15.10.13

Vai pra um convento, Ofélia!






Ofélia: meu responsável senhor, sabeis perfeitamente bem que sim e acompanhando vossas dádivas com frases de tão doce alento que muito mais preciosas se tomavam. Perdido o perfume que possuíam, recebei-as novamente, porque para um nobre coração, os mais ricos presentes tornam-se pobres quando aquele que oferece o presente já não mais demonstra afeto. Ei-los aqui, meu senhor! 

Hamlet – ah, ah! És honesta? 

Ofélia – Meu senhor! 

Hamlet – E bela? 

Ofélia – que quer Vossa Alteza dizer? 

Hamlet – Que se fores honesta e bela, tua honestidade não deveria permitir nenhuma homenagem a tua beleza. 

Ofélia – meu senhor, com quem a beleza poderia manter melhor comércio a não ser com a honestidade? 

Hamlet – sim, é verdade. Porque o poder da beleza transformará a honestidade em alcoviteira, muito antes que a força da honestidade transforme a beleza à sua imagem. Outrora, isto era um paradoxo, mas agora o tempo mostra que é coisa certa. Amei-te antes... 

Ofélia – foi, na verdade, meu senhor, o que me fizeste acreditar. 

Hamlet – não deverias ter acreditado em mim, pois a virtude não pode ser inoculada em nosso velho tronco sem que nos fique algum mau ressalto. Eu não te amava

Ofélia – tanto maior foi minha decepção. 

Hamlet – entra para um convento. Por que desejas ser mãe de pecadores? Quanto a mim, sou relativamente honesto e, contudo, de tais coisas poderias acusar-me, que melhor seria que minha mãe não me tivesse posto neste mundo. Sou muito orgulhoso, vingativo, ambicioso, com mais pecados na cabeça do que pensamentos para concebê-los, fantasia para dar-lhes forma ou tempo para executá-los. Por que hão de existir pessoas como eu para se arrastarem entre o céu e a terra? Todos nós somos consumados canalhas; não te fies em nenhum de nós. Segue teu caminho para o convento. Onde está seu pai? 

Ofélia – em casa, meu senhor. 

Hamlet – fecha bem as portas, para que somente em casa represente ele o papel de bobo. Adeus! 

Ofélia – ó céus clementes, ajudai-o! 

Hamlet – se te casares, eu te darei esta maldição como dote; mesmo que fores tão casta quanto o gelo, tão pura quanto a neve, não escaparás da calúnia. 
Vai para um convento, vai! Adeus! E se fazes absolutamente questão de casar-te, casa-te com um tolo; porque os homens avisados sabem muito bem que classe de monstros fazeis deles, vós, mulheres. Para um convento, vai! E o mais depressa possível! Adeus! 

Ofélia – ó poderes celestiais, restitui-lhe a razão! 

Hamlet – disseram-me, também, que fazeis uso de pinturas. Deus vos concedeu uma face e fabricais uma outra. Andais dançando, sois afetada, falais ciciando e dais apelido às criaturas de Deus, fazendo passar vossa leviandade por candidez. Vai-te, estou farto disso; foi por causa disso que fiquei louco! Posso dizer-te que não mais teremos casamentos. Viverão, exceto um, todos aqueles que já estejam casados. Os outros ficarão como estão. Para o convento, vai-te! (sai) 

Ofélia- Oh! Como é triste que um nobre espírito fique assim transtornado! A penetração do cortesão, a língua do estudioso, a espada do soldado, a esperança e a flor deste belo país, o espelho da moda, o molde da elegância, o alvo de todos os olhares, perdido, completamente perdido! E eu, a mais desgraçada e infeliz das mulheres que sugou o mel de suas doces promessas, tenho que contemplar agora aquele nobre e soberano entendimento, como harmoniosas campainhas fendidas, fora de tom a estrídulas e aquelas formas e feições incomparáveis de florida juventude, murchas pelo delírio. Oh! Como sou desgraçada! Ter visto o que vi e ver agora o que vejo!

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...