16.11.20

As cavernas que habitam mulheres ferinas: sobre Um Buraco com meu nome, de Jarid Arraes




Tem livros que sinto que vão me cortar fundo, então eu preparo a carne por um tempo, fico ali observando de longe por alguns meses ou anos até, apesar de saber que nenhuma preparação suaviza o contato com poemas que tomo nas mãos como vulcões de coisas que eu mesma guardava e não sabia. 

Assim que vemos Um Buraco com Meu nome de longe, o livro nos encara como uma fera, a capa é preta ao fundo, com rabiscos cinzas preenchendo-a quase toda, e o título em vermelho sangue e letras grossas, assim: UM BURACO COM MEU NOME.

Esse é o primeiro livro em poesia da escritora cearense Jarid Arraes, um nome já reconhecido na literatura contemporânea brasileira por seus contos e cordéis. É com ele que Jarid, funda o selo da editora Jandaíra, Ferina, dedicado à publicação de mulheres. 

Um buraco como uma caverna onde habitam mulheres ferinas, foi essa a imagem que me veio ao engolir o livro, dedicado "aos que nem sempre encontram matilha". Dividido em quatro partes: Selvageria; fera; corpo aberto e caverna a obra também contém ilustrações da própria autora em desenhos que lembram pinturas rupestres. Me trouxe a sensação também de uma mulher presa, desenhando e escrevendo versos sobre sua solidão. 

A primeira e segunda parte vão trazer poemas de tom insurgente, tecendo sobre o corpo da mulher, a cidade, solidão, a loucura e as relações entre gêneros. 

A terceira começa com um poema inicialmente convidativo: "venha desenhar o mapa do meu corpo aberto", mas logo mostra que para conhecer o "meu" corpo, é precis admirar as vísceras também. Um corpo em que "paredes desabam" e se busca as linhas da loucura. Os versos vão investigar cada fio de cabelo, peso e tamanho desse corpo-fera-aberto, também passando por questões de sua identidade como mulher negra.

O livro termina com o poema Chama. trazendo o fogo como um ímpeto de regeneração. Uma chama quem vem pelo contato por meio da escrita, da palavra - talvez.

Às selvagens, às loucas, às não amáveis, Um Buraco com meu Nome é uma pergunta, que nos torna selvagens são as interrogações que nunca conseguiram, por mais de séculos que tentaram, nos calar. 

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