9.1.16

[Impressões] Elizabeth Bishop - O Iceberg Imaginário e Outros Poemas

"Quando você escrever meu epitáfio, não deixe de dizer que fui a pessoa mais solitária que jamais viveu"


Oh, must we dream our dreams 
and have them, too? 
And have we room 
for one more folded sunset, still quite warm?

(Questions of Travel)

Ah, por que insistimos em sonhar os nossos sonhos
e vivê-los também?
E será que ainda temos lugar 
para mais um pôr-do-sol extinto, ainda morno?


A new volcano has erupted,
the papers say, 
[...]
But my poor old island’s still   
un-rediscovered, un-renamable.
None of the books has ever got it right.
Well, I had fifty-two
miserable, small volcanoes I could climb   
with a few slithery strides—
[...]
I’d think that if they were the size   
I thought volcanoes should be, then I had   

become a giant;

(Crusoe in England)

Um vulcão novo entrou em erupção,
segundo os jornais
[...]
Mas a minha ilha, coitada
ainda não foi redescoberta nem rebatizada
Todos os livros erram quando falam nela.

Pois eu tinha cinquenta e dois
vulcõeszinhos vagabundos que eu sabia com uns poucos passos incertos - 
[...]
E eu pensava que se eles fossem do tamanho
de um vulcão convencional
eu seria um gigante;





Esta coletânea lançada pela Companhia das Letras (juntamente com o posfácio) é uma ótimo fonte para quem desejar conhecer Bishop e a tradução de Paulo Henriques Britto é bastante livre. É interessante por um lado ver essa adaptação com maior propriedade, mas por vezes sinto que é desviada a ideia original em inglês. Não tenho profundidade no tema de tradução, mas entendo que traduzir também é adaptar realidades, como Bishop escreveu vários poemas sobre o tempo em que viveu no Brasil, muitos aspectos de sua poética sobre nossa terra fazem mais sentido para nós numa tradução não literal. 

O que mais me interessou foi ver a percepção da poetisa sobre o Brasil. Elizabeth fala da cultura popular (O Ribeirinho/The Riverman), das mazelas sociais (O Ladrão da Babilônia), dos costumes, etc.

Os poemas de Elizabeth Bishop fogem um pouco do que estou acostumada a ler de poemas, em geral amo ler poesia confessional, e não me interesso muito por poemas descritivos. Porém, Bishop me deu uma nova percepção do mundo ao meu redor, principalmente com relação aos elementos naturais. Em Obras Dispersas todos os poemas escolhidos remetem a animais, fenômenos naturais e relatos da vida cotidiana. Me veio a questão: por que eu não observo mais atentamente tudo isso? Sempre me identifiquei mais com uma poesia intimista, que falasse de meus sentimentos, esse contato com Bishop me mostrou o quanto tudo é poético, até mesmo uma Ida a Padaria. 

Tive um choque com o posfácio, pois não sabia nada de sua vida pessoal, que foi bastante sofrida. Algo que também me surpreendeu, pois meu contato com poetas como Pessoa e Plath me acostumaram a pensar que os poetas sempre entregam tudo de suas vidas na sua arte e com Elizabeth isso não é tão claro. Ela poderia ter dito mais abertamente (isso não é uma sugestão) o impacto que foi ver sua mãe internada num hospício, enquanto ela ainda era criança. Ou ter se sentido sem um lar a vida inteira até finalmente encontrar lar e amor em Lota de Macedo Soares e esta se suicidar em seus braços anos depois, ou sobre os seus conhecidos problemas de alcoolismo. No entanto existe uma certa melancolia bem disfarçada, por exemplo em Crusoé Na Inglaterra. Já em um de seus mais conhecidos poemas Uma Arte, hão há disfarce, está tudo exposto, vivo e lúcido.

The art of losing isn’t hard to master;

so many things seem filled with the intent

to be lost that their loss is no disaster.


Lose something every day. Accept the fluster

of lost door keys, the hour badly spent.

The art of losing isn’t hard to master.[...]


I lost my mother’s watch. And look! my last, or

next-to-last, of three loved houses went.

The art of losing isn’t hard to master.[...]


—Even losing you (the joking voice, a gesture

I love) I shan’t have lied. It’s evident

the art of losing’s not too hard to master

though it may look like (Write it!) like disaster.


A arte de perder não é nenhum mistério
tantas coisas contém em si o acidente
de perdê-las, que perder não é nada sério.

Perca um pouco a cada dia. Aceite austero,
a chave perdida, a hora gasta bestamente.
A arte de perder não é nenhum mistério.
[...]
Perdi o relógio de mamãe. Ah! E nem quero
lembrar a perda de três casas excelentes.
A arte de perder não é nenhum mistério.
[...]
Mesmo perder você ( a voz, o ar etéreo, que eu amo)
não muda nada. Pois é evidente
que a arte de perder não chega a ser um mistério
por muito que pareça (escreve) muito sério.



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