30.10.17

A Fugitiva - Anais Nïn [Desafio Lendo Mais Mulheres 2017] [Setembro/leitura 25]



Li "A Fugitiva" na edição da L&PM Pocket, na coleçao 64 páginas para o Desafio Lendo Mais Mulheres 2017 na categoria "Literatura Erótica". Tenho interesse em Lit. Erótica há um tempo e já havia tido contato com a obra de Anais Nïn. Porém, ler hoje, com as leituras feministas que tenho e com a mente que venho construindo e reconstruindo foi algo bem diferente da mulher que leu Anais Nïn há 3 anos. 

Estamos vivendo um momento em que todos estão sempre pronto a julgar e sentenciar o que presta ou não presta na arte, o que é arte ou não. Quando se trata do erótico, nossa, os julgamentos triplicam. Eu não sei explicar, mas como disse, o erotismo na arte sempre me interessou muito e eu sempre gostei de falar de sexo abertamente. Há poucas representantes mulheres da escrita erótica e mesmo com todas as ressalvas, Anais continua sendo um nome importante por ser uma mulher que tenha escrito sobre o prazer da mulher numa época mais repressora ainda que hoje.  

Anais foi sim a frente do seu tempo em escrever sobre os desejos eróticos e a liberdade sexual do ponto de vista da mulher. Eu nunca li um livro que descrevesse tão perfeitamente o prazer feminino, em detalhes, os tremores no corpo, os desejos, as fantasias de personagens femininas que são tabu até hoje, Anais revela o que queremos, fala sobre o erotismo da mulher que busca o prazer carnal, sem julgamentos (cada uma com suas particularidades). Anais reverbera até hoje por mostrar em certa medida, mulheres donas de si, ativas, espiãs, fugitivas. Mulheres que ela mesmo viveu, transitando entre as diversas Anai(s) que ela tinha dentro de si. 

Essa edição de "A Fugitiva" reúne 3 estórias: O Basco e Bijou; Manuel; A Fugitiva.

No entanto, esses três contos a autora agrupa muitos problemas relacionados a condição sexual feminina, apesar de admirar o talento de Anais e a ousadia, ela ainda mostra situações que ficaram famosas no mundo da literatura erótica, mas que retratam temas discutíveis como prostituição, estupro e pedofilia, além de um racismo forte.

O primeiro conto é bem polêmico, pois narra a história de uma prostituta (Bijou) e um artista (chamado de Basco), cliente  frequente do bordel onde Bijou trabalha. Primeiro, é preciso ter cuidado com a visão da prostituição que Anais coloca. Ela traz um olhar que acho glamourizado da prostituição, aquela ideia de que prostitutas amam o que fazem. O que admiro em Anais é mostrar a mulher que busca prazer sim! Que quer gozar, que gosta de sexo. O que não me agradou é ela ter usado a prostiuição para mostrar isso. Porque muito se discute hoje sobre a prostituição ser uma exploração, não algo prazeroso. Mas a sociedade de vez em quando solta uma história de prostituas que "gostam" do que fazem. Anais escolhe mostrar uma prostituta que tem "bons clientes" e que se diverte com isso, mas ainda assim não deixa de ser apenas um objeto sexual na visão deles. Por mais que Bijou tenha em mente o seu próprio prazer, ela ainda é vista como objeto sexual. Bijou decide sair da prostituição para ser esposa de Basco, porém ele começa a usá-la para animar suas festas particulares com seus amigos. Enquanto eu lia, comecei a criticar essa visão objetificada que ela estava colocando, mas ao decorrer do conto a mulher toma consciência de que está sendo uma prostituta particular. Porém, Bijou ainda passa um tempo sob domínio de Basco e decide então procurar amantes. 

O estupro e o assédio também aparecem na obra. Bijou vai em um místico, espécie de tarologista e lá ele a "hipnotiza" e começa a acariciá-la, e em seguida a estupra, visto que para ele Bijou estava inconsciente, porém Bijou "finge" que está hipnotizada e Anais descreve a situação como se ela tivesse muito prazer. Além disso Anais não dá nome ao mistico e o chama apenas de o "africano", mostrando uma visão totalmente européia erotitzada do corpo negro. Fiquei extremamente incomodada com essa cena. Por um lado, Anais mostra o prazer feminino mas as vezes dentro de situações em que não há prazer nisso para as mulheres, mostra em tom de fantasia sexual, isso me fez questionar a origem das fantasias sexuais femininas. 
Essa é uma situação que abre espaço para que o estupro possa ter algum prazer para mulher, quando não há nenhum, estupro não tem relação com prazer sexual e sim com o domínio de mulheres, por isso o "místico" "hipnotiza" as mulheres, para elas estarem indefesas.
Outra situação incômoda é que Bijou é abordada na rua por um tarado e age muito tranquilamente, como se isso também a excitasse. Novamente Anais coloca essas duas questões, o assédio não é nada excitante para as mulheres e lutamos contra isso todo dia. Porém, a personagem criada por Anais tem prazer nisso. Ao mesmo tempo penso que Anais quisesse trazer essa complexidade do lado da mulher, o que não deixa de ser problemático tendo em vista as dicussões que temos hoje. Bijou ao mesmo tempo que é muito segura de si, do que busca, vive situações de submissão sexual e exploração do corpo da mulher pelo homem. Talvez Anais não tenha se atentado na época para a violência que é o domínio masculino nessas situações. Ao mostrar o prazer da mulher em situações de dominação masculina, Anais acaba abrindo portas para uma visão infeliz em questões que discutem a real liberdade da mulher. Por um lado Bijou se acha livre para buscar seu prazer, mas está presa dentro de situações machistas e controladoras.

Conto que dá nome ao livro, A Fugitiva também traz um sério problema: dois homens de trinta e poucos anos se envolvem com uma menina de 16 anos. A cultura da pedofilia romantiza muito meninas de 16 anos, "sweet sixteen" é refrão de algumas músicas de rock, etc. Me repetindo, nesse conto, Anais descreve os desejos sexuais do corpo de uma mulher, porém Jeanette, personagem central desse conto não é uma mulher, e sim uma menina. Também não vamos cair na ilusão de que todas as mulheres só tem relação sexual depois dos 18, pois isso não existe. Acho sim que precisamos discutir sexo com nossos adolescentes e principalmente discutir sobre dominação masculina no sexo com nossas meninas. Porque como Jeanette, as mulheres que têm contato sexual ainda na adolescencia, poucas vezes se descobrem mesmo sexualmente, ou chegam a conhecer seu corpo, chegam a ter consciencia de si. Jeanette foge de casa em busca de aventuras sexuais, pois a mãe trazia muitos amantes para casa e isso a deixava "curiosa". Porém, Anais relaciona isso totalmente a uma submissão feminina, Jeanette não se descobre e sim é usada pelos dois homens. Jeanette se apaixona, se entrega a dois homens que só tem interesse puramente sexual. Achei um conto bem triste, mas que me trouxe muitos debates em várias aspectos.

Outra coisa que é preciso falar, Anais fez o livro encomendado para um HOMEM cliente dela, então realmente não sei até que ponto ela estava escrevendo para agradar o gosto machista dele. Mas isso não reduz minhas criticas, apenas uma informação para acrescentar que também havia entre escritora e leitor uma relação submissa.

Eu não abomino a leitura de Anais Nin, mesmo com todas as minhas considerações, A Fugitiva é um excelente livro para debater literatura erótica/pornográfica e feminismo. E me fez pensar que precisamos de mais escritoras com a coragem da Anais (em certo sentido) para falar do corpo erótico da mulher, dos orgasmo femininos, mas de escritoras que possam ultrapassá-la em algo que la não pode fazer, libertar a mulher e seu prazer de vez de situações como as criticadas. Não quero banir a mulher sexual que Anais mostra, quero coloca em situações que não firam outras mulheres, quero tirá-las dos bordéis, ou dos assédios nas ruas, quero que elas procurem prazer sem nenhum tipo de dominação machista, que elas possam ser de fato livres. 



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