16.9.19

Reivindicação dos direitos da mulher - Mary Wollstonecraft


Escrita em 1792, em resposta à constituição francesa de 1791 que não incluía as mulheres na categoria de cidadãs, a obra de Mary Wollstonecraft é de uma sagacidade impressionante. Impressiona por ser o registro de uma mente tão viva e atenta para as verdadeiras origens da opressão das mulheres. Quando o mundo inteiro, vulgo homens brancos aristocratas, colocava as mulheres num eterno patamar de inferioridade, quando o mundo não chegava a considerar as mulheres como gente, Mary ousou levantar sua voz contra isso, mas com muita esperteza. Sua missão nesse livro é ser ouvida por homens, ser entendida por eles. 



Então o livro mesmo sendo hoje importantíssimo para nós mulheres, acredito que foi inicialmente dirigido a eles, até porque há esse tom na escrita. Mas por que isso? Porque Mary sabia quem comandava o mundo, quem detinha o poder da vida das mulheres na mão (e ainda detêm). É preciso que as mulheres se levantem, entendam as origens das suas opressões e revolucionem. Mas até podermos chegar nesse caminho de estar nos espaços públicos defendendo nossos direitos, as mulheres precisaram convencer os homens a "permitir" isso. Por isso, nesta obra, Wollstonecraft usa argumentos que a primeira vez nos pareçam estranhos, ela clama pelo direito à educação da mulheres, afirmando que isso beneficiará os homens e a sociedade; as mulheres seriam assim melhores mães e melhores esposas. Ora, claro que a vontade dela era de gritar NÓS TEMOS DIREITOS PORQUE SOMOS GENTE, PORRA! 

Mas os homens não iriam ouvir. Essa inteligência é o que mais marca a obra. Muito sarcástica também, Mary crítica em pleno séc. XVIII que a vida da mulher seja destinada apenas a cuidar da aparência, da beleza, dos vestidos, etc (alô, leitoras de O Mito da Beleza), afirmando que isso se dá apenas pela necessidade deprimente da mulher em agradar ao homem, o que foi colocada a nós como única função da vida. 

De resto a vida de Mary prova sua coragem: não teve relacionamentos convencionais, não acreditava no casamento, fundou uma escola para meninas, entre outros feitos. Eu poderia dizer que ela foi à frente do seu tempo, mas Mary estava exatamente no seu tempo, eles é que estavam atrasados.


Mulheres, raça e classe - Angela Davis



Como feminista branca esse livro é um importante confronto. O capítulo que fala sobre o mito do homem negro estuprador foi o mais desafiante para mim. Sempre me coloco ao lado da mulher, como no caso do Neymar (homem negro acusado de estupro por uma mulher branca, porém um homem negro que é "embranquecido" pela riqueza que tem hoje, no entanto, isso não apaga o racismo que ele já sofreu ou ainda sofre), ainda prefiro estar do lado de uma suposta mentirosa do que de um suposto estuprador. Mas de fato, não é possível ignorar que em grande parte dos casos de estupros, são os homens brancos que saem impune e que homens brancos usaram o mito do homem negro estuprador para reafirmar atitudes racistas e linchamentos. 


Essa dialética é que faz esse livro tão complexo e necessário de ser debatido profundamento para além de achismos. Angela Davis é ciência, filosofia, pesquisa. Também foi super importante para mim ver outra faceta do movimento sufragista. É chocante perceber como tivemos a oportunidade de unir mulheres brancas aristocratas, mulheres da classe trabalhadora e a população negra numa só força contra o patriarcado e a branquitude (que também mata mulheres) e fomos divididos. 

O governo dos EUA colocou para duas forças gladiarem entre si ao fazerem escolher quem deveria receber o voto primeiro: homens negros ou mulheres. Nessa briga, as mulheres negras não estavam inclusas em nenhum dos grupos, pois se mulheres brancas ganhassem o direito ao voto, isso não iria se estender as mulheres negras.

Sojourner Truth

Fiquei imaginando se poderia ter sido diferente, e se nesse momento tão crítico ambos os lados poderiam ter se colocado como um "único corpo" e dizer: "só iremos aceitar o direito ao voto se todos puderem votar". Fico pensando o que faltou para as feministas brancas da época olharem mais para outras opressões, principalmente entender que o racismo atingia também outras mulheres. 



gif do site da Boitempo

Fiquei feliz de que algumas mulheres brancas foram citadas na luta antirracista, para provar que não era só uma questão da época que todo mundo fosse racista, que em toda época existiu a luta contra o sexismo e antirracista e mesmo contra a corrente algumas feministas brancas souberam olhar para a opressão do povo negro. Angela centra sua discussão mais na questão racial no livro em geral, alguns capítulos são dedicados a feministas socialistas/comunistas e vemos a intensa pesquisa do trabalho de Davis. 


O movimento sufragista como um todo é o mais atacado, o que acho necessário. É importante também entendermos que a luta pelo trabalho e independência financeira que as mulheres brancas exigiam, era um estágio de certa forma já conquistado pelas mulheres brancas pobres e pelas mulheres negras, que sempre trabalharam ao lado de homens negros e não era somente isso que levaria-as à libertação. Faltava às feministas brancas entenderem as raízes da opressão feminina e como isso se dava em níveis diferentes com relação a suas irmãs negras e nesse ponto Angela Davis levanta a questão da educação. 


O direito a educação era uma grande luta do movimento negro e foi também o ponto principal do livro "Reivindicação dos direitos da mulher", de Mary Wollstonecraft. Se os trabalhos destinados à mulher forem apenas extensão de serviços que fazem parte de nossa opressão (como o trabalho doméstico), é difícil que haja igualdade entre gêneros, e Angela Davis coloca como isso se agrava na discrepância entre as oportunidades de trabalho e educação para mulheres brancas e negras e mulheres brancas pobres. Já que com o fim da escravidão a maioria das mulheres negras continuou executando os mesmo trabalho de antes. Angela Davis questiona a luta pelo salário para o trabalho doméstico das donas de casa, afirmando que as donas de casas não seriam mais felizes ou emancipadas com isso. Essa questão é bem complexa e comparar esse capítulo com O Ponto zero da Revolução da Sivia Federici daria horas infinitas de debate. Aliás, as duas vêm ao Brasil em Outubro e queria muito que tocassem nesse assunto.
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Os 13 artigos aqui compilados com certeza formam um dos mais importantes escritos para refletirmos a relação entre feminismo, racismo e luta de classe. Obrigada, Angela Davis!


Resenha: Seja homem (JJ Bola - Editora Dublinense)

Seja Homem é um livro que busca analisar a construção da masculinidade no patriarcado, discutindo como as práticas do que seria “ser um home...