25.6.17

Imagens de Tchernóbil [Junho/2017leitura 16]

O que a arte pode fazer no horror de uma catástrofe? Não tenho resposta.
Mas enquanto lia Vozes de Tchernóbil minha mente borbulhava em imagens, que nunca irei saber de fato o que causavam. Me sinto invadindo a dor de pessoas que viveram aquilo ao pensar nessas imagens. Tive vontade até de montar um espetáculo, mesmo sobre algo tão distante de mim, logo desistir quando vi essa declaração:
"Nunca montarei um espetáculo sobre Tchernóbil, assim como nunca pus em cena nenhuma peça sobre a guerra. Nunca terei em cena um homem morto. Nem mesmo um animal ou um pássaro morto. [...] A guerra deveria ser mostrada como algo tão pavoroso que provocasse vômito nas pessoas. Que pusesse as pessoas doentes. Ela não é um espetáculo [...] Fiz uns esboços de cenas sobre a guerra. Experimentei fazer algo com eles, mas nunca deu em nada. Nunca montarei uma obra sobre a guerra. Não me sai nada."

-- Lília Mikháilovna Kuzmenkova, 
professora da Escola de Arte e Cultura de Moguilióv e diretora de teatro


No entanto, ainda resolvi reunir aqui algumas imagens que me ficaram do livro:

"É difícil explicar o que é uma guerra a uma pessoa que nunca a viu… Que só viu essas coisas no cinema…"

“O homem se surpreendeu, não estava preparado para isso. Não estava preparado como espécie biológica, pois todo o seu instrumental natural, os sentidos constituídos para ver, ouvir e tocar, não funcionava… Os sentidos já não serviam para nada; os olhos, os ouvidos e os dedos já não serviam, não podiam servir, porque a radiação não se vê, não tem odor nem som. É incorpórea. Passamos a vida lutando e nos preparando para a guerra, tão bem a conhecíamos, e, de súbito, isso! A imagem do inimigo se transformou. Surgiu diante de nós um outro inimigo… Inimigos… que tocavam a relva ceifada, o peixe pescado, a caça aprisionada. As maçãs… O mundo à nossa volta, antes maleável e amistoso, agora infundia pavor." pg 33




"É tão fácil deslizar para a banalidade. Para a banalidade do horror. Mas olho para Tchernóbil como para o início de uma nova história; Tchernóbil não significa apenas conhecimento, mas também pré-conhecimento, porque o homem pôs em discussão a sua concepção anterior de si mesmo e do mundo [...] Tchernóbil é antes de tudo uma catástrofe do tempo [...] Quanto a mim, eu me dedico ao que chamaria de história omitida, aos rastros imperceptíveis da nossa passagem pela Terra e pelo tempo. Escrevo os relatos da cotidianidade dos sentimentos, dos pensamentos e das palavras. Tento captar a vida cotidiana da alma. A vida ordinária de pessoas comuns. Aqui, no entanto, nada é ordinário: nem as circunstâncias nem as pessoas que, obrigadas pelas circunstâncias, colonizaram esse novo espaço, vindo a assumir uma nova condição. Tchernóbil para elas não é uma metáfora ou um símbolo, mas a sua casa. " (Entrevista da autora consigo mesma sobre a história omitida e sobre por que Tchernóbil desafia a nossa visão de mundo pg. 30,31)


“O que a experiência de Tchernóbil nos deu? Terá nos conduzido a esse mundo secreto e silencioso dos ‘outros’? [...] Gostaríamos de esquecer Tchernóbil, porque diante dele a nossa consciência capitula. É uma catástrofe da consciência. O mundo das nossas representações e valores explodiu. Se tivéssemos vencido Tchernóbil ou compreendido o fenômeno até o fim, pensaríamos e escreveríamos mais a respeito. E assim, vivemos em um mundo enquanto nossa consciência vive em outro. A realidade resvala, não cabe no homem." pg 36

Harry Ally - Study for Two Arms (2013)
“Antes de tudo, em Tchernóbil se recorda a vida ‘depois de tudo’: objetos sem o homem, paisagem sem o homem. Estradas para lugar nenhum, cabos para parte alguma. Você se pergunta o que é isso: passado ou futuro? “Algumas vezes, parece que estou escrevendo o futuro…” pg 37

TRÊS MONÓLOGOS SOBRE UM ANTIGO TERROR, E SOBRE POR QUE O
HOMEM CALAVA ENQUANTO AS MULHERES FALAVAM

"Uma coisa que eu… que eu gostaria que você soubesse. Eu não temo a Deus. Tenho medo é dos homens." pg 62 


Os robôs não aguentavam o trabalho, as máquinas ficavam loucas. Mas nós trabalhávamos. Às vezes descia sangue dos ouvidos, do nariz. A garganta ficava irritada, os olhos ardiam. Surgia um ruído constante e monótono nos ouvidos. Tínhamos sede, mas nenhum apetite. pg 70

Todos tinham uma expressão de loucura no rosto. Os camponeses tinham, mas nós também. pg 72

"A cidade estava rodeada por duas voltas de arame farpado, como nas fronteiras federais. Casas limpas e de vários andares, ruas cobertas por camadas de areia grossa, com árvores serradas. Quadros de um filme de ficção científica. Cumpríamos ordens: “lavar” a cidade e substituir o solo contaminado até uma profundidade de vinte centímetros por aquela camada de areia. Não havia dias de folga. Como na guerra." pg 81

Coro de soldados

Os campos, que se estendiam até o horizonte, estavam cobertos por dolomita branca. Haviam retirado e enterrado a camada superior contaminada da terra, e em seu lugar cobriram tudo com areia de dolomita. É como se não fosse a Terra, como se não fosse na Terra. [...] 




Li sobre Hiroshima e Nagasaki, vi documentários. É pavoroso, mas compreensível: uma guerra nuclear, o rádio da explosão. Isso eu até podia imaginar. Mas o que aconteceu conosco… Para isso me faltava… me faltavam conhecimentos, e faltavam em todos os livros que eu havia lido na minha vida. Eu acabava de regressar de uma viagem de trabalho, estava perplexo olhando as minhas estantes de livros no escritório. Eu li… Se não tivesse lido… Uma coisa totalmente desconhecida destruía o meu mundo anterior. Era algo que se introduzia, que penetrava em você. À margem da sua vontade. pg 115

Os pescadores encontram cada vez mais peixes anfíbios, que podem viver na água e na terra. Andam pela terra sobre as nadadeiras, que servem de patas. Começaram a pescar lúcios sem cabeça e sem nadadeira. Nadavam com o tronco. Algo parecido começará a acontecer com as pessoas. Os bielorrussos vão se converter em humanoides. pg 120
Can Pekdemir

Por um lado, a nossa civilização é antibiológica, o homem é o maior inimigo da natureza, e por outro, é um criador. Transforma o mundo. Cria, por exemplo, a torre Eiffel e as naves espaciais. Só que o progresso exige vítimas, e quanto mais longe for, mais vítimas serão. Não menos que a guerra, isso hoje está claro. A contaminação do ar, o envenenamento do solo. Os buracos na camada de ozônio. O clima da Terra está mudando. E nós nos horrorizamos. Mas o conhecimento em si não pode ser culpado ou incriminado. Do acidente de Tchernóbil, quem é culpado: o reator ou o homem? Sem dúvida o homem. pg 132

NA VIDA AS COISAS TERRÍVEIS OCORREM EM SILÊNCIO E DE FORMA NATURAL


"Tchernóbil é uma catástrofe da mentalidade russa. Você nunca pensou nisso? Certamente estou de pleno acordo com os que escrevem que não foi o reator que explodiu, mas todo o sistema anterior de valores. Mas essa explicação ainda não me é suficiente." pg 175


2.6.17

diário

quinta, 1 de junho

vamos nos encontrar na sorveteria é mais fácil fico tremendo das pernas as mãos que que ficam geladas uma tonta pareço traçar uma coreografia com a esquina da sorveteria virando a cabeça a cada dois segundos pra ver se você surge. porque essa necessidade de frio na barriga não sei explicar e talvez eu não precise se a gente só pudesse sentir as coisas de outro jeito se a gente só pudesse poder você repetiu a mesma frase algumas vezes porque não sabia como dizer o que sentia como sentia porque sentia vitor apareceu não sei se me viu acho que sim a gente sempre enxerga quem não queremos ver mesmo no meio da multidão pobleminha burguês esse meu talvez não serei capaz de fazer teatro social brechtiano isso vai afetar alguém não consigo me focar num assunto só isso talvez explique meu interesse por mais de uma pessoa também me sinto tendo que justificar quem sou o tempo todo pra mim e pro mundo (eu sei que ele tenta) fui pegar o ônibus, me acompanhou estava bem mais tarde que o normal, não demos o beijo tão esperado desse capítulo, de novo, mas posso lembrar os momentos em que meu corpo se inclinou para o teu na tentativa pensei várias vezes que eu queria ter passado a noite com você na casa de algum amigo bebendo vinho e conversando, talvez 


domingo 4 de junho
Agonia desenfreada a tardinha. Olhei pro mar e não vi a calma, não pude mergulhar. Eram as pedras, eram as pedras escuras, firmes, observando tudoo imóveis. Me aquietei e fiquei com minha tristeza entra as pernas. Não havia magia na natureza, Não encontrei paz nos lugares comuns. Nem por do sol, nem paresia, nem areia. Mas nos teus olhos sim. Azulinho. Eu sou como as rochas que parecem descrente ao amor mas se deixam atravessar pelo mar.
Talvez a poesia so sirva mesmo pra alguém não se matar num domingo a noite ao ler hilda hilst ouvir caetano e viver unpocomas


25 de junho
não sei te amar é com você que quero percorrer todos os caminhos, fazer planos sussurrados por debaixo dos lençóis e em meu corpo caem cacos de ternura, esse carinho todo meu bem, dói.




Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...