12.10.16

o ar que entrar nunca vai ser igual ao que sair
e essa é a tragédia, você pensa
eu queria ter as mãos de Matilde, a mente de Matilde a voz de Matilde
escrever como Matilde
o tempo é aquele cigarro deixando cheiro nas mãos e sujeira nas unhas
o porta-guardanapo está lotado dos poemas de amor que escrevi, todos gastos
cansados
Matilde Capilho
Maltrapilho intento este
te reter na retina e numa transfusão mística te fundir em minha alma
inspiração é um problema
Ar-spiração
aspira tanto que
... não expira
prende o ar mergulha três metros
ar que fica preso no pulmão enevoado
eu sufocava nos concretos da cidade recebendo sol
recebendo sol e queimando estática no mesmo lugar
eu não conseguia me mexer
eu era um dos tijolos cinzas e apodrecia
entre minhas veias corria cimento
eu não precisava respirar
eu só estava ali, existindo
tosse seca que não sai
é só a ensurdecedora agonia de quem não expele a massa translúcida da poesia que engole
a voz embargada agora,
os órgãos esqueceram a coreografia que faz meu corpo funcionar
e sapateiam
os hormônios dos suores como buzinas de alerta
o cor de rosa desconhecido da cara pálida, que cínica.
ela ri, aquele risinho, agora, pós-modernista
Na garganta rouca
fingia ser sexy
é do pulmão que saem meus versos
é meu pulmão que grita e lambe teus dedos sujos de nicotina e outros venenos
eu não morro
é meu pulmão que se espreme todo tentando dizer,
é meu pulmão marítimo que balança ao som do mar de Iracema
é meu pulmão que chora

é meu pulmão que tenta tenta tenta 


Artist: Alyssa Monks - “Vaseline II” - Oil on Linen - 64” x 86” - 2007

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...