10.7.18

[fotografia] O Amante + Trechos



A história da minha vida não existe. Ela não existe. Nunca há um centro. Nem caminho, nem linha. Há vastos lugares em que é de se crer que houvesse alguém, não é possível que não houvesse ninguém.


E chorando ele faz. Primeiro vem a dor. E então, depois que essa dor é acolhida, ela é transformada, lentamente arrancada, arrastada para o gozo, abraçada a esse gozo. O mar, sem forma, simplesmente incomparável. Já na balsa, de antemão, a imagem teria participado daquele instante



 Acho que já sei dizer o que ela é, tenho uma vaga vontade de morrer. Essa palavra, já não a separo mais de minha vida. Acho que tenho uma vaga vontade de ficar sozinha, assim como percebo que não estou mais sozinha desde que deixei a infância, a família do caçador. Vou escrever livros. É o que vejo para além do instante, no grande deserto que se afigura como a extensão de minha vida


As partidas. Eram sempre as mesmas. Sempre as primeiras partidas pelos mares. A separação da terra sempre se fazia em meio à dor e ao mesmo desespero, mas isso nunca havia impedido que os homens partissem, os judeus, os pensadores e os simples viajantes da viagem marítima, e isso nunca havia impedido que as mulheres os deixassem ir, elas que nunca partiam, que ficavam cuidando do lar, da raça, dos bens, da razão de ser do retorno. Durante séculos, os navios fizeram com que as viagens fossem mais lentas e mais trágicas do que são hoje em dia. A duração da viagem recobria naturalmente a extensão da distância. As pessoas estavam habituadas a esses lentos ritmos humanos na terra e no mar, a esses atrasos, a essa espera dos ventos, dos céus abertos, dos naufrágios, do sol, da morte. Os paquetes que a menina branca havia conhecido estavam entre os últimos correios do mundo. Com efeito, foi durante sua juventude que surgiram as primeiras linhas aéreas que iriam progressivamente privar a humanidade das viagens pelos mares.



E a jovem tinha se levantado como se estivesse indo por sua vez se matar, por sua vez se lançar ao mar, e depois havia chorado porque tinha pensado naquele homem de Cholen e de repente não tinha certeza se não o havia amado com um amor do qual não se apercebera porque ele tinha se perdido na história como a água na areia e agora ela só o reencontrava nesse instante em que a música se lançava ao mar.  


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