Conscientização e por fim faz uma síntese das diversas teorias que juntas formam a ideia de empoderamento que ela deseja mostrar.
No segundo capítulo, a autora fala da relação de opressões estruturais com a prática do empoderamento, e pensar que a aplicabilidade da Teoria do Empoderamento, depende dessas opressões estruturais, ou seja, empoderamento também tem a ver com racismo, consciência de classe e machismo. Berth fala também do esvaziamento do termo na atualidade que gera essa dualidade individual x coletivo. Além disso fala das barreiras de grupos oprimidos ao conhecimento acerca do empoderamento. E nisso dá exemplos práticos de como mudar esse quadro.
O terceiro capítulo trata da prática de mulheres negras que assimilam a noção de empoderamento em suas vidas antes mesmo de ter acesso ao conhecimento formal do tema. Nesse sentido, Berth ressiginifica o conceito pela experiência do feminismo negro e de formas coletivas de superação das opressões adotadas pelas comunidades negras.
No quarto capítulo, Berth aborda a questão da estética, pois esta também está associada ao poder. Assim, a autora tece críticas sobre como a população negra carece de uma representação esteticamente "empoderadora" na sociedade, no sentido de se verem em capas de revistas, em personagens bem sucedidos nas novelas, filmes e livros, etc. Intelectualmente e esteticamente negros e negras não são referência em igualdade com brancos, isso diz tudo sobre relações de poder e empoderamento. A suposta inferioridade da aparência negra foi usada para justificar o sistema de opressão. Berth também fala sobre a afetividade dentro das relações amorosas das mulheres negras, que se vêem como "desasjustadas" e são tratadas muitas vezes como descartáveis, gerando um sentimento de "auto-ódio". Porém, a autora atenta que a questão estética é importante, mas não o mais importante ou o único foco.
Nas considerações finais, Joice Berth sintetiza os principais pontos de sua pesquisa, salientando também que o processo de empoderamento passa pelo individual sim, mas visa o coletivo e também da impossibilidade de um empoderar o outro. Importante lembrar que é um processo antes de tudo político que visa mudar o estado atual das coisas, portanto é preciso estar atento para venda de um empoderamento que não mexe com as estruturas de poder de fato.
"Empoderamos a nós mesmos e amparamos outros em seus processos"