Ainda iremos nos arrepender
De ter falado demais
Ou de ter passado tanto tempo caladas
Nossos fanstasmas estarão numa cadeira de bar vazia
Num cigarro que não foi dividido
Num riso que não foi escutado
Num livro que não foi emprestado
Berlim divida renascida
Eu escutarei Low
Você Heroes
Sobre o que poderia ter sido
Sobre acidentes humanos
Pessoas que se chocam umas com as outras porque atravessaram os caminhos em
momentos errados
velocidades disonantes
17.5.18
13.5.18
Fichamento - O Segundo Sexo - Introdução
Se hoje não há mais feminilidade, é porque nunca houve. Isso significa
que a palavra “mulher” não tem nenhum conteúdo?
Se a função de fêmea não basta para definir a mulher, se nos recusamos
também a explicá-la pelo “eterno feminino” e se, no entanto, admitimos, ainda
que provisoriamente, que há mulheres na Terra, teremos que formular a
pergunta: o que é uma mulher?
O homem representa a um tempo o positivo
e o neutro, a ponto de dizermos “os homens” para designar os seres humanos,
tendo-se assimilado ao sentido singular do vocábulo latino vir o sentido geral do
vocábulo homo. A mulher aparece como o negativo, de modo que toda
determinação lhe é imputada como limitação, sem reciprocidade
Como se
entende, então, que entre os sexos essa reciprocidade não tenha sido colocada,
que um dos termos se tenha imposto como o único essencial, negando toda
relatividade em relação a seu correlativo, definindo este como a alteridade
pura? Por que as mulheres não contestam a soberania do macho? Nenhum
sujeito se define imediata e espontaneamente como o inessencial; não é o Outro
que se definindo como Outro define o Um; ele é posto como Outro pelo Um
definindo-se como Um. Mas para que o Outro não se transforme no Um é preciso
que se sujeite a esse ponto de vista alheio. De onde vem essa submissão na mulher?
Mas as mulheres não são uma minoria; há tantos homens quantas mulheres na Terra.
[...] a introdução da escravidão na América, as conquistas coloniais são fatos
precisos. Nesses casos, para os oprimidos, houve um passo à frente: têm em
comum um passado, uma tradição, por vezes uma religião, uma cultura. Nesse
sentido, a aproximação estabelecida por Bebel entre as mulheres e o
proletariado seria mais lógica: os proletários tampouco estão em estado de
inferioridade e nunca constituíram uma coletividade separada. Entretanto, na
falta de um acontecimento, é um desenvolvimento histórico que explica sua
existência como classe e mostra a distribuição desses indivíduos dentro dessa
classe. Nem sempre houve proletários, sempre houve mulheres. Elas são
mulheres em virtude de sua estrutura fisiológica; por mais longe que se remonte
na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é
consequência de um evento ou de uma evolução, ela não aconteceu.
[...] a ação das
mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens
concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam [...] Não têm passado, não têm história nem religião própria; não têm,
como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses [...] Vivem dispersas entre os homens, ligadas pelo habitat, pelo
trabalho, pelos interesses econômicos, pela condição social a certos homens —
pai ou marido — mais estreitamente do que a outras mulheres.
O proletariado poderia propor-se o
trucidamento da classe dirigente; um judeu, um negro fanático poderiam sonhar
com possuir o segredo da bomba atômica e constituir uma humanidade
inteiramente judaica ou inteiramente negra: mas mesmo em sonho a mulher não
pode exterminar os homens. O laço que a une a seus opressores não é
comparável a nenhum outro. A divisão dos sexos é, com efeito, um dado
biológico, e não um momento da história humana. É no seio de um mitsein original
que sua oposição se formou e ela não a destruiu. O casal é uma unidade
fundamental cujas metades se acham presas indissoluvelmente uma à outra:
nenhum corte por sexos é possível na sociedade. Isso é o que caracteriza
fundamentalmente a mulher: ela é o Outro dentro de uma totalidade cujos dois
termos são necessários um ao outro.
Ora, a mulher sempre foi, senão a escrava do
homem, ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em
igualdade de condições. No momento em que
as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é
ainda um mundo que pertence aos homens. Eles bem o sabem, elas mal duvidam.
Recusar ser o Outro, recusar a cumplicidade com o homem seria para elas
renunciar a todas as vantagens que a aliança com a casta superior pode lhes
conferir.
O homem que
constitui a mulher como um Outro encontrará, nela, profundas cumplicidades.
Assim, a mulher não se reivindica como sujeito porque não possui os meios
concretos para tanto, porque sente o laço necessário que a prende ao homem
sem reclamar a reciprocidade dele, e porque, muitas vezes, se compraz no seu
papel de Outro.
a. Resta explicar por
que o homem venceu desde o início. Parece que as mulheres poderiam ter sido
vitoriosas. Ou a luta poderia nunca ter tido solução. Por que este mundo sempre
pertenceu aos homens e só hoje as coisas começam a mudar? Será um bem essa
mudança? Trará ou não uma partilha igual do mundo entre homens e mulheres?
o simples fato de ser a mulher o Outro contesta todas as
justificações que os homens lhe puderam dar: eram-lhes evidentemente ditadas
pelo interesse. “Tudo o que os homens escreveram sobre as mulheres deve ser
suspeito, porque eles são, a um tempo, juiz e parte”, escreveu, no século XVII,
Poulain de la Barre, feminista pouco conhecido.
Um dos benefícios que a
opressão assegura aos opressores é de o mais humilde destes se sentir superior:
um “pobre branco” do sul dos Estados Unidos tem o consolo de dizer a si próprio
que não é “um negro imundo”, e os brancos mais ricos exploram habilmente esse
org`ulho. Assim também o mais medíocre dos homens julga-se um semideus diante
das mulheres.
Para todos os que sofrem de complexo de inferioridade, há
nisso um linimento milagroso: ninguém é mais arrogante em relação às mulheres,
mais agressivo ou desdenhoso do que o homem que duvida de sua virilidade.
O homem pode, pois, persuadir-se de que não existe mais
hierarquia social entre os sexos e de que, grosso modo, através das diferenças, a
mulher é sua igual. Como observa, entretanto, algumas inferioridades — das quais
a mais importante é a incapacidade profissional —, ele as atribui à natureza.
Mesmo o homem mais simpático à mulher nunca lhe conhece
bem a situação concreta. Por isso não há como acreditar nos homens quando se
esforçam por defender privilégios cujo alcance não medem. Não nos deixaremos,
portanto, intimidar pelo número e pela violência dos ataques dirigidos contra a
mulher, nem nos impressionar com os elogios interesseiros que se fazem à
“verdadeira mulher”; nem nos contaminar pelo entusiasmo que seu destino suscita
entre os homens que por nada no mundo desejariam compartilhá-lo.
Muitas mulheres de hoje, que tiveram a sorte de ver-lhes
restituídos todos os privilégios do ser humano, podem dar-se ao luxo da
imparcialidade; sentimos até a necessidade desse luxo. Não somos mais como
nossas predecessoras: combatentes. De maneira global ganhamos a partida. Nas
últimas discussões acerca do estatuto da mulher, a ONU não cessou de exigir
que a igualdade dos sexos se realizasse completamente, e muitas de nós já não
veem em sua feminilidade um embaraço ou um obstáculo; muitos outros
problemas nos parecem mais essenciais do que os que nos dizem particularmente
respeito; e esse próprio desinteresse permite-nos esperar que nossa atitude seja
objetiva.
em que o
fato de sermos mulheres terá afetado a nossa vida?
Mas não confundimos tampouco a
ideia de interesse privado com a de felicidade, ponto de vista que se encontra
frequentemente. As mulheres de harém não são mais felizes do que uma
eleitora? Não é a dona de casa mais feliz do que a operária? Não se sabe muito
precisamente o que significa a palavra felicidade, nem que valores autênticos ela
envolve. Não há nenhuma possibilidade de medir a felicidade de outrem e é
sempre fácil declarar feliz a situação que se lhe quer impor. Os que condenamos
à estagnação, nós os declaramos felizes sob o pretexto de que a felicidade é a
imobilidade.
Como pode realizar-se um ser humano dentro da
condição feminina? Que caminhos lhe são abertos? Quais conduzem a um beco
sem saída? Como encontrar a independência no seio da dependência? Que
circunstâncias restringem a liberdade da mulher, e quais pode ela superar? [...] Isso quer dizer
que, interessando-nos pelas oportunidades dos indivíduos, não as definiremos em
termos de felicidade, e sim em termos de liberdade.
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